Em meio a nebulosa troca de comando, Instituto Butantan garante que seu novo Plano Diretor não ameaça áreas ocupadas por escolas e centros de saúde
Audiência pública na Câmara Municipal reuniu representantes de várias instituições (foto: Câmara Municipal de SP)

O Instituto Butantan encaminhou nesta segunda-feira (12/12) um ofício a seis equipamentos públicos de pesquisa, saúde e educação no qual garante que “seu Plano Diretor atualizado e já aprovado não menciona interesse ou ameaça às áreas que são, atualmente, ocupadas pela ETEC Cepam; Fundação Seade; IGC – Instituto Geográfico e Cartográfico; CSEB – Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa; Escola Estadual Alberto Torres e Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã”.

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Luana Alves: fundação privada define caminhos de instituto público

Com a entrega do ofício, o Instituto busca refrear o movimento articulado pelos equipamentos, que têm organizado atos, manifestações, abaixo-assinados e participado de audiências públicas desde que começaram a aparecer as notícias sobre o projeto de expansão do Instituto Butantan e as ameaças de despejo das entidades.

Foi somente por conta dos atos organizados contra o despejo por aluna(o)s da Escola Técnica Estadual (ETEC) Cepam, localizada na Avenida Lineu Prestes, na Cidade Universitária, que a(o)s representantes das demais instituições tiveram acesso ao documento que o Instituto Butantan chama de “Plano Diretor atualizado”.

Uma comissão de aluna(o)s do Grêmio da escola foi recebida no início de dezembro por Paulo Capelotto, diretor jurídico da Fundação Butantan, entidade privada dita “de apoio” ao Instituto, que entregou ao grupo um arquivo correspondente ao “Plano Diretor atualizado”.

O documento limita-se a compilar alguns mapas e cortes esquemáticos, sem qualquer detalhamento ou explicação – muito diferente do alentado Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) do Instituto, que tramita em órgãos do governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo e que efetivamente prevê o despejo dos equipamentos públicos para a construção de novas instalações do Butantan.

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Dimas Covas foi ouvido pela CPI da Covid no Senado em 2021

De acordo com a estudante Mariah Gonçalves de Paula, secretária-geral do Grêmio da ETEC Cepam, o suposto “Plano Diretor atualizado” não consta dos processos SEI (Sistema Eletrônico de Informações) referentes à expansão do Butantan que tramitam nos órgãos municipais e estaduais.

“Onde está esse plano? O único publicado é o que a gente conhece [PDDI], que prevê os despejos”, disse a estudante numa audiência pública realizada no dia 7/12 na Câmara Municipal de São Paulo. Pais, mães, aluna(o)s e funcionária(o)s da escola compareceram à sessão.

Mariah afirmou também que a comissão da ETEC considerou desrespeitoso o tratamento recebido na Fundação, cujos representantes conversaram com a(o)s aluna(o)s “como se a gente não soubesse de nada”.

Um dos órgãos que devem aprovar os projetos referentes ao Instituto Butantan é o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), já que o Instituto é tombado desde 1981.

A presidência do Condephaat é ocupada atualmente pelo arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin, docente aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e autor do PPDI e também do suposto “Plano Diretor atualizado” do Butantan.

“Não existe nenhuma intenção da USP de encerrar o trabalho do CSEB”, garante prefeita do Campus

A falta de diálogo e de transparência tem sido uma constante desde o momento em que os equipamentos começaram a saber dos planos de expansão do Butantan, por meio de notícias que chegaram mais por acaso ou vias indiretas do que por iniciativa do Instituto de se comunicar de forma responsável com instituições públicas que merecem respeito e cujo trabalho tem repercussão sobre comunidades inteiras.

Para citar apenas dois casos, a Escola Estadual Alberto Torres – com 90 anos de existência e a tradição de ser a primeira escola rural do estado – e a ETEC Cepam atendem juntas a cerca de 800 aluna(o)s. Pode-se estimar o universo de famílias, funcionária(o)s e docentes envolvida(o)s na vida das escolas, ampla comunidade à qual o Instituto e a Fundação Butantan não se dignaram a dirigir a palavra.

Nas diversas audiências públicas e reuniões que promoveram para organizar uma resistência conjunta à ameaça de despejo, representantes das entidades e equipamentos públicos foram unânimes em dizer que jamais o Instituto Butantan tomou a iniciativa de procurá-los, não atendeu a pedidos de agendamento de encontros nem respondeu a requerimentos de informações sobre o projeto de expansão.

Por sinal, apesar de convidados, o Instituto e a Fundação também não enviaram representantes às audiências públicas realizadas sobre o tema na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa de são Paulo (Alesp).

A prefeita da Cidade Universitária do Butantã, Raquel Rolnik, confirmou a falta de diálogo em sua participação na audiência pública semipresencial na Câmara Municipal de São Paulo no dia 7/12, convocada pela Comissão Permanente de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher.

A professora afirmou que “até o momento não existiu nenhuma conversa, nenhum diálogo e portanto nenhum acerto no sentido de que a USP abriria mão do CSEB, por meio da Faculdade de Medicina [ao qual o centro é vinculado], para ele virar uma área de extensão do Instituto Butantan”.

“Não existe nenhuma intenção da USP de encerrar o trabalho do CSEB, muito menos de mudar a destinação desse lugar”, garantiu, em manifestação realizada por vídeo.

O CSEB é o centro de saúde de referência para 25 mil moradores da região, além de receber anualmente cerca de 300 estudantes de graduação e residência de diversos cursos da USP.

Butantan reivindica áreas que pertencem ao estado e ao município

Raquel Rolnik disse também que, tanto na atual quanto na gestão anterior da Prefeitura da Cidade Universitária, não houve nenhuma tratativa para que as áreas hoje ocupadas no campus pela Escola Técnica (ETEC) Cepam e pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) fossem transferidas ao Instituto Butantan.

“Isso nunca existiu, nenhum acordo foi feito com a USP, nenhum diálogo com a Prefeitura ou com a SEF [Superintendência do Espaço Físico]”, afirmou. “Se o Butantan pretende fazer sua expansão sobre essas áreas, deveria evidentemente dialogar com a USP.”

Presente na Câmara, a diretora da ETEC Cepam, Erika Caracho Ribeiro, ressaltou que o projeto político-pedagógico da escola tem forte conexão com instituições como a USP e a Fundação Seade e que não faz sentido transferir suas instalações para outro lugar.

A ETEC recebe anualmente cerca de 100 estagiários de licenciaturas da USP; a(o)s aluna(o)s utilizam as quadras do Cepeusp para as aulas de Educação Física; as aulas de Física e Química ocorrem em laboratórios de unidades da USP; museus e outros espaços da universidade também são visitados para a realização de diversas atividades.

“Acho muito estranho surgir um plano novo em meio a esta mobilização que estamos realizando”, disse a diretora.

Erika Ribeiro afirmou ainda que a área ocupada pela escola pertence à Fazenda Pública do Estado, que a concedeu à ETEC Cepam por tempo indeterminado, e não ao Instituto Butantan, que alega ter a propriedade do terreno.

A mesma reivindicação de propriedade já foi feita em relação à área atualmente ocupada pelo Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã. Na audiência da Câmara, o coordenador jurídico da Secretaria Municipal da Saúde, Ivan Cáceres, rebateu o Instituto e afirmou que o terreno de 527 m2 pertence ao município, que quer manter o serviço do Ponto no local.

Em participação por vídeo, o chefe de gabinete da Subprefeitura do Butantã, Alessandro Di Carlo Formigoni, confirmou a titularidade do município.

O Ponto trabalha com empreendimentos de economia solidária como ferramenta para a reabilitação psicossocial, geração de trabalho e renda e construção de vínculos entre usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e a comunidade.

“Toda essa truculência com que foi tratada a questão causou para a comunidade do Ponto tristeza e muita incerteza, coisas que afetaram muito o nosso dia a dia”, testemunhou Risonete Fernandes da Costa, trabalhadora do centro.

TCE investiga Fundação Butantan, que faz intercâmbio de comando com o Instituto

A vereadora Luana Alves (PSOL) chamou a atenção para uma questão central em todo o imbróglio: a crescente proeminência da Fundação sobre as ações do Instituto, patrimônio da ciência e da pesquisa brasileira, com 121 anos de história.

“O que vemos hoje é que a Fundação Butantan está cada vez mais tomando as decisões do Instituto, ou seja, uma fundação de direito privado está definindo os caminhos do Butantan”, afirmou.

“Uma instituição pública tem responsabilidade para com o bem comum e para com outras instituições públicas”, ressaltou a vereadora, “o que uma entidade privada não tem”. “Precisamos tratar com o Instituto Butantan e o governo do Estado, e não com uma instituição privada”, defendeu.

Na avaliação da vereadora, a necessidade do aumento da produção de vacinas, “que ninguém questiona”, está sendo encabeçada por uma instituição privada que “quer fazer negócios e se localizar no mercado farmacêutico dessa forma”.

De acordo com o portal do próprio Instituto, o Butantan está entre os dez maiores “produtores mundiais de vacinas por faturamento em 2021”, conforme o relatório Global Vaccine Market Report, divulgado em novembro pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O relatório da Fundação Butantan de 2021 demonstra que o superávit do exercício chegou a R$ 2,578 bilhões.

A fonte desse dinheiro todo é pública: são recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme o próprio Instituto afirma: “Se em 2019 o Butantan forneceu 100 milhões de doses de vacinas ao Ministério da Saúde, em 2021 esse número saltou para 208 milhões de doses – inclusive a CoronaVac, imunizante que iniciou o combate efetivo à Covid-19 no Brasil”.

Trata-se, portanto, de uma entidade privada – a Fundação Butantan – gerindo em nome do Instituto Butantan vultosos recursos oriundos da saúde pública.

As relações entre Fundação e Instituto deram origem a investigações de irregularidades pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) e acabaram levando o então presidente do Instituto, Dimas Covas – docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP –, a pedir demissão do cargo em novembro – pedido qualificado como “nebuloso” por editorial da Folha de S. Paulo.

Em mais uma manifestação das relações que também poderiam ser chamadas de “nebulosas” entre Fundação e Instituto, Covas, que já era presidente do Conselho Curador da Fundação, foi nomeado também seu novo diretor-executivo.

Já no Instituto, quem passou a ocupar o cargo de diretor-técnico é Rui Curi, que – bingo! – era diretor-executivo da Fundação. Sai o seis, entra o meia-dúzia.

Ao se manifestar em seu site sobre o troca-troca nos cargos, o Butantan afirma candidamente: “Também é importante esclarecer que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo é o órgão fiscalizador das atividades da Fundação, como entidade privada que apoia as ações do Instituto. Portanto, é natural que haja pedidos de esclarecimentos sobre as decisões e investimentos da Fundação: ainda que esteja sempre alinhada à luta pela saúde pública no Brasil, a instituição visa seu crescimento econômico e o cumprimento de metas vinculadas ao mercado nacional e internacional de imunobiológicos”.

O médico Esper Kallás, docente da FMUSP, assumirá o comando do Instituto a partir de janeiro, anunciou o governador eleito, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que também declarou à imprensa que é preciso “olhar com muita atenção a Fundação”.

Fundação cancela editais após recomendação de Secretaria de Ciência

A proeminência da Fundação sobre as questões do Instituto se manifesta também na decisão de cancelar quatro editais de um dos processos de licitação referentes à expansão do Instituto Butantan.

O cancelamento foi feito por meio de um despacho assinado no dia 2/12 por Dimas Covas, já no cargo de diretor-executivo da Fundação Butantan, e pelo seu superintendente, Gilberto Guedes de Pádua.

As obras canceladas são: a construção do restaurante, a ampliação do Centro Administrativo, a construção de um edifício-garagem e também a de um Centro de Controle e Garantia da Qualidade.

De acordo com o despacho, a Secretaria de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Estado (SCPDS) enviou ofício em agosto deste ano ao Instituto Butantan solicitando que este “recomendasse à Fundação Butantan que se abstivesse de homologar licitações ou celebrar contratos cujo objeto previsse obras e reformas de engenharia, até que aquela Pasta tomasse ciência dos projetos”.

Em novembro, outro ofício da SCPDS “condicionou, à autorização prévia daquela pasta, todas as homologações de licitações, e assinaturas de novos contratos, que tivessem por objeto obras e reformas de engenharia no Instituto Butantan”.

O teor do despacho permite supor que a Fundação Butantan queria de fato tocar as obras de expansão do Instituto sem “ciência” e “homologações” dos projetos por parte da secretaria, cujo titular é o médico David Uip, docente da Faculdade de Medicina da USP.

Butantan não responde aos questionamentos enviados pelo Informativo Adusp

O Informativo Adusp encaminhou ao Instituto Butantan, por meio de sua assessoria de imprensa, questionamentos a respeito de vários temas abordados nesta reportagem.

O Informativo Adusp perguntou, por exemplo, por que o Instituto não dialogou com os equipamentos públicos ameaçados de despejo e por que não enviou representantes às audiências públicas na Câmara Municipal e na Alesp.

Indagou também sobre eventuais tratativas com a USP sobre a área ocupada pelo CSEB e sobre a informação da Secretaria Municipal da Saúde de que o terreno do Ponto de Economia Solidária pertence à municipalidade e não ao Instituto Butantan.

Em relação ao despacho 661/2022, que cancela quatro editais, o Informativo Adusp questionou:

“Esses editais foram cancelados porque a SCPDS não tomou ‘ciência dos projetos’, conforme o próprio despacho. Por que isso não ocorreu? Uma vez atendidas as demandas da SCPDS, eles podem ser reabertos ou essas obras serão definitivamente canceladas? Se os editais forem reabertos, quando isso deve ocorrer?”

Sobre o PDDI e o suposto “Plano Diretor atualizado”, as perguntas foram as seguintes:

“Qual é a versão do PDDI vigente atualmente? A suposta nova versão foi protocolada nos órgãos que examinam a expansão?”

Demonstrando a mesma postura de falta de transparência e pouca disposição para o esclarecimento do público que vem caracterizando a sua prática no processo de expansão, ao longo do qual sua direção foi omissa e desrespeitosa em relação aos equipamentos públicos cuja existência poderia estar ameaçada (e ainda pode, pois é impossível saber se o teor do ofício será efetivamente cumprido), o Instituto limitou-se a responder laconicamente:

“O Instituto Butantan esclarece que o Plano Diretor foi atualizado e aprovado e não menciona interesse às áreas que são, atualmente, ocupadas pela ETEC Cepam, Fundação SEADE, Escola Estadual Alberto Torres, Centro de Saúde Escola (CSEB), Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC) e pelo Ponto de Economia Solidária do Butantan. Sem mais e certos da compreensão de todos, colocamo-nos à disposição para outros esclarecimentos.”

EXPRESSO ADUSP


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