A Congregação da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP em Piracicaba aprovou a alteração do resultado de um concurso para professor doutor no Departamento de Produção Vegetal e homologou novo relatório final que recomendou a contratação do candidato que obteve a maior pontuação, mas havia sido preterido pela Comissão Julgadora. Ao final do concurso, realizado em outubro, a comissão indicou para contratação o segundo colocado.

Paulo Vinicius da Silva, que é negro e se inscreveu pelo sistema de ações afirmativas, obteve a maior pontuação tanto na nota geral (45,2 a 44,9) quanto na média (9,04 a 8,98) em relação ao segundo colocado, Arthur Arrobas Martins Cardoso. No entanto, a Comissão Julgadora propôs à Congregação o nome de Arrobas, por “indicação” de três dos seus cinco componentes. Vale dizer que, embora houvesse nove candidatos(as) inscritos(as), apenas Silva e Arrobas se apresentaram para o concurso.

Silva ingressou então com um mandado de segurança e obteve uma liminar do juiz Maurício Habice, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Piracicaba, que suspendeu os efeitos da nomeação de Arrobas, cuja convocação já havia sido efetuada pela Esalq.

Em reunião no dia 21/11, vinte dias depois de concedida a liminar, a Congregação da Esalq anulou a homologação da decisão de outubro, que aprovou a contratação de Arthur Arrobas, e homologou “relatório final retificado” para a contratação de Silva.

No relatório publicado no Diário Oficial do Estado no dia 25/11, a Congregação diz que a revisão, aprovada por 37 votos favoráveis e seis abstenções, se deve ao “arredondamento indevido das médias finais” e foi tomada no contexto do “exercício de autotutela administrativa”.

A Comissão Julgadora do concurso era formada por Francisco Guilhien Gomes Junior, Rafael Munhoz Pedroso (ambos docentes da Esalq); Marcus Barifouse Matallo, do Instituto Biológico; Fernanda Satie Ikeda, da Embrapa Agrossilvipastoril; e Fabrícia Cristina dos Reis, da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), órgão da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, com sede em Campinas.

No relatório de outubro, os três primeiros “indicaram” Arrobas, enquanto as duas últimas votaram em Paulo Vinicius da Silva. O relatório da Comissão Julgadora foi homologado pela congregação em 24/10 e publicado em 29/10 no Diário Oficial do Estado.

No relatório “retificado”, apenas Rafael Pedroso manteve a indicação de Arrobas. Gomes Junior e Matallo mudaram sua indicação para Silva, enquanto Fernanda Ikeda e Fabrícia dos Reis permaneceram com a indicação feita no primeiro relatório.

Critério de indicação foi utilizado de maneira indevida, porque não houve empate no concurso

Na petição inicial do mandado de segurança, a defesa de Silva aponta que os professores justificaram sua indicação com base em critérios subjetivos, como “maior experiência do candidato” e “relevância da linha de pesquisa proposta”.

O centro da argumentação, no entanto, se encontra no descumprimento dos artigos 142 e 146 do Regimento da USP. O primeiro determina que “em caso de empate, o examinador fará o desempate”, enquanto o segundo diz que “o empate de indicações será decidido pela Congregação, ao apreciar o relatório da comissão julgadora, prevalecendo sucessivamente, a média geral obtida, o maior título universitário e o maior tempo de serviço docente na USP”.

A inicial destaca que “não havia empate” no certame e, portanto, “a decisão de empregar o critério de ‘indicações da banca’ foi utilizada de maneira indevida e contrária ao princípio da prevalência do melhor sucedido nas avaliações” (destaques no original).

A regra prevista no Regimento “só poderia incidir em casos de empate real nas notas médias dos candidatos, algo que manifestamente não ocorreu”, prossegue. “Qualquer outra interpretação desse dispositivo é não apenas juridicamente insustentável, como também potencialmente perigosa, pois abriria margem para arbitrariedades e injustiças, como a que ora se discute.”

Na decisão em que concede a liminar e suspende a nomeação e posse de Arrobas, o juiz Mauricio Habice diz que “o fumus boni iuris emerge da documentação que evidencia a superioridade das notas obtidas pelo impetrante [Silva], bem como da aparente violação aos princípios constitucionais da legalidade e impessoalidade (art. 37, CF) na utilização de critérios subjetivos de desempate quando não havia, tecnicamente, situação de empate a ser dirimida”.

Concursos não podem se basear em subjetividades, defende advogado de Silva

Ao Informativo Adusp Online, o advogado de Silva, Márlon Reis, afirmou que o caso tem uma “importância transcendente, porque o que ocorreu com o professor Paulo é muito frequente no meio acadêmico brasileiro, o que é lamentável”.

“Precisamos de processos de seleção do corpo docente das nossas universidades que sejam completamente embasados em critérios objetivos, sem subjetividades que favoreçam escolhas com base em critérios de proximidade pessoal. Essa é a lição que esperamos passar com esse processo, e eu cumprimento o professor Paulo pela sua grande coragem”, ressaltou Reis.

Paulo Vinicius da Silva é professor da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Tem graduação e mestrado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutorado em Fitotecnia na Esalq, concluído em 2018, com período sanduíche na Colorado State University. Seu Currículo Lattes lista 66 artigos publicados em periódicos, além de outros trabalhos.

Arthur Arrobas é professor do Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR). É formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), tem mestrado em Fitotecnia pela Esalq e doutorado, concluído em 2017, pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp em Jaboticabal, com período sanduíche na Universidad de Buenos Aires. O Currículo Lattes apresenta 71 artigos publicados em periódicos, além de outras produções.

Procurada pelo Informativo Adusp Online por meio de sua Assessoria de Comunicação, a Esalq não se manifestou a respeito do caso.

EXPRESSO ADUSP


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