Centenas reuniram-se na FFLCH para organizar resposta a agressões da extrema-direita; Adusp, Sintusp e DCE comparecem e prestam solidariedade; grande ato público é convocado para 2 de outubro
Foto: Daniel Garcia

Nesta quinta-feira, 11 de setembro, à noite, centenas de pessoas compareceram ao auditório Milton Santos, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), para participar de uma reunião convocada pela direção da unidade com a finalidade de preparar uma resposta organizada às sucessivas investidas de grupos de extrema-direita, a mais recente das quais ocorreu no último dia 5 de setembro.

Foi aprovada a realização de um grande ato público no próximo dia 2 de outubro. As tarefas organizativas foram atribuídas a integrantes de diversas comissões, compostas por estudantes, docentes e funcionárias(os) que se voluntariaram para tal ao final da reunião, conduzida pelo professor Adrián Pablo Fanjul, diretor da FFLCH, e pela vice-diretora Silvana de Souza Nascimento.

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Professor Adrián e professora Silvana, diretor e vice-diretora da FFLCH

A Associação de Docentes da USP (Adusp), o Sindicato de Trabalhadores da USP (Sintusp), o Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre) “Alexandre Vannucchi Leme”, o Fórum das Seis, o Andes-Sindicato Nacional e diversos centros acadêmicos se fizeram representar na reunião. Também esteve presente a deputada estadual Paula Nunes, da Bancada Feminista do PSOL.

Iniciado o debate, o professor Maurício Cardoso chamou a atenção para a necessidade de ocupação coletiva e permanente dos espaços da FFLCH, elogiando a atuação do Centro Acadêmico de História “Luiz Eduardo Merlino” (Cahis) por passar nas salas de aula realizando o que chamou de “convite muito afetivo” para que a categoria discente do curso se engaje na defesa da unidade, e comentou a intimidação praticada atualmente contra os docentes que atuam na rede pública de ensino fundamental e médio: “Professores de história, de filosofia, geografia, ciências humanas, gramática, língua portuguesa, têm sofrido muito nas escolas públicas hoje, não só de São Paulo como de vários estados do país, porque os fascistas também estão lá: essa maluquice do ‘Escola Sem Partido’, esses monstros que […] vão precisar ser combatidos, não só aqui mas no país inteiro”, disse, sob fortes aplausos.

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Professor Maurício Cardoso

A estudante Ana Lúcia, do Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” (CAELL), relacionou a situação atual da FFLCH com a resistência dos estudantes da USP à Ditadura Militar (1964-1985), que perseguiu e assassinou 40 discentes e sete docentes da universidade. Citou também a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão pelo STF. A seu ver, a Reitoria da universidade tem sido conivente com o grupo “União Conservadora”. “Não adianta chamar a PM porque a gente sabe que a PM só ajuda essa galera. Esses ataques têm uma posição política por trás, de fortalecer na eleição de 2026 o governador de extrema-direita Tarcísio de Freitas, que tem uma política contra a classe trabalhadora, contra os setores oprimidos e de perseguição da juventude negra e periférica”, disse ela.

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Ana Lúcia, diretora do CAELL

O professor Márcio Moretto, presidente da Adusp, manifestou a posição da entidade: “Esses ataques não são episódios isolados, mas parte de um padrão de intimidação contra a vida acadêmica e a liberdade de pensamento, fundamentos essenciais da universidade. Desde maio, vimos provocações se transformarem em agressões: invasões de atividades acadêmicas e culturais, cartazes rasgados, hostilizações e, mais recentemente, violência física contra estudantes, servidores técnico-administrativos e professores”, disse.

“A Adusp tem acompanhado esses episódios com grande preocupação e dado destaque em suas matérias, não apenas sobre a FFLCH, mas também sobre casos semelhantes registrados em outras universidades públicas, como a Unicamp e a UnB [Universidade de Brasília]. O que vemos é uma escalada de violência organizada, que busca intimidar os espaços de pensamento crítico e transformá-los em palco de autopromoção política”, prosseguiu.

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Professor Márcio Moretto, presidente da Adusp

“Nesse cenário, a direção da FFLCH tem cobrado da Procuradoria-Geral da USP aquilo que consideramos fundamental: o acompanhamento de perto das investigações em curso, a cobrança de celeridade junto às autoridades competentes, o encaminhamento correto dos processos internos, a adoção de medidas jurídicas efetivas e a garantia de proteção real à comunidade universitária. A Adusp se coloca ao lado da direção nessa cobrança”, destacou Márcio, que representou também o Fórum das Seis. “Não podemos aceitar omissão institucional diante de ameaças e agressões que já colocam em risco a integridade de estudantes, docentes e funcionários. Deputados e vereadores que se valem do oportunismo para transformar a universidade em palanque precisam ser cobrados institucionalmente, pelos meios cabíveis, a prestar contas de suas ações”.

O presidente da Adusp registrou ainda, na sua fala, que a entidade recebeu mensagens de apoio da Associação de Docentes da Unesp (Adunesp) e da Associação de Docentes da UFABC (Adufabc). “Essas manifestações evidenciam que não estamos sozinhos: há uma preocupação ampliada em todo o país com a escalada desses ataques. Isso mostra que a defesa da FFLCH é parte de uma luta maior pela preservação da universidade pública e da liberdade acadêmica. A USP não é um palanque, é uma universidade. Aqui se respeita a pluralidade de pensamento e o confronto pacífico de ideias, mas não se pode tolerar a violência, a intimidação ou o uso da nossa instituição para autopromoção de carreiras políticas”, declarou.

“A Adusp convoca toda a comunidade a apoiar a FFLCH neste momento. Nossa solidariedade é com a diretoria da faculdade, com os centros acadêmicos e com os servidores e servidoras que denunciaram as condições de insegurança. É hora de estarmos juntos, firmes e mobilizados, para que a universidade continue sendo um espaço de pluralidade, liberdade e respeito mútuo”.

A professora Vanessa Martins do Monte propôs que a discussão tivesse um propósito bem definido: “A gente precisa, na minha opinião, exigir uma ação jurídica [ou judicial] da Reitoria contra esses grupos. A gente não está interessado em que a Reitoria decida como nós, unidade, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, vamos lidar com o nosso espaço. A gente não está interessado em que a Reitoria decida que a gente vai ter que colocar catracas aqui, porque a gente não vai fazer isso. Esse não é o ponto, isso já foi decidido, já foi conversado, a gente já falou isso em congregação”, disse a docente, recebendo muitos aplausos.

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Professora Vanessa Martins do Monte

“A gente quer o contrário disso: ocupar esse espaço, que é público, num entendimento do público que a gente faz aqui criticamente. E não num entendimento do público que esse bando de fascistas vem aqui fazer e dizer, sobre o que é público e o que não é. Isso é público, isso é dinheiro público, isso é universidade de qualidade”, sustentou Vanessa. “São estudantes aqui, são funcionárias, funcionários, funcionáries que estão aqui e que são a maioria desse auditório e que são a linha de frente, que são acuados nos seus laboratórios, no seu local de trabalho. Então o que a gente exige é que haja um reconhecimento e uma ação jurídica da Reitoria frente a essas pessoas, que têm nome, CPF, e que não são vídeos em rede social: podem ser acionadas judicialmente com processos. É isso que a gente tem que exigir”.

No mais, a docente sugeriu que as pessoas presentes no auditório dêem continuidade à “excelente iniciativa da direção, que é reunir toda essa quantidade de gente para decidir sobre a nossa unidade, tendo em vista que ela está dentro da universidade”. E, concordando com a ideia de que as ações do grupo “União Conservadora” não são incidentes isolados, mas decorrem de um planejamento (“é um movimento internacional da direita”), questionou: “Estão colocando a nossa comunidade em risco. Os alunos, alunas e alunes já foram agredidos. Que mais vai ter que acontecer para a gente ter uma ação judicial, como por exemplo a que a Unicamp fez?”.

Maria Lucineia de Almeida (Néia), funcionária da FFLCH, relatou incidentes ocorridos em 2016, durante a greve de funcionários(as) técnico-administrativos(as): “A direita nos gravou, nos humilhou, nos enfrentou, e depois publicou na TV Bandeirantes e na Record, eles foram muito covardes, filmaram colegas nossos que a mídia apresentou como bandidos”.

A seu ver, é preciso haver unidade para enfrentar o provável retorno dos agressores de extrema-direita: “Eles vão voltar de várias formas, mas a gente tem que ter um espírito de coletivo, um espírito de comunidade de fato, não deixar ninguém para trás. Ninguém solta a mão de ninguém, porque as coisas vão vir, com armas ou sem armas, e eles são covardes”. Ela também apontou a necessidade de denunciar o grupo “União Conservadora” ao Ministério Público (MP-SP). “Isso aqui é uma instituição pública”, frisou, observando que representar ao MP é um direito individual e coletivo.

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Professora Ligia Chiappini e Maria Lucinéia (Néia)

O professor Osvaldo Coggiola, representante do Andes-SN, lembrou que no final de 2018, quando chefiava o Departamento de História, recebeu “uma enxurrada de e-mails” de ameaça no dia seguinte à realização, no Vão da História, de uma assembleia que discutiu o que fazer frente à vitória de Bolsonaro na eleição presidencial. Assim, disse, em 2025 o que se tem é uma continuidade desse tipo de ação da extrema-direita. A resposta, no seu entender, exige mobilização e uma tomada de posição mais assertiva por parte da Reitoria.

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Professor Osvaldo Coggiola

“Nossa vice-reitora foi diretora dessa faculdade, ela tem que usar todos os recursos, porque ela é formada e fez toda a sua carreira dentro dessa faculdade. A Reitoria tem que tomar providências jurídicas e tem os meios para convocar a grande imprensa e informar todos os meios de comunicação sobre o que está acontecendo aqui. Temos que cobrá-la nesse sentido”.

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Professor Everaldo de Andrade

“Este espaço é muito importante, eu quero parabenizar a diretoria por este espaço. Porque é muito raro nós estudantes termos espaços para sermos ouvidos pela comunidade docente, os funcionários serem ouvidos, desta forma tão democrática. A gente quer que este tipo de espaço se multiplique no próximo período, para que nossa unidade seja tocada cada vez mais de forma democrática”, afirmou Pedro, diretor do DCE-Livre.

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Patrícia Galvão, diretora do Sintusp

“Esses ataques que a gente vive hoje no Vão [da História] não são isolados de uma tentativa que vai chegar, que é o Tarcísio de Freitas dentro da USP. A gente viu o Tarcísio atacando os serviços públicos, militarizando as escolas, e a gente conseguiu se isolar um pouco enquanto USP. Mas daqui a dois meses vai haver eleição para a Reitoria, e quem vai indicar o reitor é o mesmo Tarcísio que hoje tenta se postular como continuador do Bolsonaro”, avaliou o estudante.

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Pedro, diretor do DCE-Livre

EXPRESSO ADUSP


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