“Nesta data, 17 de dezembro, quatro dias depois da edição do AI-5, o Crusp foi cercado por tropas às 4h da manhã e mais de 1.200 estudantes fomos presos”. O resumo do que ocorreu cinquenta e seis anos atrás no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, o Crusp, é de autoria do jornalista e escritor Mouzar Benedito, geógrafo formado pela hoje Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

Blindados e soldados do Exército e da então Força Pública protagonizaram um ataque sem precedentes da Ditadura Militar ao movimento estudantil, no local que consideravam um reduto de subversivos, em plena Cidade Universitária do Butantã. O reitor em exercício, Hélio Lourenço da Silva, esboçou um protesto, com apoio do Conselho Universitário, mas em vão (meses depois, ele seria cassado pelos militares). De acordo com os relatos, a operação repressiva durou horas.

“Já se passaram 56 anos! A esta hora [10h] estávamos em frente ao bloco A, diante de uma pilha de livros ‘subversivos’ recolhidos pelos milicos nos apartamentos. A pilha ia aumentando… Só levaram a gente para o Presídio Tiradentes perto do final da tarde”, relata Mouzar. “Dali a uns dias, já restando vinte e poucos presos, eu e mais três colegas fomos levados para o DOPS [Departamento de Ordem Política e Social]. Só nós. Não sei porque fomos escolhidos. Foi a única vez que fui passageiro de um camburão”.

Outra geógrafa formada na USP, a ex-vereadora paulistana Tereza Lajolo também estava no Crusp naquele dia fatídico. “Acordei ao som dos tanques de guerra, um para cada bloco! Vinham acompanhados de uma grande ‘comitiva’ das mais variadas espécies em busca dos ‘perigosos’ moradores”, conta. “Após o AI-5 já esperávamos que algum dia viriam desocupar o Crusp. Fizeram vistoria detalhada no apartamento e mandaram descer. As mulheres ficaram no Centro de Convivência e os homens debaixo dos prédios”.

Acometida de forte cólica, Tereza foi conduzida a um apartamento do Bloco F. “Três mulheres com sintomas variados vigiadas na porta do quarto por um soldado armado de metralhadora acompanhado por um na porta do apartamento e outro no corredor também com metralhadora! Perguntamos [ao soldado] para que tudo isso para três mulheres indefesas”. Ele contou a elas que a tropa ficou aquartelada por quinze dias antes da invasão e que disseram aos soldados que iriam enfrentar “um pessoal que tem bateria antiaérea”.

As mulheres foram postas em ônibus da Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC), “com soldados de metralhadora na porta e a cada 3 ônibus tinha um carro do polícia com sirene ligada”, recorda ela. “Lembro bem quando descemos a Consolação. Chegamos no Presídio Tiradentes. ‘Desçam!’ Estando próxima à porta fui descer e o soldado virou a metralhadora para mim, dizendo ‘Volta!’ Nisso o portão se abriu e prostitutas saíram festejando a liberdade pela nossa chegada”.

No pátio tentaram separar as moças dos rapazes do Crusp que lá estavam, mas não conseguiram, diz Tereza. “Quando estava chegando a nossa vez de sermos levadas para as celas, as soldadas falaram que exigíssemos a limpeza, porque poderíamos ter contato com condições que provocariam doenças. Fomos postas na rua e de algum modo voltamos para o Crusp. Não me lembro quantas(os) ficaram no Presídio. Sobrevivemos e de vez em quando nos encontramos”.

Para alguns dos presos na ocasião e nos seus desdobramentos, contudo, o final não foi feliz. É o caso dos irmãos bolivianos Juan Antonio e Jorge Rafael Carrasco Forrastal. Como centenas de colegas, Jorge Rafael, aluno da Escola Politécnica, foi capturado no Crusp no dia 17 de dezembro de 1968. Juan Antonio, que era aluno do Instituto de Física, ingenuamente dirigiu-se ao Quartel-General do então II Exército (hoje Comando Militar Sudeste) para buscar informações sobre o irmão que sabia estar preso. Ambos foram torturados. Juan Antonio, que era hemofílico, jamais se recuperou do sofrimento psíquico decorrente e suicidou-se em 1972, em Madri.

EXPRESSO ADUSP


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