O Senado Federal está prestes a votar o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 77/15, conhecido como Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e já aprovado na casa de origem. O PLC propugna a criação de entidades denominadas “Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação” (ICTs), os quais terão o estatuto jurídico de “Organizações Sociais” (OS) e poderão, a título do desenvolvimento de atividades de pesquisa, rece­ber recursos públicos para cobrir suas despesas, contar com pesquisadores pagos com recursos públicos e utilizar infraestrutura pú­blica, nos moldes do que as funda­ções ditas “de apoio” já praticam.

Em 3/11/2015, na Unicamp, realizou-se o debate intitulado “As ameaças do PLC 77/15 às instituições públicas de ensino e de pesquisa”, por iniciativa conjunta da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), da seção de Campinas e Jaguariúna do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvol­vimen­to (Sinpaf), da Adunicamp e do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU).

Como resultado, foi elaborada a Carta de Campinas, assinada pelas entidades organizadoras, segundo a qual “o PLC 77/15 desfecha ataque frontal às instituições públicas de ensino superior e de pesquisa e representa grave ameaça aos interesses da maioria da sociedade brasileira, em favor da lógica privatizante”. Na avaliação dos participantes, o PLC 77/15 “foi urdido com a participação do alto clero da comunidade de pesquisadores brasileiros, os ‘acadêmicos empreendedores’, que somam forças com empresas privadas na busca de flexibilização do Complexo Público de Ensino Superior e de Pesquisa Brasileiro, com o objetivo de se apropriarem de maior parcela dos recursos públicos gastos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)”.

A Carta lembra que a sociedade  “vivencia uma agenda regressiva no plano político que se expressa, por exemplo, num conjunto de projetos de lei, emendas constitucionais e medidas provisórias que atacam os direitos sociais”, incluin­do a imposição de agendas privatizantes do ensino superior e da pesquisa pública brasileira, por meio de instrumentos como o citado Código.

“O projeto exigiu mudanças no arcabouço conceitual da Constituição Federal, o que se materializou por meio da Emenda Constit­u­cional [EC] 85/15”, explica o do­cumento. “Em face do grave retro­cesso que o referido Código re­presenta, entidades represen­ta­ti­vas de setores dedicados ao ensi­no superior e à pesquisa mobili­zam-se com o fim de garantir a participação e controle da sociedade na produção e apropriação do conheci­mento científico e tecnológico”.

ICTs = OS

Ainda segundo o documento, “As ICTs poderão: i) receber recursos públicos de todos os entes federados e fundações de apoio para a cobertura de todas as suas despesas; e ii) usufruir de recursos humanos especializados (pesquisa­do­res) pagos com recursos públicos; iii) utilizar infraestrutura pública”.

Por isso, se vier a ser aprovado, “o PLC 77/15 implicará  mudanças regressivas no Complexo Público de Ensino Superior e de Pesquisa Brasileiro”, destacando-se o “aumento da sangria do fundo público para empresas privadas e a substituição de instituições públicas (estatais) de pesquisa por OS, apon­tan­do para drástica diminuição de concursos públicos para a carreira de professores universitários e pesquisadores”, bem como o fato de que “professores universitários e pesquisadores das instituições públicas (estatais) assumirão funções de diretores-presidentes de OS que desenvolvam atividades de pesquisa e inovação tecnológica, auferindo remuneração e/ou rendimentos pelas atividades desenvolvidas no setor público e privado”, o que impactará negativamente o regime de trabalho de dedicação exclusiva nas instituições públicas de ensino superior.

Uma vez que professores e pesquisadores financiados com recursos públicos atuarão dentro de empresas, isso poderá acarretar “relativo crescimento das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) como estratégia inovativa tendo em vista a competitividade no mercado”, ao passo que “o gasto total em P&D no Brasil vai continuar o mesmo ou poderá decair”, porque o Estado tende a manter ou ampliar seus gastos, ao passo que “as empresas tenderão a diminuí-los uma vez que poderão ter acesso aos recursos estatais (financeiros e de pessoal)”.

Por outro lado, o número de patentes registradas pelas universidades públicas tende a cair, pois o registro passará a ser feito em nome dos pesquisadores envolvidos no processo e das OS a que eles estarão ligados. “A fonte dos recursos financeiros para a manutenção dos registros continuará a mesma, ou seja, os cofres públicos, enquanto a apropriação dos benefícios será privada”.

Bresser

Os traços acima referidos, lembra a Carta, “não são nada mais que a materialização da Reforma do Estado proposta por Bresser Pereira nos anos 1990”, segundo a qual a oferta de serviços sociais e científicos deveria ser feita por OS, cuja propriedade seria considerada pública não-estatal.

Salienta, ainda, que o PLC 77/15 fere o princípio constitucional de publicidade e acesso público ao conhecimento gerado pelas instituições públicas de ciência e tecnologia: “Com sua aprovação, o Estado vai ser ‘sequestrado’ pelos interesses privados, sendo os recursos governa­mentais apropriados por interes­ses particulares”.

O documento conclui com um chamado à mobilização contra o PLC 77/15, que inclui medidas como a realização de consultas jurídicas quanto à constitucio­nali­dade e às inconsistências jurídicas da EC 85/15 e do próprio projeto, e o estímulo e a ampliação do debate público junto aos movimentos sociais para que se juntem à luta contra o projeto no âmbito local e nacional, com a perspectiva de formar uma frente nacional.

No tocante ao Senado Federal, propõe contatos com os membros da Comissão de Assuntos Econômicos e da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal, de modo a contestar o PLC 77/15; solicitação de uma audiência pública em caráter urgente; e partici­pação na enquete eletrônica dispo­nibilizada na página, com manifestação de posição contrária ao projeto. Sugere, ainda: “Garantir que a matéria seja votada, no Senado, em regime de destaque. Assim poderá ser apresen­tado o contraditório e ampliar o debate acerca do tema”.

Informativo nº 412

EXPRESSO ADUSP


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