Universidade
“Alpha Delphini”, que a Reitoria pretende doar, vale R$ 11 milhões; Marinha sequer se pronunciou, ainda, sobre a possível transferência da embarcação de pesquisas

Vem sendo objeto de discussão, no corpo docente, a decisão da Reitoria da USP de submeter ao Conselho Universitário (Co), na reunião prevista para a próxima terça-feira, 26 de agosto, proposta de doação do barco de pesquisas “Alpha Delphini” à Marinha do Brasil. Perícia realizada na embarcação determinou que seu valor de mercado é de R$ 11 milhões, e, em caso de “liquidação forçada”, de R$ 9,35 milhões.
As mensagens encaminhadas pelo professor Michel Michaelovitch de Mahiques, ex-diretor do Instituto Oceanográfico (IO-USP), nas listas de e-mails de professores(as) titulares e associados(as), no último dia 20, nas quais acusa a gestão Carlotti Jr.-Nascimento Arruda de “entregar de graça um laboratório de pesquisas” e de alegar inverdades para justificar a doação (como a “baixa demanda”), têm sido alvo de questionamentos de outros docentes. Em especial, foi objeto de contestação, na lista e fora dela, a afirmação de Mahiques de que a doação do “Alpha Delphini” à Marinha “nunca foi votada pela Congregação do IO”.
O professor Fernando Luis Cônsoli (Esalq) rebateu o ex-diretor do IO, manifestando-se na lista dos titulares: “Ao ler a documentação, [verifica-se que] esse processo de doação vem sendo trabalhado há anos. E, ao contrário do que foi dito anteriormente nessa lista, o termo de doação foi aprovado por unanimidade pela Congregação do IO (destacado em amarelo no texto da ata da congregação – ver páginas 40 e 41 do processo), homologando assim decisão ad referendum do diretor da unidade (ver página 39)”.
Destacando frase do diretor do IO que consta da ata citada, segundo a qual “a urgência decorrente do final do suporte financeiro à embarcação pela Universidade de São Paulo, nos fez procurar um parceiro para doação dentro do sistema público e a Marinha do Brasil decidiu aceitá-la”, o docente da Esalq apresentou o seguinte quadro fático, que a seu ver justificaria a doação: “1) Ação do próprio IO para busca de parceiro para doação; 2) Que essa ação foi motivada pela interrupção do suporte financeiro à embarcação pela USP; 3) Que houve concordância da Congregação do IO com o processo de doação”.
Mahiques respondeu, então: “Se a decisão da doação do navio foi do IO, então por que é que eu tentei marcar reuniões com o MM Reitor para demovê-lo da ideia, sem nunca ter sido recebido? Por que é que meus colegas se reuniram com o coordenador da Codage [Coordenadoria de Administração Geral] para tentar o cancelamento da doação? Será que é tão difícil assim entender a quem coube a decisão para que o IO ‘se livrasse’ do ‘Alpha Delphini’? Na verdade, a única coisa que espero é que os verdadeiros responsáveis pela doação assumam a responsabilidade sobre seus atos, mas isso nunca irá acontecer”.
Na verdade, do ponto de vista puramente formal, o ex-diretor do IO tem razão. O que a Congregação do IO aprovou em 28 de agosto de 2024, conforme a documentação diz claramente, foi a “minuta do protocolo de intenções entre a USP e a Marinha do Brasil para estudo da transferência da embarcação Alpha Delphini da USP para a Marinha do Brasil”, não a doação do “Alpha Delphini” propriamente dita. A Congregação apenas referendou essa minuta do protocolo de intenções, que o diretor Paulo Yukio Gomes Sumida havia aprovado, ad referendum daquele colegiado, no dia 6 de agosto.
A própria ata da reunião da Congregação diz o seguinte, à página 40 do processo: “2.3. Celebração de protocolo de intenções entre a USP e a Marinha do 35 Brasil, para estudo para transferência da embarcação Alpha Delphini da USP para a Marinha do Brasil”; e mais adiante: “A seguir, o Senhor Diretor fez comentários sobre o processo de ‘baixa’ da embarcação, envolvendo a atual proposta, de celebração de um protocolo de intenções para estudo de viabilidade. Em caso positivo, seguir-se-á com celebração de termo de cessão de uso por prazo determinado, e, a seguir, à concretização da doação do Navio (destaques nossos)”.
A aprovação do protocolo permite, obviamente, a interpretação de que se deu início ao processo de doação. Mas a doação propriamente dita não foi a voto na Congregação. Protocolos de intenção nem sempre vingam. Exemplo disso é o protocolo celebrado em 2023 pela Reitoria com a Prefeitura Municipal de São Paulo, com a finalidade de estudar convênio destinado a ceder à municipalidade a gestão da Creche Oeste, que até a presente data não saiu do papel.
Destaque-se ainda que, embora o diretor do IO tenha declarado à Congregação que a Marinha do Brasil decidiu aceitar a doação do “Alpha Delphini”, não existe no processo encaminhado ao Co um único documento sequer da Marinha. Esse fato é destacado, de modo enviesado, no parecer da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP), ao referir-se às justificativas apresentadas pelo diretor do IO: “Embora esta não seja uma manifestação diretamente da Marinha do Brasil, ela é endossada pela própria minuta de contrato apresentada, que aborda o interesse da Marinha do Brasil em receber a doação e dos usos potenciais da mesma” (destaques nossos). Minuta de contrato, porém, elaborada unilateralmente pela USP.
Outra questão digna de nota é que o foi definido, acriticamente, como “interrupção do suporte financeiro à embarcação pela USP”. Não se pode normalizar essa “interrupção”. Também aqui tem razão Mahiques: é totalmente inaceitável a alegação de “falta de recursos” para sustentar um importante equipamento de pesquisas do IO, quando se sabe que há bilhões de reais em caixa, ano após ano.
Conheça a íntegra do processo de doação.
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