Com homenagem à memória de Luiz Hirata, JURA retomou debate sobre questão agrária e Ditadura Militar

 

Entre os dias 25 e 28 de abril, foi realizada a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária
(JURA) na Escola Superior Luiz de Queiroz (Esalq-USP). Em sua 9ª edição, atividades marcantes
ocorreram em homenagem ao agrônomo Luiz Hirata (1944-1971), especialmente a inauguração do
Centro de Vivências (C.V.) agora formalmente com seu nome. 

Desde 2010, o movimento estudantil batizou este espaço de confraternização como C.V.
“Luiz Hirata”. Em 2021, a Frente de Defesa da Democracia “Luiz Hirata” (FLH), composta por
Adusp, Associação dos Pós-Graduandos (APG-Esalq), Centro Acadêmico (CALQ), DCE e Sintusp,
obteve o reconhecimento oficial desta denominação, mediante a aprovação desta demanda em
diferentes instâncias da USP e ratificação pelo Conselho Universitário.

Preso em 1966 por participar de manifestações estudantis contra o regime ditatorial instaurado com o
golpe militar de 1964, ao recobrar a liberdade Hirata deu continuidade à sua militância
política. Passou a participar do grupo opositor Ação Popular (AP). Em 1971, novamente
capturado pela polícia política, foi brutalmente torturado nas dependências do DOPS e veio a
falecer
no Hospital das Clínicas de São Paulo em decorrência das graves lesões
decorrentes. Por essa razão, o documento por meio do qual a FLH apresentou tal reivindicação
à universidade destaca o simbolismo da “aversão à ditadura”. 

Assim, o objetivo da FLH consiste em “revigorar a memória deste período sombrio de
autoritarismo”, com a “formalização do nome de Luiz Hirata para o Centro de
Vivência, localizado na colônia central da Esalq, ao lado do prédio principal, constituindo uma
homenagem das mais significativas. A ideia é associar este espaço de convívio no campus a
propósitos democráticos”. A universidade, ressalta o texto, é “lugar por
excelência da divergência criativa, que só pode ser frutuosa em uma democracia robusta de alta
intensidade”, e portanto “ambiente aberto à manifestação da diversidade, da
tolerância diante das diferenças e da crítica inovadora, tudo muito propício ao que se
espera para a promoção da produção de conhecimento científico”. 

O documento termina lembrando que, “na medida em que Luiz Hirata foi assassinado por ser considerado
subversivo e inimigo interno em razão de agir por uma sociedade mais justa e fraterna, num período
tenebroso”, seu nome simboliza a recusa a um eventual retrocesso político em direção
à ditadura, bem como a disposição de defender, sem hesitação, a democracia:
“É esta mensagem democrática que queremos fortalecer com esta homenagem a Luiz Hirata”.

Assim, no dia 28 de abril, ocorreu a cerimônia de instalação de uma placa de registro oficial do
novo nome do Centro de Vivências. A atividade contou com a presença de Antônio Prado de Almeida,
companheiro de cárcere de Luiz Hirata e autor do livro Um tempo para não esquecer –
Ditadura: anos de chumbo
, que relatou suas lutas por liberdades democráticas e justiça
social, bem como as agressões cometidas por agentes do DOPS contra o jovem militante. 

Também compareceram a esse evento Paulo Marcomini, que foi estudante da Esalq contemporâneo de Hirata e
igualmente perseguido pela Ditadura Militar (1964-1985), e o professor Rodrigo Sarruge Molina, da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), autor do livro Agro, Ditadura e Universidade lançado na
ocasião, resultante
da tese de doutorado que defendeu na Unicamp em 2016, sobre o papel da Esalq na
“modernização conservadora” do campo brasileiro

“Prêmio Paulo Kageyama de Agroecologia, Universidade Pública e Democracia”

Outra homenagem marcante ocorrida no evento foi a premiação póstuma de Luiz Hirata com o
“Prêmio Paulo Kageyama de Agroecologia, Universidade Pública e Democracia”. Falecido em
2016, esse professor da Esalq esteve na linha de frente da organização da JURA em seus três
primeiros anos de realização. Kageyama também atuou na Adusp, da qual foi diretor regional de
Piracicaba (1997-1999). Sua trajetória é marcada pela defesa da agroecologia, protagonizada pela
agricultura familiar cuja expansão depende da reforma agrária. Seus estudos sobre biodiversidade eram
indissociáveis de seu olhar sobre a diversidade cultural do campesinato brasileiro. 

Com esta ótica, Kageyama
desenvolveu parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para implementar sistemas
produtivos pautados na agroecologia e na soberania alimentar
, particularmente no Pontal do Paranapanema e no
Sul da Bahia. Então, o “Prêmio Paulo Kageyama” foi concebido para ampliar o reconhecimento
de personalidades engajadas em lutas democráticas, pela agroecologia, pela reforma agrária, por
justiça social e pela universidade pública de qualidade. Nesta medida, a inauguração do
C.V. recebendo oficialmente o nome de Luiz Hirata foi ocasião para a entrega da premiação a
Cesar Hirata, representante da família na cerimônia. 

Ao longo das atividades da JURA-Esalq 2022, o “Prêmio Paulo Kageyama” também foi concedido
a João Paulo Rodrigues, Kelli Cristine de Oliveira Mafort (ambos pertencentes à direção
nacional do MST), Sônia Guajajara (liderança da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil) e João Dagoberto dos Santos, que atuou como principal colaborador de Kageyama no Núcleo de
Apoio à Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental
(Nace-Peteca).

Cumpre ainda destacar que o evento do dia 29 de abril “Memória, Verdade e Justiça”
permitiu manter a discussão sobre as atrocidades cometidas pela Ditadura Militar. A atividade, que contou com
a presença de Adriano Diogo, ex-deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva do
Estado de São Paulo, e de Gabriel Teixeira, diretor da Associação Brasileira de Reforma
Agrária (ABRA), levou à constatação do atraso no país do que se refere à
punição dos crimes ocorridos nos porões da repressão militar e policial. A impunidade
contribui assim para a exaltação deste período trágico da história do Brasil, em
particular pelo próprio presidente da República. 

Desta forma, o revisionismo histórico, a exaltação de torturadores, a comemoração
do golpe de 1964 e mesmo o deboche com as vítimas do inferno ditatorial tornam-se normais. Portanto, a
conjuntura política marcada pelos acenos golpistas do governo Bolsonaro requer revigorar o combate por
memória, verdade e justiça, com a defesa sem meias palavras das liberdades democráticas. 

Por outro lado, outras atividades da JURA-Esalq ressaltaram a atualidade da questão agrária, sobretudo
no momento em que o avanço do chamado “agronegócio” e da mineração amplia a
insegurança alimentar, provoca invasões de terras indígenas (cuja demarcação
é combatida por Bolsonaro), intensifica a violência no campo (marcada pela impunidade) e incita o
desmatamento, sobretudo do bioma amazônico. Efetivamente, a questão agrária não somente
é atual como também diz respeito profundamente à população urbana, com impactos
sobre a disponibilidade de alimentos, a degradação do meio ambiente e a erosão dos direitos
sociais. 

Enfim, após dois anos de atividades virtuais, a JURA-Esalq retornou à presencialidade com êxito,
mais de uma dezena de convidados tendo participado como debatedores e homenageados. O público participante
somou mais de duas centenas de pessoas ao longo da Jornada, com destaque para membros do MST e da Comunidade
Renascer (ocupação urbana em luta por moradia em Piracicaba) que estiveram presentes no evento de
abertura, representando os movimentos sociais e populares que reivindicam acesso à terra no campo e na
cidade.

EXPRESSO ADUSP


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