No último dia 10 de outubro, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (Assibge-Sindicato Nacional) lançou uma “carta à sociedade”, intitulada “Fundação de Direito Privado no IBGE coloca em risco políticas públicas”, na qual critica a recente criação, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de uma fundação pública de direito privado, que recebeu o nome de “Fundação IBGE+”.

A “Fundação IBGE+” foi definida como “fundação de apoio” ao instituto, e sua constituição, em 12 de julho último, foi apresentada como corolário do reconhecimento do IBGE como instituição científica e tecnológica (ICT) e subsequente criação de um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT). O NIT tomou a forma de uma fundação pública de direito privado, a “Fundação IBGE+”, como informou em primeira mão o Informativo Adusp Online. No entanto, a entidade “de apoio” foi criada antes mesmo que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) reconhecesse o IBGE como uma ICT.

A Assibge-Sindicato Nacional, que no dia 2 de outubro promoveu um debate online sobre o tema com a participação de mais de uma centena de funcionários(as) do instituto, considera que a instituição da fundação dita “de apoio” é uma mudança de natureza estrutural, que implica uma série de riscos para o IBGE, a começar pelo “risco de captura da produção de informações estatísticas e geocientíficas por interesses privados”, na medida em que a “Fundação IBGE+” poderá atuar “vendendo pesquisas e levantamentos ao setor privado”.

No seu artigo 6º, o estatuto da nova fundação, registrado no 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro pelo presidente Marcio Pochmann e outros dirigentes do IBGE, define, como seus objetivos, “I – instituir e gerir o Núcleo de Inovação Tecnológica do IBGE, nos termos e para os fins da Lei 10.973/2004 e do Decreto 9.283/2018; II – dar apoio e incentivo à pesquisa estatística e geográfica, ao ensino, à disseminação de informações, desenvolvimento institucional, […] científico e à inovação das atividades do IBGE, conforme as metas definidas anualmente pelo Conselho Diretor do IBGE; III – auxiliar o IBGE na elaboração de informações ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; IV – desenvolver atividades de ensino, pesquisa e avaliação de tecnologias ligadas à área de pesquisa estatística e geográfica, bem como promover a educação permanente dos quadros técnicos do IBGE e criar premiações; V – instalar, manter e promover a curadoria do Museu do IBGE; VI – firmar parcerias, celebrar acordos, contratos e convênios com órgãos ou entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras; VII – contratar serviços com entidades públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, para o desempenho de suas atividades, observada a legislação vigente; VIII – realizar outras atividades consentâneas com seu objetivo institucional” (destaques adicionados).

A preocupação da Assibge-Sindicato encontra respaldo, ainda, em outros pontos do estatuto da “Fundação IBGE+”, uma vez que o artigo 13, inciso III, prevê que compete ao Conselho Curador autorizar “a celebração de parcerias, acordos, contratos e convênios com órgãos ou entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras” (item “e”), bem como “a contratação de profissionais ou sociedades empresariais para assessoramento nas áreas de gestão, contábil, patrimonial, financeira e jurídica” (item “d”).

O artigo 23, por sua vez, determina que os recursos da fundação são resultantes de: “I – rendas provenientes da exploração de seu patrimônio; II – doações, legados, subvenções e auxílios; III – rendimentos provenientes de operações de crédito; e IV – contratos, convênios, acordos de parcerias e outros instrumentos congêneres celebrados com o Poder Público e com a iniciativa privada, nacional ou estrangeira […]”.

“IBGE+” traz riscos à credibilidade e à autonomia do IBGE, adverte sindicato

Na sua “carta à sociedade”, a Assibge-Sindicato adverte quanto à existência de riscos para a credibilidade do instituto, já que a “Fundação IBGE+”, composta “por pessoas externas ao verdadeiro IBGE, poderá produzir pesquisas e levantamentos sem os padrões de qualidade e independência do IBGE”; para a autonomia do IBGE, na medida em que a nova entidade “permite a contratação ilimitada de pessoas externas em cargos de livre nomeação”; e risco jurídico, “já que a criação contrariou o entendimento jurídico predominante, segundo o qual a criação de uma fundação pública de direito privado demanda autorização em lei específica”.

Prossegue a Assibge-Sindicato: “Todos esses riscos foram bastante amplificados pela forma como a direção do IBGE criou a fundação de direito privado: por nove meses os procedimentos para a criação da fundação foram tratados às escondidas, e os servidores foram comunicados apenas dois meses após o registro em cartório. Não houve, portanto, nenhum processo institucional de avaliação, impedindo a adoção de medidas que poderiam mitigar riscos”.

No entendimento da direção sindical, o conjunto de ameaças existentes põe em perigo os sistemas nacionais de estatística, cartografia e geociências. “Por consequência, coloca em perigo também a formulação e o monitoramento de políticas públicas, que utilizam esses sistemas como subsídio”, destaca a Assibge-Sindicato.

A redação do estatuto da “Fundação IBGE+” sugere que o NIT foi usado como mero pretexto para sua criação. Afinal, enquanto a ata registrada em cartório informa que a direção do IBGE “decidiu instituir o Núcleo de Inovação Tecnológica do IBGE […] sob a forma de Fundação Pública de Direito Privado, prevista no art. 5º, IV, §2º e §3º, do Decreto-Lei 200/1967, denominada ‘Fundação IBGE+ (Fundação de Apoio à Inovação Científica e Tecnológica do IBGE)’, a ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União”, o estatuto inverte os termos da equação, ao determinar como primeiro objetivo da entidade “instituir e gerir o Núcleo de Inovação Tecnológica do IBGE” (artigo 6º, inciso I).

Também causa estranheza que conste das finalidades da fundação dita “de apoio” a incumbência de “promover a educação permanente dos quadros técnicos do IBGE” (artigo 6o, inciso IV), sem que o corpo funcional e sua entidade representativa, que é a Assibge-Sindicato, tenham sido sequer consultados a respeito.

Direção do IBGE procura rebater as críticas à “fundação de apoio”

A direção do IBGE procurou responder às críticas da Assibge-Sindicato. Comunicado publicado em 14 de outubro, intitulado “Nota sobre a soberania de dados do IBGE e do Brasil”, destaca “a importância da inovação institucional procedida pela criação da Fundação de Apoio à Inovação Científica e Tecnológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE+, sustentada em amplo e inegável amparo legal, conforme reconhecimento pelos órgãos competentes da República”, minimizando assim a necessidade de autorização legislativa, apontada em parecer do próprio procurador chefe do IBGE.

“Por ser uma fundação pública de direito privado com exclusividade estatutária no suporte à missão institucional do IBGE, o seu objetivo proporciona opções e alternativas orçamentárias adicionais à atualização, inovação e avanço tecnológico do Instituto”, diz a nota. Ademais, permitirá ao IBGE “ter uma política de inovação de curto, médio e longo prazo factível com sua importância estratégica para o Brasil, tendo a sua administração formada por quadros do próprio IBGE, bem como na indicação dos conselhos Diretor e Curador”. “Conta também com representante eleito pelos servidores em conformidade com o Estatuto que estabelece subordinação à direção do IBGE que detém, inclusive, o poder de veto. Nada que possa comprometer o IBGE no exercício de sua missão institucional será permitido por essa segurança jurídica”.

A “Fundação IBGE+”, acrescenta, “obteve aprovação por todos os órgãos de controle necessários, será fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União”, e contará “com a presença de comissões internas e externas voltadas ao desenvolvimento da política de inovação do IBGE e ampliação do seu Plano de Trabalho comprometido com o Código de Boas Práticas das Estatísticas”. Celebra o fato de, na mesma data, a nova entidade gozar de um “site exclusivo, com sua estrutura administrativa atual e conjunto de documentos (todos disponíveis na Intranet e Portal do IBGE)”.

Como pano de fundo da discussão, a nota alude à questão da soberania de dados na era digital para alegar que há um contexto de transformações que torna a “fundação de apoio” necessária: “A atual gestão do IBGE faz o maior diálogo da história do órgão. Mas os temas deste debate vão muito além do IBGE”.

EXPRESSO ADUSP


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