Promiscuidade com fundação derrubou reitor da UnB

O principal fator da crise vivida pela Universidade de Brasília (UnB), que resultou na renúncia do reitor da UnB, Thimoty Mulholand, e na sua substituição por um reitor temporário, Roberto Aguiar, foi a promiscuidade histórica entre sucessivas gestões reitorais e as seis fundações privadas ditas de apoio que vicejaram à sombra da instituição pública. As revelações dos promotores públicos do Distrito Federal acerca dos abusos praticados pela Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), bem como a intervenção judicial nesta entidade “de apoio”, foram o estopim da indignação estudantil.

Unb

A ocupação da Reitoria pelos estudantes, que recebeu apoio da Associação dos Docentes (Adunb) e do Andes-SN, foi amplamente vitoriosa, não só pela rapidez com que provocou a saída do reitor e do vice-reitor, mas por desdobramentos que podem contribuir com a democratização da UnB, com repercussões nacionais, em especial a realização de Congresso Estatuinte. Os estudantes decidiram desocupar a Reitoria em assembléia realizada em 17/4. Na véspera, em negociação com o reitor pro tempore, ficou acertado que não haveria punições.

“Foi um processo difícil, tensionado, houve uma resistência muito grande da administração da UnB”, explica ao Informativo Adusp a professora Rachel Nunes, presidente da Adunb. “Mas finalmente tomaram uma decisão sensata, de renunciar”. Ela destaca o papel primordial dos movimento estudantil: “O principal protagonista foram os estudantes, que já em fevereiro tinham deliberação do DCE sobre o afastamento do reitor e do vice-reitor, referendada em assembléia no dia 10/3”.

Maturidade

Na opinião da presidente da Adunb, “os estudantes, com maturidade política, souberam instigar e engajar os outros dois segmentos” — professores e funcionários técnico-administrativos. No caso dos docentes, embora a diretoria da Adunb tivesse, logo após o surgimento das primeiras denúncias, firmado posição pela saída do reitor e do decano (pró-reitor) de administração e finanças, uma assembléia numerosa realizada em fevereiro rejeitou a proposta e defendeu a permanência de Mulholand. Só no dia 10/4, depois que novas denúncias envolveram a Editora da UnB, o vice-reitor e outras fundações, é que outra assembléia reverteu a posição anterior.

O movimento, diz a professora Rachel, “deu uma sacudida na comunidade”, inclusive nos funcionários, que inicialmente também apoiavam a permanência do reitor. “Tem uma lição muito grande. Os professores devem fazer uma autoanálise. O próprio Consuni [Conselho Universitário] deve fazer uma autocrítica, pois ele nunca se autoconvocou”.

Otimista com as possibilidades de redemocratização da UnB, “que fortaleça as instâncias de representação e deliberação, os colegiados”, e apontando a disposição do reitor pro tempore em negociar, em contraste com a gestão anterior, que optou por medidas repressivas (corte de luz e água, convocação da polícia), a presidente da Adunb declara que é preciso rever o papel de órgãos como o Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília (que formalmente é a mantenedora da UnB), composto pelo reitor e outros quatro membros, e ao qual submetem-se até mesmo as decisões do Consuni. Foi o Conselho Diretor que aprovou as verbas para o famoso apartamento funcional mobiliado pela Finatec. “Dois conselheiros estão lá há 16 anos. Alguma coisa está errada”, diz.

Vitória

O coordenador geral do DCE da UnB, Fábio Félix, considera que o movimento alcançou enorme vitória ao derrubar toda uma gestão que estava comprometida com práticas condenáveis, mas pensa que é necessário avançar: “O movimento trouxe um debate muito grande sobre democracia e corrupção. Agora a gente parte para um novo momento, que é conseguir construir uma gestão democrática na Universidade. Decidimos desocupar a Reitoria e ocupar toda a Universidade. Queremos convencer o conjunto da comunidade acadêmica, docentes, funcionários e estudantes, da justeza da eleição paritária”.

Trata-se porém de uma ocupação simbólica, com o intuito de abrir o debate sobre as questões que estarão em jogo nos próximos dias: o Congresso Estatuinte e o processo eleitoral. Na reunião de 15/4, o Consuni criou duas comissões paritárias, do próprio colegiado: uma, com prazo de 15 dias, encarregada de elaborar uma proposta para o Congresso; a outra incumbida de, no prazo de 30 dias, elaborar uma proposta para o processo de eleição dos próximos reitores.

Para Fábio, há uma “possibilidade bastante concreta” de aprovação da proposta de eleição paritária, defendida também por docentes e funcionários: “Os estudantes deram uma demonstração de força. Por isso, acredito que a vontade do movimento será respeitada”.

Advertências

Não faltaram advertências, antes que a crise explodisse. Em primeiro lugar, as manifestações do Tribunal de Contas da União (TCU) condenando contratos ilegais, celebrados entre o poder público e fundações “de apoio”, entre elas a própria Finatec (vide Dossiê Nacional 1, Andes-SN, 2006, p. 27-34, em www.andes.org.br).

Depois, iniciativas da Adunb, que em junho de 2006 oficiava ao Ministério Público Federal contra UnB, Finatec, Fundação Universitária de Brasília (Fubra),  Fundação de Estudos e Pesquisas em Administração e Desenvolvimento (Fepad),  Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Hospital Universitário de Brasília (Fahub), Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área da Saúde (Funsaúde) e Fundação de Estudos em Ciências Matemáticas (Femat), “em razão das práticas lesivas ao erário e atentatórias aos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade, do concurso público, da gratuidade de ensino nos estabelecimentos oficiais” e por ferirem diversas leis.

Um mês antes, a Adunb já notificara o então reitor Thimoty Mulholand sobre as ilegalidades que vinham sendo cometidas. Nesse ofício, a Adunb pedia ao reitor “providências imediatas no sentido de investigar a existência de eventuais convênios firmados entre esta Instituição Federal de Ensino e fundações privadas de apoio que se enquadrem nas irregularidades apontadas”, e que, uma vez constatada “a existência de tais convênios, requer-se a imediata rescisão administrativa destes últimos, bem como sejam intimadas as fundações privadas de apoio para procederem à imediata devolução dos valores eventualmente recebidos” (a íntegra de ambos os documentos está disponível em www.adunb.org.br).

“As fundações não podem ser usadas como mecanismo de privatização”, afirma a professora Rachel Nunes. “Nossa luta é para acabar com os cursos pagos em todos os níveis, seja na graduação ou na pós-graduação, stricto e lato sensu”.

 

Matéria publicada no Informativo n° 256

EXPRESSO ADUSP


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