Marcha das Margaridas, feminismo e justiça ambiental
Evento realizado na Esalq em 24/8 recuperou história do movimento

Em evento no dia 24 de agosto último, a agrônoma Miriam Nobre, integrante da equipe técnica da Sempreviva Organização Feminista (SOF), da coordenação do GT de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), esteve na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) para apresentar a história, a organização e a importância da Marcha das Margaridas.

O evento foi organizado por docentes da área de ciências humanas do Departamento de Economia, Administração e Sociologia, em parceria com o GT Políticas Agrárias e Socioambientais da Adusp e com o Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ecologia Aplicada.

Miriam Nobre iniciou sua palestra lembrando do falecimento em 24 de agosto de 1882 de Luis Gama, abolicionista que conheceu a escravidão e, de forma em grande medida autodidata, tornou-se advogado atuando em defesa de cativos. Com esta introdução, Miriam insistiu no lema “vidas negras e quilombolas importam”, o que deve fundamentar a luta social, pois o assassinato da líder quilombola Bernadete Pacífico no Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador no último dia 18 de agosto, revela o quão a opressão e a violência contra a população negra e contra as mulheres permanecem.

A propósito, “a violência contra as mulheres, desde o estupro ao feminicídio, é utilizada para enfraquecer a organização comunitária em luta por seus territórios”, afirmou Miriam. Em seguida, destacou que a origem da Marcha das Margaridas ocorre no âmbito da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura (Contag). Nos anos 1990, as mulheres agricultoras lutaram para garantir o direito à sindicalização e por ações afirmativas para garantir a participação das mulheres nos congressos, encontros e direções sindicais, com presença feminina de no mínimo de 30%.

A agrônoma realçou ainda que, no final dos anos 1990, o movimento feminista no Brasil debatia a proposta de internacionalização, com a articulação de organizações de mulheres de outros países. O objetivo consistia em promover atuação sobre as causas da pobreza e da violência contra as mulheres, questionando organismos multilaterais, como a ONU e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Especificamente quanto ao FMI, tratava-se de lutar contra as políticas de ajuste neoliberal por inviabilizarem investimentos em políticas públicas para o campo, para o combate à pobreza e à violência cometida contra as mulheres.

Esta internacionalização impulsionou simultaneamente a realização de mobilizações de abrangência nacional para exigir ações afirmativas e políticas públicas dos governos de cada país. Foi neste contexto que ocorreu a primeira Marcha das Margaridas, realizada no ano 2000, com a participação de 30 mil pessoas, o que constitui a principal atividade da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil.

Participação de mulheres na Reforma Agrária foi a principal bandeira da Marcha

A principal bandeira das “margaridas em marcha” foi a participação das mulheres na Reforma Agrária, exigindo a pontuação igualitária de homens e mulheres no acesso aos benefícios de políticas agrárias e em favor da agricultura familiar. Ademais, demandavam que os lotes nos assentamentos fossem matriculados em nome do casal, não somente do marido.

Em seguida, Miriam pontuou algumas conquistas da Marcha das Margaridas ao longo dos últimos 23 anos, como o melhor enfrentamento à violência contra as mulheres no campo. No Brasil, os avanços nas políticas de combate ao feminicídio e às diversas formas de violência contra a mulher ocorreram pela criminalização do agressor e com diversas operações de acolhimento das mulheres nas delegacias de polícia, mesmo que existam muitas dificuldades, como a restrição dos horários de funcionamento da Delegacia de Mulheres.

Se havia problemas nas cidades, no campo tais equipamentos públicos com ações em favor das mulheres sequer existiam. Por essa razão, Miriam ressaltou uma importante conquista da Marcha das Margaridas: a adoção de equipamentos públicos móveis para acolher as denunciantes.

A agrônoma também comentou a inclusão de ações afirmativas no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), assegurando a participação de mulheres nas equipes técnicas, com atendimento técnico às agricultoras e com destinação de recursos considerando a questão de gênero.

Na última parte de sua exposição, Miriam destacou reivindicações e conquistas da 7ª Marcha das Margaridas, realizada entre os dias 15 e 16 de agosto de 2023. Na avaliação da palestrante, é representativa das ações da Marcha a luta das mulheres nos territórios para permanecerem como agricultoras, sobretudo aquelas que praticam agroecologia. Tratou, especialmente, do Movimento Interestadual de Mulheres Quebradeiras de Babaçu, que lutam para ter acesso às palmeiras e sofrem com o cercamento promovido por grandes proprietários e grileiros.

Embora sustentável, energia eólica implica contradições

No mesmo sentido de luta pelo direito ao território, Miriam mencionou as mobilizações das mulheres do Polo da Borborema, na Paraíba, que sofrem com a ocupação dos parques eólicos, questionando as contradições de políticas de desenvolvimento sustentável. O mote desta ação é “Energia Renovável, Sim! Mas Não Assim”. Isso porque as torres eólicas são muito grandes, ocupam espaço expressivo do território, com baixo retorno para a população local e provocam muito ruído.

Por outro lado, a mineração continua a ser uma das atividades que originam diversos conflitos no campo e ameaçam a soberania popular sobre os territórios. O elevado impacto ambiental da mineração limita o acesso à água e degrada a biodiversidade, além da atividade de prospecção mineral nos territórios potencialmente exploráveis ser acompanhada de diversas práticas de assédio e expropriação nas comunidades.

No que tange às respostas do governo à mobilização da 7ª Marcha das Margaridas, Miriam destacou o anúncio de que será elaborado o III Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), incluindo ações afirmativas para as mulheres, a inclusão de grupos femininos como prioritários nas políticas de compra do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a instituição de política de prevenção à violência contra a mulher.

Enfim, as “margaridas em marcha” se inclinam cada vez mais para a defesa do bem viver nos territórios, inspiradas em experiências de povos indígenas. Com esta perspectiva, Miriam Nobre menciona a interseccionalidade do enfrentamento dos sistemas de opressão, o que significa agir em diferentes frentes (contra a guerra, o racismo, a exploração capitalista) a partir da pauta feminista.

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!