O projeto de “expansão” do Câmpus de Ribeirão Preto da USP apresentado pela gestão Carlos Gilberto Carlotti Jr.-Maria Arminda do Nascimento Arruda no dia 28 de maio e aprovado pelo Conselho Universitário (Co) no último dia 3 de junho é totalmente diferente da proposta elaborada por uma Comissão de Estudos criada pelo próprio reitor em 2023 e que recebeu o nome de “Câmpus Parque”.

A começar pela localização: o terreno de quase 79,6 hectares (796 mil m2) que receberá a “expansão” endossada pelo Co situa-se na Avenida Independência, no bairro João Rossi, onde está sendo construída a nova Unidade de Emergência (UE) da autarquia Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP). Portanto, a vários quilômetros de distância da Cidade Universitária.

A proposta desenvolvida pela Comissão de Estudos, no entanto, foi planejada num território de 244 hectares (2,44 milhões de m2) muito próximo e defronte ao câmpus atual. Ele inclui a antiga Estação Experimental de Zootecnia de Ribeirão Preto (pertencente ao patrimônio estadual e vinculada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento – SAA), situada no lado oposto da Avenida dos Bandeirantes (à qual se superpõe a rodovia Atílio Balbo), e outras glebas, supostamente pertencentes a particulares.

Versão do projeto de “Câmpus Parque” discutida em outubro de 2023 pressupunha a ocupação do terreno não apenas com edifícios, mas também com uma área de reflorestamento com espécies típicas da região (valendo-se de mudas produzidas no Viveiro do câmpus da USP de Ribeirão Preto); a criação de quatro “polos” — artes e ciências, ecoagro, esportes e lazer, inovação — e de três equipamentos especiais: Museu da Biodiversidade, Jardim Botânico, Teatro-Odeon; e vias de acesso com passagens para animais silvestres.

Croqui apresentado na Comissão de Estudos em outubro de 2023

Cabe perguntar como surgiu a Comissão de Estudos que elaborou o agora esquecido e descartado “Câmpus Parque”. No dia 30 de junho de 2023, Carlotti Jr. assinou a Portaria GR 8.078, que constituiu a “Comissão de Estudos referentes ao território do Câmpus USP de Ribeirão Preto, com vistas ao possível aumento do espaço ora ocupado pela Universidade nessa cidade”, com a finalidade de “elaborar produtos e estudos a fim de possibilitar a implantação do Polo de Artes, Ciências, Esportes e Lazer”, e composta por cinco grupos de trabalho, encarregados das temáticas de relações institucionais, captação de recursos, meio ambiente e sustentabilidade etc.

O primeiro considerando a fundamentar a criação da Comissão foi, segundo a portaria, “a proposta apresentada pelos Diretores de Unidade do Câmpus USP de Ribeirão Preto, objeto do Ofício datado de 17/3/2023 e constante dos Autos USP 2023.1.153.53.7”, sendo o segundo considerando “a conveniência e oportunidade de elaborar estudos relativos ao redimensionamento do território do Câmpus USP de Ribeirão Preto, com a sugestão de tratativas para integração à sua área de terrenos vizinhos, de propriedade do Estado de São Paulo”.

Também figuraram como considerandos a justificar a portaria “o interesse acadêmico de redimensionar substancialmente a quantidade e a qualidade das atividades de extensão universitária, de difusão científica e de relacionamento com a rede de educação pública, por meio da implantação do Polo de Artes e Ciências”, e “o interesse da USP na ampliação de iniciativas em favor da sustentabilidade, da educação ambiental e da difusão científica, das artes e dos esportes, propiciando nova perspectiva para o relacionamento da Universidade com a sociedade de Ribeirão Preto”.

Na sequência da portaria reitoral, as pessoas que viriam a integrar a Comissão de Estudos foram nomeadas pelo então presidente do Conselho Gestor (CG) do Câmpus de Ribeirão Preto, Marcelo Mulato, por intermédio da Portaria CG 007, datada de 8 de agosto de 2023. Numerosa comissão: ao todo foram nomeadas por Mulato mais de setenta pessoas, entre docentes, a grande maioria, e funcionários(as) técnico-administrativos(as). Algumas delas foram incluídas em mais de um GT.

O Grupo de Trabalho de Relações Institucionais foi composto por 14 integrantes, tendo como coordenador Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho, diretor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP). O Grupo de Trabalho para Captação de Recursos e Desenvolvimento de Modelos Autossustentáveis de Gestão e Financiamento, com 15 pessoas, seria coordenado por Amaury José Rezende, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEARP).

O GT para Estudos e Projetos para Implementação do Polo de Artes e Ciências, com 16 integrantes, teria como coordenadora a professora Tiana Kohlsdorf, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP, ou “Filô”). O GT para Estudos e Projetos para Implementação do Polo de Esportes e Lazer reuniu 14 pessoas, cabendo a coordenação a Hugo Tourinho Filho, diretor da Escola de Educação Física e Esportes de Ribeirão Preto (EEFERP). O mais numeroso, com 18 integrantes, foi o GT de Meio Ambiente e Sustentabilidade, coordenado por John Campbell McNamara (FFCLRP).

Essa mesma portaria do CG nomeou ainda, como presidente e vice-presidente da Comissão de Estudos, respectivamente, Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho (FDRP) e Sérgio Akira Uyemura, diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), “aos quais competirá a coordenação dos trabalhos dos Grupos de Trabalho e a sistematização de suas contribuições em documento único a ser encaminhado às instâncias competentes, congregando projetos e estudos, a fim de possibilitar o redimensionamento do Câmpus da USP em Ribeirão Preto e a implantação do Polo de Artes, Ciências, Esportes e Lazer”.

Comissão de Estudos escolheu Estação Experimental como área de expansão

Iniciados os trabalhos da Comissão, seus integrantes se fixaram na área da Estação Experimental, desativada há anos, como possível local de expansão da USP de Ribeirão Preto. Desde 2016, no governo de Geraldo Alckmin (PSDB), estava prevista a venda da Estação Experimental, como parte das políticas de privatização adotadas por sucessivas gestões estaduais. Os coordenadores dos GTs decidiram, portanto, cogitar da possível incorporação desse território pela USP (a depender de uma negociação com o governo estadual), e, ainda, de glebas limítrofes pertencentes a particulares.

A própria Portaria 8.078/2023 do reitor faz alusão a “sugestão de tratativas para integração à sua área de terrenos vizinhos, de propriedade do Estado de São Paulo”, o que sinaliza a existência de conversações antes mesmo da criação da Comissão. No entanto, algo fez a gestão Carlotti Jr.-Arruda Nascimento mudar de ideia.

Segundo relato de docente que tem familiaridade com os trabalhos da Comissão, o reitor inicialmente criou sucessivas dificuldades para o projeto “Câmpus Parque”, à medida que ele avançava. Depois que esses esforços foram mal sucedidos, ele optou por descartar o local escolhido pela Comissão, e, da mesma forma, abandonar diversos itens importantes do projeto original.

Isso porque a Reitoria decidiu endossar e submeter ao Co a insólita proposta da Superintendência do HCRP de aquisição pela USP, por R$ 281 milhões, da gleba do governo estadual onde será erguida a nova UE (situada na região norte de Ribeirão Preto), e de posterior devolução ao governo. Desde 2011 o HCRP é uma autarquia estadual sem vínculos administrativos com a USP e, além disso, inteiramente controlada pela Faepa, fundação privada dita “de apoio” — e também “organização social de saúde” — mantida por docentes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP).

Na reunião do Co, o diretor da FDRP Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho, que presidiu a hoje desativada Comissão de Estudos, pediu a palavra para exaltar o projeto apresentado pelo reitor, definindo-o como “oportunidade de ouro”. Ele teceu extensos elogios à instalação de um escritório da faculdade nas novas edificações do HCRP. “É uma grande oportunidade para que nós possamos contribuir com acesso à justiça, integrado a esse serviço público extremamente complexo. Isso, para nós, é valiosíssimo do ponto de vista da pesquisa, da prática, do ensino, do estágio. Da inovação, da extensão”, exaltou.

Referindo-se à proposta de criação do “Câmpus Parque”, Nuno tentou minimizar as diferenças entre ela e a “expansão” patrocinada por Carlotti Jr. “Muitos dos princípios, dos equipamentos, dos serviços que foram discutidos por essa grande comissão encontram-se contemplados pela presente proposta. Traz o Museu da Biodiversidade, por exemplo, traz a participação da Faculdade de Direito com assessoria jurídica em direitos humanos e todas as outras iniciativas que foram apresentadas aqui”, alegou.

“Não é a proposta que foi apresentada por aquela comissão em que nós trabalhamos, eu que me dirijo a pessoas que trabalharam nessa comissão e que sei que estão assistindo a esta sessão, não é a proposta que nós construímos, mas é a proposta que se tornou possível desde o ponto de vista político e institucional e que realiza muito do que pretendíamos, realiza outras coisas maiores e melhores que nós não pensávamos, realiza os princípios e denota a coerência da Reitoria no modo como está tratando a questão”, disse, em tom laudatório (destaques nossos).

Projeto proposto pelo reitor é “Frankenstein”, diz docente que atuou em GT

Outras pessoas que se envolveram no projeto do “Câmpus Parque” e participaram dos GTs têm apreciação oposta. A professora Patricia Monticelli (FFCLRP), que integrou o GT de Meio Ambiente e Sustentabilidade e compõe o Conselho de Representantes da Adusp, chama atenção para o fato de que a “expansão” prevista no terreno do bairro João Rossi não prevê cuidados ambientais, ao passo que o projeto da Comissão de Estudos incluía, além de cuidados com a fauna e a flora, a criação de um “maciço florestal”, com a finalidade de restaurar a cobertura vegetal do território.

“Esse maciço seria uma área de reflorestamento com espécies típicas da região, com mudas produzidas pelo próprio câmpus, no viveiro de mudas da Floresta da USP de Ribeirão Preto. Atenderia uma demanda do câmpus de fazer interligação da sua fauna com as áreas verdes vizinhas, um corredor ecológico entre a USP e a Mata de Santa Tereza. Isso vai se perder, com esse abandono de projeto por outro terreno que nem sei se tem árvores nativas”, disse a professora ao Informativo Adusp Online. “A gente sabe o que a Reitoria faz com as árvores nativas deste câmpus”, lamentou, citando a derrubada de árvores para construção de um refeitório e do Prédio Didático da FMRP.

Patricia considera que o reitor atropelou o trabalho da Comissão. “Carlotti se apropriou do projeto do ‘Câmpus Parque’, desmembrou-o, e decidiu fazer um ‘Frankenstein’ na saída da Avenida Caramuru”, disse a docente da “Filô”, fazendo alusão ao ponto em que essa via se encontra com a Avenida Independência e onde se situa o terreno da nova UE ora em construção.

“Essa compra do terreno para a UE não estava nos planos e não foi trabalhada naquele projeto da Comissão. Os GTs estavam viabilizando a expansão do câmpus nos espaços da Fazenda Experimental. Caiu totalmente por terra a viabilidade com essa intervenção da Reitoria e a aquisição desse terreno que é do Estado”, declarou Samuel Filipini, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP, ao Informativo Adusp Online.

“É uma jogada política. Esse dinheiro que a USP está pagando por este terreno provavelmente vai para a edificação do hospital. Não é nada ligado ao projeto que a gente desenvolveu”, comentou o servidor, que integrou os GTs de Captação de Recursos e de Meio Ambiente e Sustentabilidade.

Docentes também questionaram o modo irresponsável como Carlotti Jr. “sequestrou” os planos de criação do Museu da Biodiversidade. O projeto da Reitoria aprovado no Co delega tanto o custeio como a gestão do Museu à Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, o que lança uma série de incertezas sobre a utilização do equipamento. Na Comissão, estimava-se que o custo de construção do museu seria de R$ 250 milhões, dado omitido no projeto submetido ao Co.

Íntegra da Portaria GR 8.078, de 30 de junho de 2023

O Reitor da Universidade de São Paulo, usando de suas atribuições legais, nos termos do artigo 42 do Estatuto, e considerando:

-a proposta apresentada polos Diretores de Unidade do Câmpus USP de Ribeirão Preto, objeto do Ofício datado de 17/03/2023 e constante dos Autos USP 2023.1.153.53.7;

-a conveniência e oportunidade de elaborar estudos relativos ao redimensionamento do território do Câmpus USP de Ribeirão Preto, com a sugestão de tratativas para integração à sua área de terrenos vizinhos, de propriedade do Estado de São Paulo;

-o interesse acadêmico de redimensionar substancialmente a quantidade e a qualidade das atividades de extensão universitária, de difusão científica e de relacionamento com a rede de educação pública, por meio da implantação do Polo de Artes e Ciências;

-o interesse da USP na ampliação de iniciativas em favor da sustentabilidade, da educação ambiental e da difusão científica, das artes e dos esportes, propiciando nova perspectiva para o relacionamento da Universidade com a sociedade de Ribeirão Preto, baixa a seguinte

PORTARIA

Artigo 1º – Fica constituída a Comissão de Estudos referentes ao território do Câmpus USP de Ribeirão Preto, com vistas ao possível aumento do espaço ora ocupado pela Universidade nessa cidade, com a finalidade de elaborar produtos e estudos a fim de possibilitar a implantação do Polo de Artes, Ciências, Esportes e Lazer.

Artigo 2º – A Comissão será composta pelos seguintes Grupos de Trabalho:

a) Grupo de Trabalho de Relações Institucionais;

b) Grupo de Trabalho para Captação de Recursos e Desenvolvimento de Modelos Autossustentáveis de Gestão e Financiamento;

c) Grupo de Trabalho para estudos e projetos para implementação do Polo de Artes e Ciências;

d) Grupo de Trabalho para estudos e projetos para implementação do Polo de Esportes e Lazer;

e) Grupo de Trabalho de Meio Ambiente e Sustentabilidade.

§ 1º – Cada Grupo de Trabalho contará com um Coordenador.

§ 2º – A Coordenação Geral da Comissão será colegiada, composta polos

Coordenadores de Grupo de Trabalho, sob a presidência do Coordenador do Grupo de Trabalho de Relações Institucionais, o qual será obrigatoriamente um dos Diretores de Unidade do câmpus.

§ 3º – Os membros dos Grupos de Trabalho e seus Coordenadores serão indicados pelo Conselho Gestor do Câmpus USP de Ribeirão Preto.

Artigo 3º – A Comissão deverá apresentar estudos prévios que demonstrem a viabilidade técnica, jurídica, econômica e financeira da proposta, no prazo de até 120 (cento e vinte) dias da publicação desta Portaria.

Artigo 4º – A implantação do presente projeto dar-se-á em diálogo com as Pré-Reitorias e Superintendências da Universidade, bem como com a Prefeitura do Câmpus USP de Ribeirão Preto.

Artigo 5º – Reuniões com representantes de Poderes e órgãos públicos, para as tratativas tendentes à realização dos objetivos desta Portaria, contarão, sempre que possível, com a participação do Reitor ou de representante da Reitoria, em acompanhamento aos integrantes da Comissão.

Artigo 6º – Os recursos necessários ao desenvolvimento do presente projeto serão suportados pelas Unidades do Câmpus USP de Ribeirão Preto, de acordo com sistemática de rateio que queiram implementar, podendo contar com o auxílio de suas fundações de apoio e outras fontes de custeio.

Artigo 7º – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação (Autos USP 2023.1.153.53.7).

Carlos Gilberto Carlotti Junior

Reitor

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