No último dia 17 de outubro, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), por meio de seu presidente, Tirso de Salles Meirelles, enviou ofício ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), pedindo que reconsidere sua intenção de colocar à venda parte da Fazenda Santa Elisa, pertencente ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC). No ofício encaminhado ao governador de São Paulo, a Faesp afirma que a Fazenda Santa Elisa tem papel central na consolidação da cultura do café como um dos pilares da economia nacional: “90% das cultivares de café produzidas no Brasil são resultado de pesquisas realizadas nesta unidade do IAC”.

“A Faesp avalia que a eventual transferência das pesquisas para outra localidade seria um processo dispendioso e demorado, comprometendo os avanços científicos em desenvolvimento. A entidade defende que decisões sobre a venda de bens públicos considerem não apenas os aspectos financeiros, mas também os impactos sociais, econômicos e ambientais a longo prazo”, acrescenta Meirelles. O gesto da Faesp, entidade tradicionalmente alinhada a pautas conservadoras, revela as dificuldades que o governo estadual terá de enfrentar para levar a cabo os planos de vender a Santa Elisa.

O alerta contra a possível venda de glebas da Fazenda Santa Elisa partiu da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), que no último dia 15 de outubro denunciou o fato de que a propriedade “acaba de passar por um processo de mapeamento e de desmembramento” encomendado pelo governo estadual. Trata-se de procedimento preparatório de uma possível venda, que inclui “uma gleba de 70 mil m2, denominada São José, onde existem exemplares únicos de diversas espécies de café, além de abrigar a população mais antiga do mundo de plantas de cafeeiro arábica clonadas por cultura de tecidos, sendo mais de 20 anos de estudo dedicados à avaliação da viabilidade técnica e longevidade desses cafeeiros clonados por embriogênese somática”.

O desmembramento da propriedade é uma clara evidência de que o governo Tarcísio de Freitas-Felício Ramuth (PSD), por meio da Secretaria da Agricultura (SAA), insiste em vender áreas experimentais de pesquisa do IAC. “Fatiar e vender áreas experimentais de pesquisa reforçam o posicionamento negacionista do Estado de São Paulo diante da emergência climática. Neste momento, em vez de abrir mão destas áreas deveríamos estar ampliando as áreas de pesquisa e conservação”, protesta Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.

Ainda segundo a APqC, a Fazenda Santa Elisa possui o maior banco de germoplasma de café do Brasil, um dos principais do mundo. “A área experimental reúne cerca de cinco mil ‘acessos’, que são plantas de diferentes tipos de café, muitos considerados raros e em extinção. O banco de germoplasma de café foi criado a partir de 1930, com a introdução de todas as variedades de café existentes no Brasil naquela época. Posteriormente, por meio de acordos internacionais com os principais países produtores, o IAC conseguiu efetivar a introdução de variedades de café existentes no mundo todo”, explica a associação.

Conforme o IAC, nada menos que 90% do café produzido no Brasil resultam de variedades desenvolvidas desde 1932, a partir do banco de germoplasma da Fazenda Santa Elisa. Seus pesquisadores científicos desenvolveram cultivares que, além de se adaptarem ao clima, tornaram-se resistentes a pragas e doenças, como ferrugem, “bicho mineiro” e nematóides.

“Esta fazenda experimental é um patrimônio incomensurável do Estado de São Paulo, precisa ser defendida não apenas por cafeicultores, que dependem destas pesquisas para seguir produzindo cada vez melhor, mas por todos os cidadãos brasileiros que zelam pela ciência e, principalmente, pela sociedade paulista que evoluiu e se fortaleceu no país a partir da cultura do café”, diz a presidente da APqC. Divulgada pelo Globo Rural, a denúncia da APqC obteve grande repercussão e ganhou espaço em diversas outras mídias: Portal G1 e Valor (ambos também do Grupo Globo), Correio Popular, Diário Campineiro, Portal do Agronegócio etc.

Outra entidade que se opõe à possível alienação da fazenda é a Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Campinas (ADunicamp), que manifestou, em nota oficial, indignação e repúdio frente à decisão do Palácio dos Bandeirantes: “Com a venda do IAC, Tarcísio nega a ciência, nega a economia, e — pasmem! — nega a relação entre ambas; nega também a história de um Estado e de um País cuja identidade se constitui em grande parte a partir da cultura do café. Portanto, ao pôr à venda a Santa Elisa, o governador dá um prejuízo incalculável, ao impossibilitar a continuidade de trabalhos científicos que vêm sendo desenvolvidos há décadas. Porque sim, a manutenção e a ampliação desse enorme germoplasma requerem pesquisas de médio e longo prazo. Um resultado de excelência não se improvisa!”.

Na Câmara Municipal de Campinas, o vereador Gustavo Petta (PCdoB), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, marcou reunião para o próximo dia 30 de outubro, às 14h, para discutir o eventual desmembramento de parte da fazenda experimental do IAC. Nela, Petta conta com a presença da direção do instituto e pretende reunir ainda representantes da Secretaria de Agricultura, da APqC, Faesp e Prefeitura.

“Vender a fazenda pode ser um risco para a ciência, para a preservação das áreas remanescentes das matas, para a biodiversidade daquele lugar, para as mudanças climáticas em curso”, diz Petta em seu perfil no Instagram. “A lógica de Tarcísio é igual à de Bolsonaro”, acusa o vereador. “Ignorar a ciência, desrespeitar o meio ambiente e desmontar o serviço público”.

No dia 18 de outubro, na Assembleia Legislativa (Alesp), o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) tratou do assunto na tribuna. “É uma denúncia gravíssima. Nós estamos pedindo a convocação urgente do secretário [da Agricultura], que tem que explicar o desmonte dessas fazendas, dessas áreas de pesquisa. É um absurdo”, disse Gianazzi, que exibiu publicações a respeito do caso.

EXPRESSO ADUSP


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