O Jornal da USP, órgão oficial da Reitoria, ainda não publicou uma linha sequer sobre o assunto. Mas o portal digital do Exército (“braço forte, mão amiga”) deu o recado, em matéria publicada no dia 17 de março último. Lá pode-se ler o seguinte “Exército e Governo de São Paulo firmam parceria em Ciência, Tecnologia e Inovação”. Depois, tem-se um texto que se inicia assim: “Brasília– O Exército Brasileiro, por intermédio do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT), e o Governo do Estado de São Paulo firmaram, no dia 12 de março, um protocolo de intenções com o objetivo de fortalecer e expandir as parcerias nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação”.

A matéria prossegue informando que a iniciativa “visa à criação de um ambiente colaborativo para o desenvolvimento de projetos que envolvem tanto o setor público quanto o setor militar, alinhando os interesses institucionais e as políticas nacionais de defesa”. Diz ainda que, além da assinatura do protocolo de intenções, foi realizada uma reunião entre o DCT do Exército e a Casa Civil do Estado de São Paulo, e que tal encontro “contou com a participação da alta cúpula da área de Ciência e Tecnologia do Estado” (destaques nossos).

Marcelo S. CamargoMarcelo S. Camargo
Reunião entre representantes do Exército, do governo estadual e das universidades e Fapesp, em 17/3

A seguir, o texto informa quem são os componentes da citada “alta cúpula”. E sim, são exatamente os de sempre, além de alguns novatos: o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan (ex-reitor da USP); os reitores das três universidades estaduais, Carlos Gilberto Carlotti Jr. (USP), Antonio José de Almeida Meirelles (Unicamp) e Maysa Furlan (Unesp); o presidente da Fapesp, M. A. Zago (ex-reitor da USP); e o presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Anderson Correia. Na imagem publicada pelo site do Exército aparece também o pró-reitor Paulo Nussenzveig, de Pesquisa e Inovação (USP).

Dois generais de divisão (três estrelas) representaram o Exército na reunião com o governo estadual: Armando Morado Ferreira, chefe de Ensino, Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do DCT, e Juraci Ferreira Galdino, reitor do Instituto Militar de Engenharia. O governo estadual foi representado pelo secretário-executivo da Casa Civil, Fraide Sales. O portal do Exército informa ainda que a assinatura do protocolo de intenções “ocorreu durante reunião realizada no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista”, e que “contou com a participação do governador Tarcísio de Freitas e do general de exército Achilles Furlan Neto, chefe do DCT”.

Quanto ao teor da parceria, o Exército explica o seguinte: “No documento assinado, as partes envolvidas se comprometem a realizar estudos conjuntos, focados no avanço tecnológico e na inovação, com base nas diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Defesa, pela Estratégia Nacional de Defesa, além de outras normas e acordos previamente definidos, como a Política de Propriedade Intelectual do Ministério da Defesa e a Política Militar Terrestre”.

Cabe questionar a ausência do Ministério da Defesa nas reuniões mencionadas. Por que motivo a parceria foi entabulada diretamente entre o governo estadual e o Exército, sem a participação da Defesa? O Exército continua tendo autonomia para realizar esse tipo de acordo? Quais são as implicações dessa iniciativa? Outra questão relevante: as universidades estaduais paulistas vão se envolver na produção de material bélico?

Também é pertinente constatar a anuência da USP à essa parceria. Afinal de contas, a Ditadura Militar (1964-1985) assassinou 47 pessoas ligadas à universidade, sem que até este momento as Forças Armadas tenham realizado sequer um pedido de desculpas pelas atrocidades cometidas. O DOI-CODI do II Exército, em São Paulo, foi o responsável pela maioria dessas mortes.

A propósito, neste momento a USP se prepara para homenagear, no próximo dia 28 de março, quatro estudantes da Escola Politécnica assassinados pela Ditadura Militar, aos quais serão atribuídos diplomas honoríficos de graduação. Será que o reitor Carlotti Jr. abordou o assunto na reunião de 17 de março?

EXPRESSO ADUSP


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