Universidade
Política afirmativa em vigor nos concursos da USP é “ineficaz” e precisa ser urgentemente reformulada, propõe Coletivo de Docentes Negras e Negros
A Resolução 8.434/2023, que instituiu uma política afirmativa para pretos, pardos e indígenas (PPI) em concursos públicos para provimento de cargos de docentes e processos seletivos de admissão de servidores técnicos e administrativos, “foi e é ineficaz”, gerando portanto “a necessidade de uma reparação urgente nos concursos vindouros”. A bonificação para candidatos(as) PPI adotada pela Resolução 8.434/2023 é “inócua” e, “em conjunto com a identificação, pode até desestimular candidatos(as) pardos(as) a se autodeclararem por medo de represálias durante o concurso”, de modo que “não há sentido na manutenção da política atual e que sua revisão deve ser imediata, com a implementação, em substituição, de medidas de reparação”.
Tais afirmações constam de nota divulgada nesta sexta-feira, 1º de agosto, pelo Coletivo de Docentes Negras e Negros da USP, que faz referência a uma ação judicial, de autoria da Defensoria Pública, que tramita na 14ª Vara da Fazenda Pública da Capital e que é “subsidiada por uma análise técnica apresentada pela Rede Liberdade e pela Ação Educativa que demonstra o número ínfimo de docentes negras e negros na USP, mesmo após a implementação da Resolução 8434/2023”.
A nota lembra que o Coletivo já havia sinalizado que “tal resultado era previsível, pelo menos para todas as pessoas que reconhecessem o racismo institucional na USP”. Em nota de 22/11/2023, “portanto, antes da apreciação pelo Conselho Universitário [Co] da proposta que conduziu à resolução citada”, o Coletivo já elencava vários problemas da política que a Reitoria pretendia adotar: “1) Dificilmente os concursos docentes têm mais de uma vaga, e, estimular as unidades a agrupar vagas num mesmo edital exigirá uma modificação no seu planejamento de contratações que, acreditamos, dificilmente se dará; 2) O concurso para docentes se dá por indicação da banca, ou seja, a pontuação do candidato pode ficar num segundo plano no processo de aprovação; 3) As provas se dão sem anonimato na correção, o que pode dar margem ao viés racista na avaliação do candidato; e 4) Não há um prazo para alcance da meta de igualar o percentual da composição racial da população do Estado de São Paulo”.
O Coletivo vai além, propondo total reformulação da política atual: “Tendo em vista a Nova Lei de Cotas (lei 15.142, de 3 de junho de 2025), que aumenta para 30% as vagas reservadas para pessoas pretas ou pardas, indígenas e quilombolas em concursos públicos, propomos um modelo de prioridade na indicação de concorrentes negras e negros sob o compromisso da reserva de vagas e o estabelecimento de metas temporais para as unidades atingirem, nos seus quadros docentes, o percentual de PPIs existente em São Paulo”.
A nota detalha as críticas à Resolução 8.434/2023. “A normativa aprovada na USP é inócua, pois estabelece uma bonificação para concursos docentes com menos de 3 vagas, sendo que este é o caso da quase totalidade dos certames, nos quais a escolha da candidatura se dá por indicação dos membros da banca e não por notas. Notas essas que são dadas de forma subjetiva e que, em caso de empate, podem ser desconsideradas em favor da livre opção dos membros da banca”, diz o Coletivo. “Ou seja, são acrescidos pontos para um(a) candidato(a) não branco(a) para somar numa nota dada de forma subjetiva. Essa formulação permite aproximar a nota do(a) candidato(a) negro(a) à média, medida que, inclusive, só faz sentido quando há um grande número de candidatos(as), caso também raro nos concursos docentes, tendo em vista seu alto grau de especialização. A verdade é que a maioria dos concursos docentes têm apenas uma vaga”.
Ainda segundo o Coletivo, o modelo evidencia que o Co e a Reitoria acreditam que candidatos PPI “têm sempre notas inferiores às dos(as) candidatos(as) brancos(as) e, por isso, não são admitidos(as) em concursos”, de tal forma que “oferecer-lhes uma bonificação cobriria sua deficiência de formação de modo a que alcançassem a pontuação de candidatos(as) brancos(as)”. Tal formato, acrescenta, “apela ao preconceito que coloca a pessoa PPI como subalterna e, portanto, inferior intelectualmente”, e cria “um ambiente no qual a pessoa branca pode ser reconhecida como autora de uma benesse que ‘ajuda a pessoa negra’ a alcançar o lugar privilegiado em que está a branca. É justamente o contrário do pleiteado pelo movimento negro e pelo Coletivo de Docentes Negros e Negras da USP”. Foge-se assim “da discussão sobre o problema real, que é o racismo existente na universidade e na sociedade”.
A universidade, porém, “ainda mantém o discurso de eficácia do modelo ao se pronunciar junto a um importante veículo de imprensa”, ao declarar que entre 2022 e 2024, “foram contratados 702 novos professores, sendo que 84 se autodeclararam pretos, pardos e indígenas (PPI), ou seja, um acréscimo de 61,8% dos docentes PPI na Universidade”, e que os dados de 2025 “ainda não estão consolidados, mas devem ser ainda mais expressivos, já que os concursos estão sendo realizados com reserva de vagas”. No entanto, destaca o Coletivo, “a oportunidade de se acelerar o processo de contratação de docentes PPIs se deu nesta janela de tempo na qual foram contratadas 702 pessoas num curto intervalo; estas vagas só voltarão a concursos integralmente em torno de 20 a 30 anos à frente, pois, uma vez restabelecido o quadro docente, o ritmo de contratações fica dependente das aposentadorias, demissões e falecimentos”.
A nota chama atenção para matéria recentemente publicada na Revista da Fapesp segundo a qual “a proporção de pesquisadores pretos e pardos que lideram grupos de pesquisa no Brasil praticamente triplicou entre 2000 e 2023: subiu de 8,1% para 22,6% do total, chegando a quase 15 mil dos 66 mil líderes do país”. E questiona: “Ainda assim, fica a pergunta que não quer calar: por que as candidaturas PPIs qualificadas não são contratadas na USP? Não temos resposta além do reconhecimento das práticas que conduzem a vieses na avaliação, como o fato de as provas escritas não serem anônimas e a própria existência de uma política de bonificação, que dá a impressão de que a universidade está fazendo a sua parte”.
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