Memória
Franklin de Matos (1950-2024), que articulou filosofia e literatura, teve “papel decisivo nos estudos de estética no Brasil”
“Professor querido, dotado de um senso de humor inconfundível, Luiz Fernando Batista Franklin de Matos nos deixou no dia 7 de julho”. Assim se inicia a nota em que a Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof) lamenta o falecimento, aos 74 anos, do professor titular aposentado Franklin de Matos, do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), unidade onde ingressara como docente havia exatos cinquenta anos.
O Departamento de Filosofia publicou, com destaque, nota a seu respeito, de autoria do professor Márcio Suzuki. Seu colega de departamento avalia que, por seu ensino, conferências e publicações, Franklin “teve papel decisivo não apenas na consolidação dos estudos de estética no Brasil, mas também ajudou a fortalecer a reflexão sobre a filosofia da Ilustração entre nós”, deixando como legado inequívoco a “articulação entre filosofia e literatura” que soube construir em seus escritos. “Na memória dos que o conheceram permanecerá vivo também pela civilidade, pelas inúmeras histórias e anedotas que sabia contar, pela perspicácia do observador, pelo apreço à adequação e decoro”.
Suzuki relata que, quando ainda cursava a graduação, Franklin ― também carinhosamente apelidado “Fanto” e “Sócrates” ― foi convidado pela professora Gilda de Mello e Souza a publicar dois textos seus nos números iniciais da revista Discurso, que ela acabara de fundar. É com Gilda, conta ainda, que Franklin inicia seu mestrado sobre Dom Quixote, “o qual se transformaria em tese de doutorado, defendido em 1979, sob orientação de Otília Beatriz Fiori Arantes”.
Franklin tornou-se professor de estética do Departamento de Filosofia da FFLCH em 1974, jovem e recém-formado. “Por volta do início dos anos 1980 se volta ao estudo da filosofia e literatura do século XVIII, em particular, da estética teatral de Denis Diderot, de quem traduz o Discurso sobre a poesia dramática”, prossegue Suzuki.
“Pouco depois começa a elaborar aquela que é uma de suas contribuições mais originais, ao perceber a correlação da figura do filósofo com a do comediante no pensamento diderotiano. Ao longo dos anos publica trabalhos sobre a estética e literatura do Iluminismo, reunidos por ele no livro O filósofo e o comediante — Ensaios sobre filosofia e literatura da Ilustração (2001)”.
No entender de Suzuki, “o mesmo ensaísmo refinado, que na prosa filosófica brasileira ombreia com os escritos de Bento Prado Jr. e Rubens Rodrigues Torres Filho, se faz presente no livro seguinte, A cadeia secreta (2003), dedicado ao experimentalismo e realismo na obra romanesca de Diderot”. Franklin foi editor do Jornal de Resenhas a partir de 1997, “ao lado de Milton Meira do Nascimento, Victor Knoll, Sérgio Miceli, Augusto Massi e tantos outros, experiência intelectual marcante, que lhe permite apurar ainda mais a escrita ‘límpida, concisa e precisa’, conforme escreveu Marilena Chauí”.
Para homenagear o autor de O filósofo e o comediante, o site “A Terra é Redonda” republicou o belo prefácio que o professor emérito Bento Prado Jr. (1937-2007) escreveu para essa obra, que é, a seu ver, “mais uma prova do rigor e do vigor dos estudos de filosofia setecentista na USP”. O que se persegue nesse livro, sugere Bento Prado Jr. a certa altura, é “o movimento tateante pelo qual, ao longo do século XVIII, começa a se edificar uma nova disciplina filosófica, a estética, que passaria, no século XIX, a dividir com a lógica o núcleo central da própria filosofia”.
“Antes de adoecer mais gravemente, ele vinha se dedicando a alguns trabalhos inéditos, ligados à sua atividade de pesquisador. Fruto desse esforço, ‘A invenção do leitor’ é um ensaio sobre Dom Quixote que será publicado em breve pela Editora 34”, revelou Maria Aguilera Franklin de Matos, sua filha, ao Informativo Adusp Online. “Também deixou para publicação traduções de contos de Diderot e de textos do crítico Jean Starobinski, além de uma coletânea de ensaios de sua própria autoria, intitulada ‘O palco iluminado’”.
Maria comentou ainda sua “profunda identificação com a USP”, com o trabalho de professor de Filosofia, “e a importância que, articulada ao ofício de ensinar, dava à escrita”, uma de suas grandes vocações. “Foram mais de cinquenta anos na Universidade que renderam muitas trocas com colegas, alunos e funcionários de várias gerações. Muitos deles se tornaram amigos queridos”, completa.
Franklin deixa a esposa, Yanet Aguilera Viruez Franklin de Matos, as filhas Maria e Maia, e amigos — todos “saudosos de seus comentários espirituosos e seu bom humor diderotiano”. Era filiado à Associação de Docentes da USP desde 1986.
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