Audiência pública sobre PL que pretende privatizar a Sabesp desmascarou inverdades do discurso de Tarcísio
Manifestação da professora Michele Schultz no ato diante da Alesp, nesta quinta (16/11)

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) promoveu, nesta quinta-feira (16/11), no Plenário Juscelino Kubitscheck, audiência pública sobre o projeto de lei (PL) 1.501/2023, em tramitação na casa em regime de urgência, e que autoriza o governo estadual a promover a “desestatização”, eufemismo para privatização, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp.

O PL 1.501/2023, de autoria do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), propõe a transferência do controle operacional da Sabesp à iniciativa privada por meio de “alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, mediante pregão ou leilão em bolsa de valores ou oferta pública de distribuição de valores mobiliários, bem como aumento de capital, com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição” (artigo 1º).

O deputado André Prado (PL), presidente da Alesp, procurou garantir equilíbrio, na audiência, às duas posições em conflito. Compuseram a mesa, com ele, a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado, Natália Resende, e José Faggian, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto (Sintaema), que representa o corpo funcional da Sabesp. Prado alternou falas favoráveis e contrárias ao projeto, tanto de parlamentares como de sindicatos e da sociedade civil em geral.

As galerias do Plenário Juscelino Kubitschek foram divididas, meio a meio, entre as pessoas que são contra e a favor da privatização. No início dos trabalhos, a deputada Bebel e o deputado Jorge do Carmo (ambos do PT) relataram que parte dos manifestantes contrários à privatização teve impedido seu acesso às galerias. Prado respondeu que todos os interessados teriam acesso.

Em questão de ordem, o deputado Carlos Giannazi (PSOL) denunciou a ausência do presidente da Sabesp. “Ele não foi convidado? O que houve?”, indagou ao presidente da Alesp o parlamentar da oposição.

Secretária quer fazer da Sabesp uma “plataforma multinacional”

Natália Resende alegou que só a privatização da Sabesp poderá garantir a universalização do saneamento básico sem aumento de tarifas para a população e, em especial, para seu setor mais vulnerável. “Hoje a Sabesp está num ponto de inflexão. Ou ela vira uma plataforma multinacional, que é o que a gente quer, com nosso corpo técnico qualificado, a gente quer que a Sabesp seja ainda maior, preste ainda mais [serviços] para o Estado de São Paulo, para o Brasil, para a América Latina, para o mundo, a gente quer que ela cresça”, afirmou a secretária. Porém, completou, “com esse panorama, ela pode ficar deficitária, e o lucro que hoje eu tenho, que hoje eu posso reverter para a conta do usuário, eu não vou ter lá na frente”.

Essa alegação foi sustentada por um dos slides exibidos na audiência pela secretária, segundo o qual “A não realização da desestatização traz possibilidade real de perda de relevância para a Sabesp. Seguindo a trajetória de resultados das licitações no setor desde 2019, Sabesp tem o potencial de perder 50% dos contratos nos próximos 15 anos (2038)”. A principal bandeira da propaganda do governo estadual é antecipar em quatro anos a universalização do saneamento básico – que deve ser alcançada até 2033, conforme estipulado pelo Marco Legal do Saneamento (2020).

“A iniciativa privada não vem para fazer saneamento, vem para ter lucro e é disso que se trata. Por isso é fundamental esse debate da privatização da Sabesp, [que é] da privatização da água sim, porque quando a gente fala de privatização da Sabesp está falando da privatização do acesso à água, que é um direito humano e deve ser garantido, apesar da capacidade de pagamento ou não do ser humano”, destacou o presidente do Sintaema, que falou em seguida.

“O principal objetivo de uma empresa de saneamento como a Sabesp é levar saúde para a população. Os números provam que a Sabesp é uma empresa eficiente, que presta um serviço de excelência para o povo de São Paulo, e principalmente porque o saneamento tem uma interface direta com a saúde, e por isso tem que ser tratado com muito cuidado. Não poderia estar sendo debatido desta maneira acelerada, como o governador quer fazer”, afirmou Faggian.

“A Sabesp tem, sim, recurso e projeto para ampliar sua atuação e sua performance operacional. [Caso ocorra a desestatização], a presença do Estado na Sabesp será frouxa, não influenciará em dividendos e nem na tarifa”, afirmou Amauri Pollachi, também representante do Sintaema. “A forma, os critérios, a avaliação, os limites e percentual de participação do Estado [na Sabesp] serão definidos pelo Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização (CDPED)”, advertiu. No entanto, não constam do PL 1.501/2023. Ele criticou o estudo do IFC, contratado pelo governo estadual, como precário e tendencioso.

“Um projeto desse teria que ter audiência no estado todo. A Sabesp não está só em São Paulo [capital], está em 375 municípios, e a titularidade é do município, não do Estado. A Sabesp é uma concessionária das prefeituras. Só um prefeito foi ouvido”, declarou ao Informativo Adusp Online, nesta sexta-feira (17/11), o deputado Reis (PT), um dos que foram à tribuna contra a privatização. “Audiências não demovem o governo. A audiência é boa para estabelecer o debate, mas o governo tem uma narrativa fixa, a direita também. É importante para ir formando opinião pública, para que a população vá se apropriando”, avalia.

No seu entender, a população é contrária ao projeto de Tarcísio e a repercussão da audiência pública pode fortalecer a resistência à privatização. No entanto, adverte, a população precisa se mobilizar mais, porque a sociedade corre um grande risco. “É um risco também para os deputados da base governista, que vão votar a favor porque recebem emendas, cargos. Poderão ser derrotados em 2026 por conta de haverem votado pela privatização da Sabesp e poderão não voltar. Na legislatura passada mais de 40 deputados não se reelegeram”, lembra.

Ao manifestar-se na audiência, Reis destacou que não há razão alguma para que o PL 1.501/2023 tramite em regime de urgência, uma vez que a Sabesp opera normalmente. “É temerário conduzir esse processo a toque de caixa. Não tem urgência, por que urgência? A empresa está trabalhando normalmente”, reiterou ele à reportagem.

Ato público alertou para os riscos de aumento da tarifa e perdas para mais pobres

Representantes de entidades sindicais, organizações estudantis e movimentos sociais realizaram um ato público contra a privatização da Sabesp em frente ao Legislativo na tarde desta quinta-feira (16/11). O ato começou antes da realização da audiência pública e teve sequência enquanto a sessão ocorria na Alesp. Deputados(as) estaduais da oposição e vereadores(as) da capital e de outros municípios se pronunciaram na manifestação.

Os(as) oradores(as) alertaram para riscos como o aumento do preço das tarifas de água e esgoto, o fim dos serviços sociais e a falta de investimentos em cidades que não forem consideradas lucrativas para os investidores privados.

Os(as) representantes das entidades e organizações mencionaram repetidamente o caso da Enel, empresa privada de energia elétrica que deixou milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo sem fornecimento de luz durante dias após temporal no início de novembro. Desde 2019, a Enel demitiu 36% de seus funcionários e dobrou o seu lucro.

Outras manifestações lembraram ainda a demissão de dirigentes do Sindicato dos Metroviários depois de greve realizada pela categoria em outubro e reforçaram a necessidade de manter a luta pela sua readmissão.

Os(as) representantes das entidades e movimentos chamaram também para a manifestação de 28/11, quando as entidades do funcionalismo promovem uma grande paralisação contra as privatizações, os cortes na educação e a reforma administrativa com realização de ato na Alesp a partir das 15h.

Rene Vicente dos Santos, diretor do Sintaema, lembrou o caso da Saneatins, empresa do Estado do Tocantins, privatizada em 1998 e controlada desde 2017 pela BRK Ambiental. Em 2013, quando a empresa ainda pertencia ao Grupo Odebrecht, a Saneatins deixou de atender 78 municípios do Estado, que passaram a ter os serviços fornecidos pela Agência Tocantinense de Saneamento, empresa pública.

“A Saneatins devolveu para o Estado os 78 municípios que não davam lucro. Essa é a lógica da iniciativa privada”, afirmou Santos, apontando que o mesmo pode ocorrer futuramente com a Sabesp, uma vez que na atualidade a operação em boa parte dos 375 municípios controlados pela empresa é deficitária.

O diretor do Sintaema citou também o caso da Cedae, empresa do Estado do Rio de Janeiro concedida à iniciativa privada em 2021. “Aqui em São Paulo temos a tarifa social, com fornecimento de 10 m³ a uma família inscrita no Cadastro Único do governo federal por R$ 22,50. No Rio de Janeiro, essa tarifa custa R$ 45,80, o dobro do preço”, comparou. “A tarifa comum no Rio é 80% mais cara do que em São Paulo. Em Manaus, onde o saneamento é privatizado, o preço é 53% mais alto”, afirmou Santos.

De acordo com o sindicalista, o governo Tarcísio-Ramuth quer manter o Estado como dono de 10% a 15% das ações da empresa para garantir que, em caso de uma nova crise de abastecimento, como a que provocou racionamentos de água a partir de 2014, “quem vai bancar o prejuízo é o Estado, e não a iniciativa privada”.

Benedito Barbosa, o Dito, da Central de Movimentos Populares (CMP), também fez referência à tarifa social e a outros serviços prestados pela Sabesp. “O Programa Água Legal é fundamental para fazer chegar água na periferia de São Paulo, nas ocupações e nas favelas, e a gente tem certeza que se a Sabesp for privatizada não vai ter mais o programa, não vai ter tarifa social e só vai ter acesso à água quem puder pagar caro”, disse.

“Governo quer transformar o Estado num balcão de negócios”, afirma presidenta da Adusp

A presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, que representou no ato o Fórum das Seis, lembrou que metade da população brasileira não tem acesso a saneamento básico, “algo que impactou muito no último período, especialmente por conta da pandemia”.

A presidenta da Adusp classificou como “absurdas” as propostas do governo bolsonarista de Tarcísio-Ramuth para o saneamento, o transporte e a educação, incluindo a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de 30% para 25% a destinação mínima de recursos do Estado para a educação. “A proposta do governo é absolutamente empresarial. O que eles querem é transformar o Estado de São Paulo num balcão de negócios”, denunciou.

“Temos que estar todos e todas unidos contra o projeto privatista deste governo e temos que estar cotidianamente em frente a esta casa mostrando que não vamos aceitar que retirem direitos do povo. Privatizar é retirar direitos. Saúde não é mercadoria, água não é mercadoria”, afirmou.

Michele Schultz conclamou as entidades a participar da manifestação do próximo dia 28 “para mostrar a este governo que o povo tem força e não vai permitir o avanço na retirada de direitos”.

Priscila Leal, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia (SINTPq), denunciou as concessões feitas pelo governo também na área de parques e estações ecológicas.

“As áreas de lazer nesta cidade estão sendo privatizadas para que se façam shows para os ricos, shows com níveis de decibéis absurdos. Mas, quando a periferia faz a sua festa, aí não pode, porque é baile funk. Só rico pode se divertir, ter lazer e fazer trilha nos nossos parques”, disse.

“A universidade e os institutos públicos de pesquisa estão sob ataque”, afirmou. “Os institutos públicos de pesquisa, que sempre prestaram o melhor serviço para a população, estão sendo concessionados aos pedaços para a iniciativa privada de forma a garantir que toda a pesquisa e desenvolvimento acumulado durante anos sejam colocados a serviço do lucro de meia dúzia de capitalistas.”

EXPRESSO ADUSP


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