Memória
Comunidade reage ao abandono do Museu Histórico e do Museu do Café de Ribeirão Preto, e MP-SP recebe denúncia contra a Prefeitura Municipal
No segundo semestre de 2023, a calamitosa situação do Museu Histórico e do Museu do Café, ambos situados dentro do câmpus de Ribeirão Preto da USP (em um parque próprio, que inclui um rico Jardim Botânico), tem sido objeto da atenção e indignação de pesquisadores, Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto (Conppac) e até da mídia local.
Apesar de laços históricos com a USP, os museus pertencem à Prefeitura de Ribeirão Preto e, como o próprio Conppac, são vinculados à Secretaria de Cultura e Turismo do município. Em 2011, a Prefeitura e a Câmara Municipal rejeitaram uma proposta de transferência dos museus para a universidade. Desde 2016, ambos estão fechados, à espera de uma reforma que dependeria da arrecadação de doações privadas, no montante de R$ 15 milhões, e que até o momento não se iniciou.
Como agravante, a Prefeitura de Ribeirão Preto acenou com a ideia de transferência dos acervos para o Museu do Café de Santos, proposta criticada por estudiosos. No último dia 20 de outubro, uma vistoria dos dois equipamentos, organizada pelo Conppac e contando com a participação de historiadores e de técnicos da municipalidade, constatou o estado precário de ambos os acervos.
“Foi o que pudemos fazer numa tarde. Mas ficaram evidenciados problemas seríssimos de abandono, de estrago, uma coisa que nunca vi na vida, sinceramente. Andei muito pelos museus do interior, nunca vi coisa igual”, relata ao Informativo Adusp Online uma das participantes da vistoria, a professora Sílvia Maria do Espírito Santo, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), que foi diretora do Museu Histórico e do Museu do Café entre 2000 e 2003.
“Ninguém faz isso com a história, as cidadezinhas por aqui. Os museus estão abertos, estão funcionando, as pessoas vão lá. Ribeirão Preto está nesse estado, dentro da Universidade. O que é chocante”, acrescenta a docente da Filô, que enfatiza a forte ligação existente entre os dois equipamentos culturais em situação de abandono e a USP.
“O Jardim Botânico foi inventariado pela professora Elenice Mouro Varanda [FFCLRP] e faz parte do entorno tombado, em conjunto, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), em 1982. As casas da antiga Colônia Napolitana, destruídas pela Prefeitura do câmpus, fazem parte de um conjunto tombado pelo Condephaat que inclui todas as unidades: sede, terreiro, tulha, colônias e sistema viário. Todos esses elementos fazem parte do tombamento da USP”, destaca Sílvia Maria.
Como resultado da diligência realizada nos museus, o presidente do Conppac, Lucas Gabriel Pereira, encaminhou no dia 31 de outubro uma representação ao promotor de justiça Wanderley Trindade, do Ministério Público (MP-SP), por meio da qual ele denuncia os “crimes perpetrados contra o patrimônio cultural e natural do Museu Histórico e de Ordem Geral ‘Plínio Travassos dos Santos’ e do Museu do Café ‘Francisco Schmidt’”. De acordo com o documento, o Museu Histórico é tombado pelo Condephaat (Resolução 7/1994), enquanto o Museu do Café é um bem integrante de área tombada, que é o câmpus da USP.
“No local, foi verificado que não consta plano contra incêndio (laudo AVCB vigente), colocando os respectivos museus, acervo museológico e servidores em risco”, principia a representação. “Os acervos se misturam por razões desconhecidas”, registra. Ainda segundo o presidente do Conppac, os museus não foram inseridos na Rede de Museus do Instituto Brasileiros de Museus (Ibram), órgão do governo federal, o que representa descumprimento do Estatuto dos Museus (lei 11.904/2009).
“A inscrição dos museus junto ao Ibram visa garantir o direito da população brasileira e de estrangeiros que visitam o país à conscientização, à memória, à cultura e à ancestralidade – raízes da formação da população. Serve de fomento financeiro-econômico ao turismo – de negócios, recreativo, pesquisa cientifica e universitária. Em resumo, visa a garantia do direito substantivo à educação patrimonial!”, argumenta Pereira.
“Nesse sentido, exsurgem muitas perguntas, dentre elas, suscitamos: a) quais as medidas concretas – e documentadas – implementadas pela Prefeitura de Ribeirão Preto para cumprir a integralidade da lei federal 11.904/2009? b) quais os registros dos acervos museológicos de ambos os museus objetos da diligência? c) quais os relatórios, ofícios, requerimentos, documentam o esforço da Prefeitura para garantir a catalogação dos bens e o registro online junto ao Ibram? d) Ainda quanto ao item ‘c’, houve contratação de alguma empresa ou de universidade para ajudar nesse sentido?”
Além de sugerir ao promotor de justiça que apure as causas da inexistência de inventários confiáveis dos respectivos acervos, a representação recomenda, “ante o não-registro e inventário dos bens, que sejam empreendidos esforços investigativos para amealhar o máximo de documentação possível, para investigarmos se houve ou não desvio de bens ao mercado clandestino de bens culturais”.
Pede, ainda, que sejam investigadas as gestões anteriores da pasta de Cultura e Turismo, responsáveis pelo “estado inconstitucional de coisas dos museus Histórico e do Café – do acervo museológico e do patrimônio natural, ante as várias espécies botânicas subtraídas da paisagem dos museus”. A seu ver, tal “estado de ruína somente foi alcançado porque há anos a Administração local omite-se no dever de conservar o patrimônio cultural local, deixando de reservar verbas orçamentárias necessárias à sua manutenção”.
O presidente do Conppac denuncia igualmente a falta de profissionais especializados na direção das instituições: “Sequer temos museólogos à frente dos referidos museus (vide artigo 17, do Estatuto dos Museus), já que a Prefeitura Municipal recusa abrir concurso público específico para tanto”.
A necessidade da contratação de um museólogo foi levantada durante recente reunião do Conppac com a empresa Corsi Arquitetura e Construções Ltda., para tratar da construção da Reserva Técnica dos museus, edificação cuja finalidade é abrigar os respectivos acervos durante a pretendida reforma dos prédios. A Corsi foi contratada em 2020, mediante licitação, para conduzir o projeto de reforma e restauração do complexo dos museus.
A mobilização do Conpacc e a repercussão na mídia parecem ter feito a Prefeitura de Ribeirão Preto recuar da ideia de transferência dos acervos para o Museu do Café de Santos.
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