Professoras participam de roda de conversa sobre violência de gênero na USP

Foto: Daniel Garcia

A Adusp promoveu no dia 22/3, no Instituto de Matemática e Estatística (IME), uma roda de conversa sobre violência contra as mulheres. Participaram como convidadas as professoras Heloísa Buarque de Almeida, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e Elizabeth Lima, da Faculdade de Medicina (FM), que integram a Rede Não Cala! USP, grupo autônomo de professoras e pesquisadoras, formado em 2015 com a finalidade de combater a violência de gênero na universidade.

Daniel Garcia
 humanos

Ao dar início à atividade, a professora Michele Schultz, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e diretora da Adusp, explicou que a roda de conversa faz parte de um ciclo de debates que a entidade está organizando nas unidades. “Por ser o mês de março, a gente propôs que fosse uma conversa sobre mulheres. E nós achamos importante convidar a Rede Não Cala! para fazer esta parceria, pela importância da formação da rede e pelo conjunto de coisas que foram feitas desde que foi formada”, apresentou Michele. “A violência faz parte do nosso cotidiano de forma explícita, mas também tem uma sutileza nas nossas relações do dia-a-dia que é muito perversa e impacta diversas esferas da vida acadêmica, seja na carreira seja na presença em comissões, em cargos de gestão. E durante a organização veio a nós a notícia da morte de Marielle Franco e do Anderson Gomes” explicou a professora, “Então nossa conversa tem essa parcela grande de indgnação também, por tudo o que Marielle representava: mulher, negra, pobre, LGBT e militante dos direitos humanos”.

A professora Heloísa Buarque começou explicando como se envolveu na fundação da Rede Não Cala! USP. “Em 2008 dei o primeiro curso sobre genêro, ficou completamente lotado. Desde então, a cada dois anos, quando dou essa disciplina optativa há essa demanda por discussão. Foi exatamente por dar essa disciplina que comecei a ouvir de alunas, em 2012, nos intervalos e fins de aulas, coisas que eu não fazia ideia que aconteciam na USP. E era difícil elas falarem na primeira pessoa. Eu comecei a ouvir essas histórias e fui ficando bastante espantada. Não lembrava de cenas assim quando eu era aluna da FFLCH. Fiquei bastante chocada no começo, e procurei o programa USP Diversidade”, relatou.

“O USP Diversidade, que era para combater homofobia, passou a debater também machismo, racismo… Até que apareceram as denúncias da Faculdade de Medicina, do trote e da violência sexual, e aquele caso bem conhecido na imprensa do aluno que tinha estuprado três meninas, sendo que ele as dopava com soníferos na bebida. Tinha havido uma primeira sindicância que não deu em nada, nem processo administrativo. A partir deste momento, algumas colegas que trabalhavam com gênero começaram a se ligar, a marcar reunião. Então essa absolvição na Medicina, nessa primeira sindicância, foi um gatilho para a gente se organizar”, explicou Heloísa.

“A gente identificava que o sofrimento das estudantes nos dizia respeito diretamente”, relembrou Elizabeth Lima. “A gente estava diante de um campo de problemas urgentes que precisavam ser enfrentados e exigiam um esforço intelectual e político, mas também há um deslocamento do problema. Nós precisamos reformular o problema em novas bases, porque estes acontecimentos-limite estavam revelando um ambiente institucional marcado por uma cultura de violência, silenciamento e subjugação das mulheres, e várias outras formas na qual a diferença se expressa”.

Mudanças nas definições de assédio e estupro

As recentes mudanças de paradigma nas definições do que é assédio, abuso e estupro também foram abordadas durante o debate. “Outras gerações não nomeavam isso como estupro, ou violência sexual. Não significa que elas não sentiam a violência, ou não se sentissem agredidas. Mas não tinha um jeito de nomear isto ainda, como violência, como estupro, como violência sexual. Então é interessante pensar que a própria definição legal de estupro foi modificada em 2009. Antigamente, pela lei, estupro era apenas o que chamavam de conjunção carnal, ou seja, penetração pênis-vagina para ser mais descritiva”, explicou Heloísa. “Agora a tipificação penal chama de estupro qualquer ato libidinoso sem consentimento. Não precisa ter penetração, por exemplo”.

Prosseguindo, Heloísa esclareceu que há dificuldade de entender que “essas meninas não querem algo contra o sexo, mas estão questionando a noção de consentimento, a fronteira entre sexo consentido e estupro”. Desse modo, o que estes casos ocorridos na universidade estão trazendo é o questionamento desta fronteira. “As estruturas de apuração das universidades não tinham, primeiro, um lugar de atendimento psicossocial para lidar com isso — e, ao mesmo tempo, se as vítimas quisessem denunciar teriam que entrar na lógica de sindicâncias e de processos administrativos, que não foram feitos para pensar neste nível de violência intrapessoal. É preciso lembrar que, mesmo se não há marcas de violência, a violência moral e a humilhação são muito fortes. O que moveu um pouco a Rede Não Cala! foi pensar nestes casos de violência sexual”.

A professora Claúdia Lago, da Escola de Comunicações e Artes (ECA), participou da roda de conversa e compartilhou sua experiência como presidente da Comissão Permanente de Direitos Humanos de sua unidade. “A gente fez um encontro, em outubro, das comissões de Direitos Humanos da USP de várias unidades. E percebeu várias coisas semelhantes, porque as comissões que trabalham sofrem muito, porque sofrem muitas reprimendas por parte dos pares e colegas”, isso porque não existe “um ordenamento jurídico que ampare o trabalho das comissões”.

“Outro problema das comissões é que elas são montadas pelas direções, e acabam dependendo delas. Se a gente tem um diretor ou diretora que seja antenado e aberto, a comissão tem condições de funcionar. Muda a direção, a comissão pode ser destituída, simplesmente. As pessoas que integram estas comissões tem que ter garantia de poder trabalhar, esse é o grande problema”, concluiu Cláudia.

“A USP está encolhendo a Assistência Social”

Lucília Borsari, professora do IME, comentou, a propósito, sobre sua unidade: “Aqui nós temos a experiência das três categorias juntas e a gente não montou a Comissão de Direitos Humanos: tem a Comissão de Acolhimento à Mulher, com duas professoras, duas funcionárias e duas alunas, eleitas diretamente. Mas a categoria que a gente menos conseguiu trazer para o coletivo são as funcionárias. E esta relação hierárquica entre professoras e funcionárias dificulta estabelecer uma relação de confiança necessária para acolher uma denúncia”. Apesar dos esforços e tentativas, “os níveis de opressão não permitem”, lamentou Lucília.

A professora Heloísa Buarque comparou o tratamento dado pela USP ao problema com a situação de outras universidades: “A Unicamp fez um GT, estão estudando, propondo coisas, tem uma disponibilidade política de imaginar, por exemplo, um lugar de acolhimento para pessoas que sofreram violência, com treinamento especializado. A USP está encolhendo a assistência social. A Assistência Social é pensada por uma superintendência, com um ‘gerentão’. Nas federais, você tem uma Pró-Reitoria para assuntos comunitários e estudantis, ou seja, tem uma política social pensada”, disse.

Elizabeth Lima reforçou a avaliação de sua colega: “A gente trabalhou para construir uma proposta de rede de acolhimento que utilize lugares da USP como o HU, o Instituto de Psicologia, o Centro de Saúde-Escola. A proposta está pronta, mas é isso: a USP está encolhendo a parte da extensão. Então se precisa contratar alguém, ‘de jeito nenhum’, chamam de assistencialismo”, lamentou a professora em referência a recente declaração do reitor Vahan Agopyan.

A roda de conversa foi encerrada de forma lúdica, com uma atividade de dança circular coordenada pela professora Marília Velardi, da EACH.

 

EXPRESSO ADUSP


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