Leonel Itaussu, generoso revolucionário

Leonel Itaussu Almeida de Melo nasceu em Icém (SP). Tinha antepassados libaneses. Jovem, deslocou-se à capital para estudar, e se incorporou à militância na Ação Libertadora Nacional (ALN). Foi preso pelo regime militar, torturado no DOI-CODI, conheceu a chamada “cadeira do dragão”. A tortura na boca com eletricidade lhe fez perder todas as obturações molares. Manteve sequelas físicas da tortura durante toda sua vida, como aconteceu com tantos, que nada dizem a respeito. Nunca pediu indenização. Esteve na prisão durante um ano, aproximadamente. Novamente livre, foi professor do cursinho Equipe, a partir de 1974, e concluiu estudos de advocacia na USP (São Francisco), profissão que nunca exerceu, e também de Ciências Sociais, na mesma USP. Fez mestrado em Sociologia Política, e doutorado em Ciência Política. Era também pós-doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley). Docente do Departamento de Ciência Política (FFLCH) da USP, eu o conheci nos debates sobre a FFLCH dos anos 1990, em que se destacou defendendo a unidade da faculdade, com a força intelectual e a fogosidade oratória que lhe eram características. Já era professor titular, cargo obtido em concurso de concorrência acirrada.

Daniel Garcia
Leonel em registro recente

Com Luiz César Amad Costa, seu colega de trabalho, de estudo e grande amigo, escreveu textos didáticos de história moderna e contemporânea, de grande difusão. Publicou Argentina e Brasil: A Balança de Poder No Cone Sul; Quem tem medo de Geopolítica?; A Geopolítica do Brasil e a Bacia do Prata.

Não fez “carreira política”. Preferiu dedicar-se à pesquisa e à docência na universidade pública, e à luta junto aos trabalhadores e os movimentos sociais desde essa posição. Era orador excepcional, dispensava microfones quando enfrentava auditórios, graças ao volume da sua voz e à sua forte personalidade. Prendia a atenção do público pela erudição e pela lógica contundente de suas argumentações, e ouvia com atenção e educação os argumentos contrários ou divergentes. Foi, por isso, presença indispensável nos congressos e simpósios que organizamos no Departamento de História da USP (suas intervenções estão, felizmente, gravadas).

Sua generosidade pessoal era ímpar. Vivia em condições modestas, e quando da demissão de funcionários da USP por “delito” de greve, doou parte de seu salário para esses trabalhadores que se encontravam sem proventos (não deixou que ninguém soubesse, mas agora eu digo). Foi delegado da Adusp a vários congressos do Andes-Sindicato Nacional. Em uma de suas últimas aparições públicas, no ato-debate “Contra a destruição da Palestina” que coordenamos no Departamento de História (USP), em finais de 2012, por ocasião dos bombardeios israelenses contra a população civil de Gaza, fez questão, apesar de suas precárias condições de saúde, de falar em pé… em homenagem ao Homo erectus. Apresentou nesse ato um texto-moção sobre o conflito no Oriente Médio, que foi adotado pelo Foro Social Mundial-Palestina, que nesse mesmo momento se reunia em Porto Alegre.

Dono de um humor cáustico, ninguém se aborrecia por um minuto sequer, estando ao seu lado. Seus alunos e orientandos lembram e lembrarão sempre sua dedicação, aten­ção e, novamente, generosidade. Luta­va por eles quando lhes faltava um prazo para concluir suas dissertações ou teses. Como membro de bancas de concurso público, não aceitava pressões e se guiava por uma objetividade absoluta basea­da no mérito.

Esteve política e intelectualmente ativo até poucos dias antes de sua internação final, com problemas respiratórios em um organismo já muito debilitado devido a doenças diversas e a uma vida vivida sem medo nem cálculos egoístas.

Na homenagem que lhe prestou José Genoíno na Câmara de Deputados, lê-se: “Militante político na resistência contra a ditadura, conhe­ci-o no Cursinho Equipe, onde dava aulas após ter saído da prisão política em 1977. Ele, professor de História Geral e eu, de História do Brasil. Trabalhamos juntos com uma visão democrática de como tratar o cursinho, o colégio, o supletivo, naquela ilha democrática que era o Colégio Equipe. Como professor de Ciência Política, concursado, da USP, formou várias gerações, com competência, com conhecimento, com liderança acadêmica. E sempre foi um militante político, um militante político de esquerda, um militante polí­tico ao lado do Partido dos Traba­lhadores, mesmo sem ser filiado ao Partido dos Trabalhadores…”.

Os catadores de mesquinharias políticas podem protestar à vontade pela citação acima. Essas coisas estão na história. Leonel foi um marxista, um revolucionário, no verdadeiro e amplo sentido da palavra. Membro de uma geração cheia de contradições e de impasses, mas cujos melhores representantes não vacilaram em apostar a vida nas suas convicções. E Leonel esteve entre eles. Esse é o homem que se foi domingo, 4 de maio, pela madrugada, aos 67 anos de idade. Uma vida encurtada pelas apostas que ele fez na política, no ensino, no conhecimento, na militância, na vida. Todos os que hoje o choram, seus filhos, sua companheira, seus parentes, seus alunos, seus amigos, seus camaradas, têm sobrados motivos de orgulho por tê-lo conhecido.

Professor Osvaldo Coggiola

 

Informativo nº 363

EXPRESSO ADUSP


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