Nesta segunda-feira (26/6), o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) recebeu da Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento as informações sobre renúncia fiscal solicitadas pela corte na quarta-feira anterior (21/6), durante a sessão destinada à emissão do “parecer prévio” sobre as contas do exercício financeiro de 2022 do Governo paulista.

Durante a sessão extraordinária realizada em 21/6, o plenário do TCE, pela primeira vez na história desse tipo de julgamento naquela corte, converteu em diligência a apreciação das contas de 2022 do Governo estadual, chefiado à época por João Doria (então no PSDB) e, depois de seu afastamento do cargo de governador por razões eleitorais, por Rodrigo Garcia (PSDB).

O tribunal suspendeu a votação, para que antes fossem apresentadas informações referentes a espantosos R$ 53 bilhões em renúncias fiscais no ano passado. “O montante se refere a valores de tributos que deixaram de ser arrecadados durante o último ano das gestões de João Doria e Rodrigo Garcia”, explica o site do TCE. A proposta de diligência foi feita pelo vice-presidente do tribunal, conselheiro Renato Martins Costa, diante da constatação de que esses dados não haviam sido enviados ao TCE, conforme determina a lei. “A sugestão foi acolhida por unanimidade”.

Nesta mesma sessão de 21/6, o Ministério Público de Contas (MPC), setor do Ministério Público do Estado (MP-SP) responsável pela fiscalização das finanças governamentais, recomendou ao tribunal a rejeição das contas de Doria e Garcia. A procuradora-geral do MPC, Leticia Matuck Feres, elencou problemas graves nas contas do Governo em 2022, entre as quais falhas relativas à utilização do Fundeb; aplicação insuficiente de recursos na Saúde; manutenção injustificável de sigilo no tocante à renúncia de receitas; ineficiente gestão da Dívida Ativa e descumprimento de recomendações e determinações do TCE-SP no parecer prévio alusivo às Contas do Governador de 2021.

Em relação à área da Saúde, Leticia destacou que “a destinação de apenas 9,98% da receita proveniente de impostos e transferências em ações e serviços públicos de saúde desrespeitou o percentual mínimo de 12% fixado na Lei Complementar 141 de 2012”. No tocante ao Fundeb, a procuradora-geral apontou que foram empregados menos de 93% dos recursos disponíveis e, ainda, que um montante de R$ 1,366 milhão pertencentes ao fundo foi utilizado para custeio dos inativos, o que não encontra respaldo legal.

Quanto às renúncias fiscais, desde 2015 o MPC vem observando atentamente a questão, tanto que propôs ao TCE, naquele ano, que passassem a constar como item de análise das Contas do Governador. Segundo o artigo 14, §1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a renúncia fiscal compreende “anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”.

Embora não representem despesas propriamente ditas, diz o MPC, “tais renúncias devem ser tratadas como gastos públicos, uma vez que são utilizadas como alternativa à alocação direta de recursos via orçamento público, com o intuito de alcançar objetivos econômicos, sociais ou de desenvolvimento regional, sendo crucial sua transparência, acompanhamento e avaliação”.

O parecer do MPC relativo ao exercício fiscal de 2022 traz um relatório de vinte páginas sobre esse tópico, registrando, por exemplo, que “está-se falando de recursos efetivamente fruídos da ordem de bilhões de reais, a exemplo do constatado nos exercícios de 2020 (R$ 45,6 bilhões) e 2021 (R$ 48,3 bilhões)” (p. 63). Finalizado em maio último, o parecer chama atenção para o fato de que “ainda não há dados sobre o exercício de 2022 – isso porque a efetiva mensuração da renúncia de receitas fruída somente tem sido divulgada 2 anos à frente” (p. 64). O montante de R$ 53 bilhões relativo a 2022 é, assim, presumido, podendo o valor real ser ainda maior.

“Sob um viés comparativo, para que se tenha uma ideia da representatividade da renúncia financeira fruída anualmente”, prossegue o relatório, dados alusivos a 2020 revelam que “a função Educação teve um dispêndio de R$ 34,01 bilhões (sem considerar o montante de insuficiência financeira da SPPREV) e a função Saúde teve gastos de R$ 18,85 bilhões”. Portanto, conclui, “os gastos com Educação e Saúde correspondem, respectivamente, a 74,55% e 41,32% do valor renunciado com ICMS daquele ano”, conforme apurado pela Diretoria de Contas do Governador (DCG), um dos órgãos técnicos do TCE.

O relatório do MPC afirma enfaticamente que o governo estadual vem sonegando dados essenciais ao controle externo praticado pelo TCE, alegando necessidade de “sigilo fiscal” que na verdade não tem amparo na legislação, como agravante da prática de “concessão de benefícios por mero decreto, desrespeito aos requisitos impostos pela LRF”, concessão de renúncias sem autorização do Conselho de Política Fazendária (Confaz) e insuficiente controle sobre os benefícios concedidos (p. 58).

“Diga-se de passagem, mesmo tendo havido pequena melhora na situação nas contas de 2021, ainda naquela ocasião diversas informações deixaram de ser compartilhadas – notadamente em relação aos beneficiários e valores efetivamente renunciados – sob o infundado argumento da indisponibilidade de um sistema que permitisse a extração automatizada de dados. Deveras, seja por um argumento (sigilo) seja por outro (indisponibilidade de sistema), o que se tem é um verdadeiro e grave empecilho à atuação do controle externo em matéria de elevada relevância no contexto das Contas de Governo, circunstância omissiva que, além de não encontrar respaldo na legislação de regência, infringe expressamente a regra entabulada na Lei Complementar Estadual 709/93 (Lei Orgânica do TCE-SP)”.

Segundo essa lei, o tribunal, “através de inspeções e verificações, acompanhará a execução orçamentária e patrimonial dos órgãos da administração direta e autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações instituídas ou mantidas direta ou indiretamente pelos Poderes supracitados, inclusive a aplicação de subvenções e renúncia de receitasquanto à legalidade, legitimidade e economicidade […] §1º – Nenhum processo, documento ou informação poderá ser subtraído às inspeções do Tribunal de Contas, a qualquer pretexto, sob pena de responsabilidade” (destaques no original).

Assim, conclui o relatório: “Na prática, a sonegação das informações requisitadas impede o Tribunal de fiscalizar diversos aspectos em torno da política estadual de renúncia de receitas, como elencado no relatório da DCG”, a saber, entre outros: fruição de benefícios fiscais em desacordo com a legislação instituidora e sem cumprimento de pré-requisitos necessários; beneficiários da política fiscal de renúncia de receitas que não oferecem qualquer retorno socioeconômico à sociedade paulista ou, no mínimo, ao entorno geográfico e regional; direcionamento do benefício para contribuintes saudáveis financeiramente, em setores econômicos oligopolistas e com alta demanda, em detrimento de outros; escolha dos contribuintes e/ou setores merecedores de usufruir da renúncia de recursos públicos, por vontade unilateral de seu governante; fruição cumulativa indevida de benefícios fiscais; fruição de benefícios fiscais por contribuinte incluso na Dívida Ativa e/ou com parcelamento de tributos rompido por inadimplência; desvios de finalidade na concessão de benefícios (p. 63).

Além disso, resume o MPC, “diante do desconhecimento de quem são os beneficiários e dos montantes de recursos públicos que lhes foram destinados, também [se] inviabiliza a realização de avaliações de efetividade desta política pública, dos impactos socioeconômicos dela decorrentes e seu custo-benefício para a sociedade como um todo”.

Por essas razões, a procuradora-geral do MPC, ao dirigir-se aos conselheiros, reiterou parecer já emitido nos últimos anos: “É possível verificar, portanto, a inadequada gestão das renúncias de receitas, além do reiterado desprezo às recomendações e determinações exaradas por essa Corte e, principalmente, a imposição de empecilhos à regular atuação do controle externo no exercício das suas competências institucionais. O Ministério Público, como já fizera nos anos anteriores, entende que a matéria deve, por esses motivos, ser tratada como determinante para a emissão de parecer prévio desfavorável às contas anuais em apreço”.

Apesar de todas as evidências em contrário, o relator do processo, conselheiro Antonio Roque Citadini, votou pela emissão de parecer prévio favorável às contas de 2022 do Governo estadual, com recomendações e ressalvas. A votação seria retomada nesta quarta-feira (28/6).

EXPRESSO ADUSP


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