Universidade
EACH, dez anos após a medida judicial de interdição. O que mudou?
Publicamos a seguir documento elaborado pelo Grupo de Trabalho de Política Agrária e Socioambiental da Adusp (GT-PAS), que traça um retrospecto dos graves problemas ambientais existentes no campus da Escola de Artes, Ciências e Humanidades e de como a USP lidou com a correta decisão judicial de interdição e suspensão das atividades daquela unidade, tomada em novembro de 2013 pela 2a Vara da Fazenda Pública
Em 21 de novembro completaram-se exatos 10 anos que a juíza Laís Helena Bresser Lang Amaral da 2ª Vara da Fazenda Pública, expediu liminar, a partir de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE), determinando a suspensão das aulas e das obras de ampliação no campus da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP), a USP-Leste.
As aulas foram efetivamente suspensas a partir de 9 de janeiro de 2014 (30 dias após a USP tomar “ciência inequívoca” da medida, conforme determinava o despacho da juíza) e as razões alegadas foram parcialmente aquelas que constavam da Ação Civil e que assim foram sintetizadas no mencionado despacho:
“Pelo que se extrai da petição inicial e documentos juntados, desde o ano de 2005, vem sendo apurados danos ambientais, no imóvel que abriga a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo EACH – ‘Campus Leste da USP’. Tais danos tem suas origens pelo depósito de elementos contaminantes, por obras de dragagem do Rio Tietê, representando grave risco à integridade física dos alunos e demais pessoas que transitam pelo local (vida e saúde). Há inclusive risco de explosão, pela existência de gás metano no subsolo” (extraído do despacho da juíza).
O fato é que a USP, como se pode depreender do trecho extraído, desde a fundação e início de funcionamento da EACH (2005) vinha reiteradamente negligenciando as exigências ambientais para sua operação, particularmente no que dizia respeito à solução para os problemas que o acúmulo de metano no subsolo poderia acarretar.
O texto que justifica a petição de liminar promovida pela Ação Civil Pública (datada de 14 de novembro de 2013) e que ensejou o despacho de 21 de novembro faz referência a todo esse histórico de tratamento negligente, recordando que em 2005 a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Paulo já havia instaurado inquérito civil (Nº 14.482.58/2005) “para apurar danos ao meio ambiente, à vida e à saúde dos alunos, professores e demais pessoas que frequentam a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo-EACH” (cf. ACP-Inicial/USP Leste), afirmando que “transcorridos quase dez anos do início das construções”, a USP não havia tomado as atitudes necessárias, seja para investigar com detalhe os problemas de contaminação de solo, ou de subsolo (com concentração de metano), seja para mitigar os riscos decorrentes disso.
Além do mais, registra o agravamento das condições iniciais do terreno onde foi implantada a EACH, por causa de movimentação ilegal de terra trazida para dentro do campus, localizado em uma Área de Proteção Ambiental (APA) do Parque Ecológico do Tietê (PET), que durante um ano (entre outubro de 2010 e outubro de 2011) presenciou a movimentação cotidiana de caminhões que transportaram 109 mil m³ de resíduos e terra de “origem não certificada” para o seu interior, apesar da notificação expedida pelo então diretor geral do PET, Valter dos Santos Rodrigues, datada de 6 de junho de 2011, em cujo texto se lia o seguinte, e mesmo assim foi solene e arrogantemente ignorada por seu destinatário, o então diretor da unidade:
Esses fatos a que brevemente nos reportamos, mencionados na Ação Civil, resultaram nas avaliações dos técnicos do órgão fiscalizador ambiental (Cetesb), igualmente registradas na Ação Civil, que manifestaram da seguinte maneira a sua contrariedade ao reconhecerem a persistência “do risco potencial de explosão do metano existente no subsolo” e constatarem «que os estudos apresentados pela USP para delimitação e remoção da terra sem certificação de origem e que foi depositada indevidamente no campus, de outubro de 2010 a outubro de 2011, foram considerados ‘insatisfatórios’» (pg. 36 da ACP, negritos originais).
Em função disso, a Cetesb concluiu em Parecer Técnico (nº 157/IPRS/13, registrado na ACP), emitido em outubro de 2013, que a USP não atendeu às exigências técnicas da Licença de Operação nº 2118 e que os novos prazos propostos pela USP para esse atendimento (outubro e dezembro de 2014) não contemplavam as solicitações indicadas no Parecer mencionado, assim registrado pela ACP (pg. 37):
“A inexequibilidade dos prazos alegados pela USP devia-se às medidas paliativas para controle dos prazos e solicitações de adiamento no atendimento das exigências técnicas da Cetesb, o que vinha causando a intranquilidade dos usuários do campus (alunos, professores e funcionários)”. (Negritos originais)
Essas reiteradas desconsiderações das exigências da Cetesb levaram-na a impor à USP Penalidade de Multa em 31 de outubro de 2013 e converteram-se em boa parte dos argumentos que igualmente induziram o MPE, por meio da Promotoria do Meio Ambiente da Capital, a requerer a concessão de medida liminar que, em suma, propunha a suspensão das atividades no campus e o atendimento de todas as exigências técnicas para que este tivesse sua condição físico-ambiental sanada, além de exigir que, enquanto isso, a USP providenciasse:
“local adequado para a continuidade das atividades relacionadas a todos os cursos ministrados na EACH (graduação, pós-graduação, cursos de extensão universitária e outros), de forma a não prejudicar os trabalhos em desenvolvimento e que ainda serão desenvolvidos no presente ano letivo e nos anos subsequentes, até que as pendências ambientais sejam integralmente sanadas pela USP e aprovadas pela Cetesb, sob pena de multa diária de R$100.000,00 (cem mil reais)” (cf ACP, pg. 42).
Como já dissemos, sete dias após essas solicitações, em 21 de novembro de 2013, a juíza Lang Amaral acolheu e concedeu a liminar e o campus foi efetivamente interditado em 9 de janeiro de 2014.
A USP tratou de acelerar o atendimento de algumas das exigências, apelando inicialmente para expedientes e recursos jurídicos que revertessem, ou adiassem, a interdição e indicassem a sua boa vontade em solucionar em prazo exíguo as pendências acumuladas durante anos, apesar dos fatos negarem isso, como demonstrou o argumento da ACP. Em função disso, recebeu uma resposta da própria juíza que chamava a atenção para a seriedade de sua decisão e sua disposição em insistir no equacionamento das pendências físico-ambientais do campus com o vagar necessário. Em 25 de fevereiro de 2014 a juíza em breve despacho afirmou:
“Pelo que se observa dos pareceres técnicos juntados pela ré, ainda se mostram incipientes as medidas tomadas, visando à reparação dos riscos que motivaram a decisão liminar, razão pela qual não há que se falar, por ora, em retomada das atividades no campus. No mais, aguarde-se o prazo de 40 dias, para as regularizações pertinentes (fl. 1830), além da contestação.
As atividades no campus só seriam retomadas quando, em despacho de 22 de julho de 2014, o desembargador Álvaro Passos, do Tribunal de Justiça, suspendeu monocraticamente a interdição do campus, pautado principalmente no fato de que estariam descartados os “riscos iminentes”, restando apenas os “riscos potenciais” (sic), no que diz respeito às consequências dos gases presentes no subsolo, notadamente o metano. O desembargador que com sua determinação interrompeu bruscamente a elaboração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que estava em curso, recomendou que se fizesse a “reocupação da USP Leste, sem prejuízo de todas as medidas que vinham sendo tomadas, e outras que possam ser indicadas, pela Universidade, bem como da continuidade nas tratativas para a celebração do Termo de Ajustamento de Conduta noticiado”.
Na prática, no entanto, tal decisão prejudicou o trabalho que estava sendo desenvolvido em conjunto pelo MPE, USP e Cetesb, com participação da Adusp (na condição de litisconsorte) e de representantes da Comissão Ambiental e Grupo Técnico de trabalho da EACH (instituídos pela Reitoria pelas portarias GR-6388 e GR-6389, de 29/10/2013), para elaboração de um TAC, cujo texto final, coordenado pelo próprio MPE, já incorporava compromisso com exigências que, caso atendidas, avançariam no sentido de um efetivo saneamento da EACH, considerando a remoção de parte do solo contaminado, um confinamento mas adequado das áreas AI-02 e AI-03, onde se depositou a maior parte do aterro 2010-2011, além de dar continuidade aos corretos procedimentos, que já estavam bastante avançados, em relação à implantação das máquinas de ventilação/exaustão do metano, com a implantação de quase duas dezenas delas espalhadas pelo Campus e com tratamento acústico para redução de ruídos.
Sem a celebração do TAC que estava em curso, venceu o cansaço pelos meses de interdição e de nomadismo a que todos fomos submetidos, com nossas atividades de docência e pesquisa dispersas por 14 outras unidades de trabalho (entre as alugadas e as da própria USP), durante esse período. Prevaleceu a sede de volta à antiga rotina dos nosso locais de trabalho, sem os cuidados totais que poderíamos ter logrado, para juntar às medidas técnicas efetivamente tomadas, particularmente com relação ao metano, a percepção e o convencimento de que o tratamento dispensado ao campus leste, transformado em lixeira de material contaminado por antiga direção (que infelizmente segue homenageada na galeria de ex-diretores da Sala da Congregação), seria igualmente mais adequado, pois se cogitava solução mais definitiva para um solo que todos reconhecem como contaminado, inclusive por substâncias proscritas como PCBs (bifenilas policoloradas), com a remoção de parte dele.
Aqui, diga-se de passagem, não há quem não reconheça a presença de resíduos tóxicos no aterro proveniente da terra de origem não certificada. A divergência está na consideração do nível de toxicidade oferecida por causa dos chamados “valores de intervenção”, acima dos quais, e considerando a modalidade de uso (residencial, comercial, industrial ou agrícola), eles oferecem risco à saúde humana. Coincidentemente, no entanto, a partir de 2014, mais precisamente em 20 de fevereiro daquele ano, a Cetesb publicou no Diário Oficial do Estado (em 21 de fevereiro de 2014) decisão da Diretoria (045/2014/E/C/I) com novos valores orientadores para intervenção, em substituição aos que eram praticados desde 2005. Com isso a Cetesb passou a indicar maior nível de tolerância para determinados compostos, muitos deles presentes no solo da EACH.
Essa decisão da diretoria da Cetesb declarou o solo da EACH menos perigoso, sem que necessariamente nenhuma atitude em relação a ele fosse tomada.
Se as questões relacionadas ao metano foram razoavelmente equacionadas, aquelas referentes às águas subterrâneas ou ao solo, cujas condições foram agravadas pelo aterro de 2010/11, seguem sem solução adequada, sujeitas aos debates sobre os níveis de toxicidade mais ou menos suportáveis para os organismos humanos, ou às mudanças nos valores de referência e/ou intervenção.
O processo referente à Ação Civil Pública que ensejou a interdição da EACH, importante ainda registrar, encontra-se em curso. Seus últimos movimentos foram dados por um Laudo Técnico realizado no Campus em agosto de 2021, resultado de perícia e vistoria feitas por um perito cujo trabalho e designação haviam sido solicitados pela juíza do caso havia quase dez anos, mais precisamente em 13 de maio de 2014!
O laudo dessa perícia, realizada apenas agora, foi encaminhado para a Adusp, por sua condição de litisconsorte, fazer a sua manifestação, prontamente atendida no prazo dado pela juíza, em outubro do mesmo ano.
O resultado dessa última etapa ainda está em processo, não tendo sido encerrada pela juíza do caso. Interessante constatar que no laudo do perito são ainda indicados problemas com o metano em pelo menos duas edificações e registra-se a remoção do solo mais contaminado, que teria sido tratado e destinado para “aterros sanitários industriais” (conforme o laudo). Mas ninguém da EACH confirma esse fato, nem entre servidores ligados à prefeitura ou aos órgãos responsáveis por sua infraestrutura. Além do mais, qualquer movimentação de terra na Área de Proteção Ambiental do Parque Ecológico do Tietê, onde ainda continuamos situados, necessitaria de autorização especial e estaria registrada nos órgãos fiscalizadores, ou reproduziria o mesmo crime ambiental que foi cometido quando essa terra foi trazida ilegalmente para o Campus há mais de dez anos.
Desse crime ambiental, aliás, quase nada mais se fala e seu principal protagonista, como dissemos, segue homenageado com sua foto na galeria de ex-diretores da terceira maior unidade da Universidade de São Paulo, que hoje ostenta o título de ser uma das dez mais sustentáveis do mundo, segundo o ranking UI GreenMetric World University Ranking 2022, noticiado pelo Jornal da USP de 20/12/2022.
GT-PAS, 21 de novembro de 2023
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