Ao demolir casas da Colônia Napolitana, no campus de Ribeirão Preto, USP ignorou inventário municipal e parecer de ex-diretora do Museu do Café
Casa remanescente da Rua Napolitana, no campus de Ribeirão Preto (imagem captada em 11/10)

Na manhã de 11/10, um protesto de ativistas impediu que a Prefeitura do Campus da USP de Ribeirão Preto demolisse o conjunto de oito casas históricas situadas na Rua Napolitana, remanescentes do período da imigração italiana e da economia cafeeira na região. A demolição estava prevista para 17/10, mas foi antecipada para driblar eventual resistência e começou uma semana antes (em 10/10). Três casas foram destruídas. Uma quarta unidade teria desabado. Agora, do conjunto original, restam quatro casas.

Outra unidade da Colônia Napolitana, no campus de Ribeirão Preto (imagem captada em 11/10)
Casa destruída na Rua Napolitana, no campus de Ribeirão Preto (imagem captada em 11/10)

Por volta das 10 horas, o advogado Lucas Gabriel Pereira, presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto (Conppac), e Sílvia Maria do Espírito Santo, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e ex-diretora do Museu do Café, chegaram ao local para uma vistoria e se surpreenderam ao constatar a derrubada. Solicitaram dos encarregados, então, que a obra de demolição fosse interrompida.

Pereira e Sílvia Maria explicaram aos responsáveis pela obra e a um representante da Prefeitura do Campus que a Colônia Napolitana consta do Inventário de Referências Culturais de Ribeirão Preto desde 2013 — e, por ser construção adjacente ao Museu do Café, encontra-se em processo de tombamento pelo Conppac desde 10/10/2022. Portanto, as casas da Rua Napolitana não poderiam ter sido demolidas em hipótese alguma.

A Polícia Militar foi chamada, assim como a Guarda Universitária. Uma equipe da TV Record acompanhou o incidente. Diante dos protestos do presidente do Conppac e de Sílvia Maria, o representante da Prefeitura do Campus declarou que possuía uma autorização do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), órgão estadual, e foi buscar o documento. Porém, quando apresentado, constatou-se que, embora o Condephaat tenha realmente aprovado a demolição (na reunião de 26/7/2021), o fez com a seguinte ressalva: “Esta autorização não isenta o interessado de obter a aprovação de seu projeto nos demais órgãos competentes”, no caso o Conppac (Prefeitura Municipal).

“Eles leram erradamente o documento”, disse Sílvia Maria ao Informativo Adusp. No entender da docente da FFCLRP, a USP deveria ser a primeira interessada na manutenção desse conjunto de imóveis. “São casas rurais, das quais existem poucos exemplares num território público. Trata-se de um complexo fazendeiro importante, e a sede da fazenda é um museu”, destaca ela. “É lamentável essa surpresa”, completou, dizendo ter feito recentemente palestras para estudantes nas quais abordou a questão da memória e a necessidade de revitalizar o Museu do Café. “É muito triste mesmo, é um sentimento de funeral. Aquelas casas têm uma memória afetiva”.

Ainda no dia 11/10, o presidente do Conppac comunicou à Prefeitura do Campus que na reunião ordinária realizada na véspera o conselho “acatou a abertura do processo de tombamento dos prédios do Museu Histórico e do Café, Casa do Colono e construções adjacentes (incluindo o terreiro, tulha, casa de máquinas e serraria, colônias milanesas, colônias napolitanas e outras), imóveis localizados dentro do campus da Universidade de São Paulo […] considerando se tratar de um dos mais representativos conjuntos arquitetônicos que compõem a paisagem cultural das fazendas de café em Ribeirão Preto”.

Na mesma mensagem, a Prefeitura do Campus é avisada de que “após o recebimento desta notificação, os imóveis continuam sob o regime de proteção provisório e qualquer intervenção […] só poderá ser realizada mediante autorização formal do Conppac-RP, até finalização do processo”.

O incidente repercutiu na mídia local, primeiro no jornal Tribuna de Ribeirão Preto e depois nos noticiários da TV Record e da EPTV, que é afiliada da TV Globo. A todos, a Prefeitura do Campus repetiu a alegação de que conta com autorização do Condephaat, omitindo sempre a ressalva feita no documento quanto à obrigatória consulta aos demais órgãos competentes. Chegou a declarar, à guisa de justificativa para as demolições, que as casas “ameaçavam cair”.

Demolição na Rua Napolitana foi contratada pela FORP por R$ 93 mil

Na reunião do Conselho Gestor do Campus (CG) da semana passada, a vice-prefeita Eliana Franco Leme anunciou a conclusão do respectivo processo administrativo e que no dia 17/10 iria começar a demolição das casas, das quais somente uma seria preservada. Uma empresa foi contratada pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP) por R$ 93 mil para fazer a demolição, conforme publicação no Diário Oficial do Estado de 15/9.

O jornalista Luís Ribeiro, diretor regional do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e representante de sua categoria no CG, informou que em 11/10 a entidade protocolou ação judicial, com pedido de liminar, contra a eventual retomada da demolição. Além disso, Ribeiro representou ao Ministério Público (MP-SP), a quem relatou como a universidade vem conduzindo a questão desde 2017, quando se cogitou pela primeira vez da derrubada das casas.

“As casas em questão foram construídas no final do século 19 para abrigar colonos vindos da Europa, principalmente da Itália, para trabalhar na então fazenda Monte Alegre, que posteriormente seria transformada em Escola Prática de Agricultura, nos anos 50 do século passado e ainda na mesma década passaria a abrigar a Faculdade de Medicina da USP, embrião do atual campus”, contextualiza Ribeiro.

“Até algumas décadas atrás as casas eram utilizadas como moradia dos trabalhadores da USP. Com as regras estabelecidas pela Universidade para ocupação e com a falta de manutenção adequada, as casas perderam a função de moradia. O abandono é tamanho que um dos imóveis simplesmente desabou, servindo então de justificativa para que os demais fossem derrubados por representar suposto perigo”, diz o sindicalista no documento encaminhado ao MP-SP.

Após receber no CG a informação de que a demolição teria início em 17/10, ele protestou contra essa decisão e solicitou, na condição de membro desse colegiado, “imediato acesso” aos processos administrativos relacionados ao chamado Grupo de Trabalho Napolitana. Até o momento, porém, seu pedido não foi atendido nem pela prefeita do campus, Léa Assed Bezerra da Silva, nem pelo presidente do CG, Nuno Morgadinho.

Os dados citados por Ribeiro na representação ao MP-SP foram coletados em laudo preparado por Sílvia Maria: “A professora me informou que em 2017, a pedido da própria USP, elaborou laudo sobre as casas. O documento recomendava a preservação e não a demolição das casas e teve a participação do arquiteto e professor dr. Marcos Tognon, da Unicamp. Ela afirmou ainda que não teve qualquer retorno posterior sobre a questão”.

EXPRESSO ADUSP


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