“Hoje o martelo está diferente, porque é o dia de cravar a primeira estaca do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto”, anuncia o governador Tarcísio de Freitas em vídeo publicitário divulgado no Instagram em 8 de fevereiro último. A “diferença” a que alude o governador remete ao martelo que ele usou em ocasiões anteriores na Bolsa de Valores, por exemplo quando da privatização da Sabesp. No vídeo, um efeito especial associa as marteladas de Tarcísio a um raio, fazendo lembrar animações cinematográficas que aludem à divindade nórdica Thor. Pitoresco, não fosse trágico!

O problema é que o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCFMRP), cuja “primeira estaca” teria sido cravada pelo governador num terreno situado no bairro João Rossi, na realidade já existe há décadas, como se sabe, no câmpus da USP. Tanto é que o vídeo foi divulgado no perfil do próprio HCFMRP no Instagram, onde se explica que efetivamente o que ocorreu foi o “lançamento da pedra fundamental da Nova Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto”.

No Instagram, o perfil do HCFMRP sustenta que o dia 8 de fevereiro “será lembrado pela história” da cidade. Uma imagem reúne, lado a lado com Tarcísio de Freitas, protagonistas de projetos políticos que convergiram na ocasião: o professor Marcos Felipe de Sá (FMRP), que, como lembra a postagem, foi “superintendente do HC por três mandatos”, nas gestões estaduais do PSDB; o atual superintendente do HC, Ricardo Cavalli; o diretor da FMRP, Jorge Elias; e o prefeito Ricardo Silva (PSD).

O HCFMRP dispõe, atualmente, de uma Unidade de Emergência (pronto-socorro) na região central da cidade, a chamada HC-UE. No entanto, segundo explica o médico Maurício Godinho, seu ex-coordenador administrativo e atual secretário municipal da Saúde, o número de pacientes que procura a HC-UE excede sua capacidade. “A gente tem enfrentado uma superlotação do sistema há alguns anos”, diz ele. A nova UE ocupará uma área de quase 58 mil m2 e deverá contar com 217 leitos. Somados aos atuais 180, serão 397. Além disso, parece ter sido agregado ao plano original de uma nova UE a criação de uma ala de especialidades.

O investimento total na ampliação da UE será de R$ 526,3 milhões. O primeiro módulo da obra custará R$ 63,7 milhões, com prazo de conclusão de 420 dias. “A ideia é que no ano que vem a gente esteja com esse módulo de urgência e emergência operando, o atual módulo vai virar um hospital de trauma e ortopedia, e a parceria com a Universidade de São Paulo, eu preciso agradecer aqui ao reitor Carlotti, vai proporcionar uma ampliação e a construção do equipamento integral conforme ele foi planejado”, declarou o governador em entrevista coletiva à imprensa, no dia do lançamento da nova unidade (confira na reportagem exibida pelo SBT Regional São Paulo).

Manifestantes criticaram desatenção do governo estadual à educação

Tarcísio não mencionou cifras, mas seu recado foi claro. “Deu a entender que é mais do que o governo estadual iria colocar. A USP está com esse caixa de R$ 6 bilhões, então tudo é possível”, diz a professora Annie Shmaltz Hsiou, 1ª secretária da Adusp e também diretora do Andes-SN, apontando os interesses políticos que o projeto envolve e articula. “Estão formando dentro da USP um campo de sustentação para o governo Ricardo Silva. O próprio Carlotti Jr. se coloca como um possível futuro secretário estadual, a exemplo do ex-reitor Vahan Agopyan [secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo estadual]”.

Annie foi uma das oradoras de uma manifestação de protesto contra as políticas de educação, de saúde e de segurança pública do governo estadual, realizado durante a visita de Tarcísio de Freitas a Ribeirão Preto, no local em que será erguida a nova unidade de emergência do HC. O protesto foi acompanhado por guarnições da Guarda Civil Municipal e da Polícia Militar, mas não houve incidentes.

“Nós somos a favor sim de um hospital público na nossa cidade, que tenha o nome da Universidade de São Paulo. Mas a gente tem que denunciar que os cortes feitos na educação, em função da saúde, foram uma cortina de fumaça. Eles querem privatizar as escolas estaduais, colocando na mão da iniciativa privada”, destacou ela. A seu ver, o cenário de “escolas lotadas, precarização do trabalho docente, baixos salários”, e demissão de diversos professores, deveria fazer com que o governo estadual priorizasse a educação, ao invés de cortar verbas.

A docente criticou fortemente o projeto de “escolas cívico-militares”, que no âmbito local é apoiado pelo prefeito de Ribeirão Preto, por acarretar uma militarização da concepção de mundo das crianças, e fez referência às chacinas perpetradas pela Polícia Militar na Baixada Santista e à “política de morte” do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD) e do secretário Guilherme Derrite, ex-capitão da PM.

O Informativo Adusp Online solicitou à Assessoria de Imprensa da Reitoria que informe o valor que a USP destinará à nova Unidade de Emergência do HC de Ribeirão Preto. Até o fechamento desta matéria, no entanto, não recebemos esse dado.

Fundação privada Faepa controla o HC de Ribeirão Preto

Hoje uma autarquia estadual, inteiramente controlada por uma fundação privada dita “de apoio” à USP — a Faepa, o HCFMRP era, como indica sua sigla, vinculado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). O superávit da Faepa em 2023 foi de R$ 61,76 milhões.

Embora essa fundação privada, mantida por docentes da FMRP, se defina como “entidade sem fins lucrativos”, suas demonstrações contábeis de 2023 (publicadas pela Faepa no Diário Oficial do Estado em 24 de abril de 2024) informam, no item denominado “Demonstrações dos Fluxos de Caixa”, que esse valor de R$ 61,76 milhões corresponde exatamente ao “lucro líquido do período” (sic).

Carlotti Jr. foi presidente do Conselho de Curadores e de Administração da Faepa no período 2013-2016, quando diretor da FMRP. Em 2022, no seu primeiro ano de mandato à frente da Reitoria, submeteu ao Conselho Universitário (Co) um “plano de investimentos” que tinha como um dos itens a proposta de transferir R$ 67 milhões para o HCFMRP, sob a alegação de “melhorar a relação com o governo estadual”.

Na mesma lógica, o “plano de investimentos” da Reitoria contemplou também o HC de São Paulo, brindado com a quantia de R$ 150 milhões, destinados ao aparelhamento de centros cirúrgicos, à criação de uma unidade de pesquisa clínica e a outras obras de ampliação. Ocorre que, desde 2011, o HC de São Paulo é uma autarquia, igualmente controlado por uma fundação privada dita “de apoio”, a Fundação Faculdade de Medicina (FFM). A proposta foi aprovada quase sem debate no Co.

Jorge Elias, diretor da FMRP, é o atual presidente do Conselho de Curadores e de Administração da Faepa.

EXPRESSO ADUSP


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