Causa espanto, merecendo inteiro repúdio, a decisão da Prefeitura do Câmpus de Lorena da USP (PUSP-L) de ceder áreas da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) para “fins de instrução militar”, até o dia 30/9, em atendimento a um pedido do 2º Batalhão de Engenharia de Combate de Pindamonhangaba (“2º BE Cmb”).

Chega a ser surreal a explicação da PUSP-L, na nota que emitiu a respeito, de que dita instrução é um “procedimento regular” e de que não se trata de “nenhuma operação ou intervenção, mas de um treinamento desta equipe, que em nada pretende interferir nas atividades discentes e docentes”.

Ocorre porém que nada pode haver de “regular” num treinamento militar realizado dentro de um câmpus universitário. Quanto a ressaltar que não se trata de “nenhuma operação ou intervenção”, sabe-se que, se fosse este o caso, o Exército não oficiaria previamente à EEL. Além disso, a nota omite informações mais precisas sobre o treinamento, por exemplo: haverá disparo de munição real?

Obviamente, o Exército dispõe, ou deveria dispor, de áreas próprias adequadas para realizar treinamentos militares. Não cabe a outros órgãos públicos, muito menos às universidades públicas estaduais, resolver esse tipo de problema do “2º BE Cmb”, apelidado por sinal de “Batalhão Borba Gato”.

Outro aspecto igualmente grave envolvido neste episódio é que até esta data as Forças Armadas não cumpriram as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ao Estado brasileiro (2014), relativamente às atrocidades cometidas pela Ditadura Militar (1964-1985), entre as quais figura um pedido de perdão ao povo brasileiro, a abertura dos arquivos secretos da época e diversas outras medidas.

Quarenta e sete brasileiras e brasileiros vinculados à USP, inclusive cinco docentes, foram assassinados por agentes da Ditadura Militar. Quarenta e sete! Especificamente, na quase totalidade desses casos, foram militares do Exército os autores dos crimes cometidos. Porém, o Exército jamais se desculpou por esses assassinatos e sabotou abertamente os esforços da CNV para aprofundar as investigações a respeito. Sem falar nas perseguições desfechadas, após o AI-5 (1968), contra docentes da USP e de outras universidades brasileiras.

Assim, franquear o acesso do câmpus de Lorena a militares para que lá façam seus treinamentos, como se nada tivesse acontecido, é não apenas insensato, mas também desrespeitoso. É uma afronta aos que tombaram na luta contra a Ditadura Militar ou foram por ela torturados e perseguidos.

Famenquil e Faenquil, instituições predecessoras da EEL, nasceram durante a Ditadura Militar e sob forte influência dos militares. No entanto, já se passaram dezessete anos desde que a Faenquil foi incorporada à USP, disso resultando o surgimento da EEL. Já não faz sentido, portanto, enxergar a escola como se fosse uma extensão do Exército. A EEL não é quartel.

São Paulo, 25 de setembro de 2023

A Diretoria da Adusp

Íntegra da nota da Prefeitura do Câmpus de Lorena

Esclarecemos à Comunidade que, atendendo ao Ofício nº 21-S3/2º BE Cmb, foi autorizada a utilização temporária das áreas deste Campus para fins de instrução militar. Esta autorização foi concedida até o dia 30/09/2023.

Este procedimento é regular e não se trata de nenhuma operação ou intervenção, mas de um treinamento desta equipe, que em nada pretende interferir nas atividades discentes e docentes.

PUSP-L

EXPRESSO ADUSP


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