Nesta quinta-feira (4/1), a Diretoria do Andes-Sindicato Nacional emitiu nota que “expressa solidariedade e apoio” à professora Maria Caramez Carlotto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), mãe de duas crianças, que foi avaliada de modo desfavorável no processo de concessão de uma bolsa de produtividade (PQ) do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob a alegação de que “provavelmente suas gestações atrapalharam […], o que poderá ser compensado no futuro”.

A Diretoria do Andes-SN considera que “gestação e maternidade não devem ser consideradas entraves à carreira de uma pesquisadora”, e manifestou veemente repúdio à atitude de um dos pareceristas responsáveis pela avaliação, porque “emitiu um juízo de valor permeado por preconceitos, revelando uma postura machista e misógina, impregnada de viés de gênero”. Ainda segundo a nota, é “inadmissível avaliar o desempenho profissional de uma mulher com base em critérios sexistas, como a conjectura de que gestações possam ser um obstáculo para suas aspirações acadêmicas”, uma vez que tal argumento “reforça estereótipos ultrapassados que prejudicam o avanço da igualdade de gênero no ambiente acadêmico”.

No entender da Diretoria do Andes-SN, trata-se de uma postura de cunho patriarcal e estrutural, que “retira as mulheres das posições de poder, dos cargos de liderança e de tomada de decisão, já que as bolsas de produtividade são um instrumento para ascensão na carreira acadêmica, pressupondo o reconhecimento e a valorização de pesquisadoras e pesquisadores em suas áreas de atuação”.

A nota lembra que, infelizmente, o caso em questão não é isolado. “Há inúmeros relatos de arbitrariedades sexistas na academia, denotando que o efeito é sistêmico. Estamos ao lado de Maria Carlotto e de todas as mulheres que enfrentaram situações semelhantes, comprometida(o)s com a desconstrução de um sistema acadêmico que foi projetado por homens e para homens, em que sejam incorporadas as demandas das mulheres para uma academia justa e emancipatória” (confira ao final a íntegra da nota).

A Reitoria da UFABC também emitiu nota sobre o episódio, na qual considera desrespeitoso o teor do parecer desfavorável, lamenta o constrangimento provocado à professora e “clama” para que nenhuma outra pesquisadora brasileira tenha que lidar com situação similar.

“A UFABC discorda veementemente do exposto no parecer e rejeita de forma decidida e absoluta qualquer postura que reitere a perpetuação de estereótipos prejudiciais e discriminatórios em relação às mulheres e às mães envolvidas em pesquisas acadêmicas. É inaceitável qualquer insinuação que vincule a maternidade ou os períodos de gestação a supostas diminuições na produtividade acadêmica”, diz a Reitoria na nota.

“Não é factível que a maternidade seja encarada como um obstáculo à excelência acadêmica — o contrário, é preciso que a maternidade e a parentalidade sejam reconhecidas como vivências enriquecedoras capazes de contribuir para a diversidade e a ampliação de perspectivas críticas no âmbito da pesquisa, do ensino, da extensão e da vida universitária”, prossegue. “Além disso, a UFABC entende que a comunidade científica deve ser meio de combate à desigualdade de gênero, e não de sua perpetuação. Nesse sentido, urge que seja superada a perspectiva ainda excessivamente androcêntrica da ciência”.

Íntegra da nota da Diretoria do Andes-Sindicato Nacional

A Diretoria do Andes-SN expressa solidariedade e apoio à professora e pesquisadora Maria Caramez Carlotto, da UFABC, que recentemente enfrentou uma decisão desfavorável no processo de avaliação para a concessão de bolsa de produtividade (PQ) do CNPq. Repudiamos veementemente a notícia de que um dos pareceristas responsáveis pela avaliação emitiu um juízo de valor permeado por preconceitos, revelando uma postura machista e misógina, impregnada de viés de gênero.

É inadmissível avaliar o desempenho profissional de uma mulher com base em critérios sexistas, como a conjectura de que gestações possam ser um obstáculo para suas aspirações acadêmicas. Tal argumento reforça estereótipos ultrapassados que prejudicam o avanço da igualdade de gênero no ambiente acadêmico. A gestação e a maternidade não devem ser consideradas entraves à carreira de uma pesquisadora, e é inaceitável que tais fatores sejam utilizados como justificativa para negar oportunidades de reconhecimento e desenvolvimento profissional. A parentalidade envolve responsabilidades que podem afetar a carreira de docentes e pesquisadora(e)s de forma distintas, assim, é imprescindível que a comunidade acadêmica reconheça a disparidade de impacto entre homens e mulheres.

Essa postura de cunho patriarcal e estrutural, retira as mulheres das posições de poder, dos cargos de liderança e de tomada de decisão, já que as bolsas de produtividade são um instrumento para ascensão na carreira acadêmica, pressupondo o reconhecimento e a valorização de pesquisadoras e pesquisadores em suas áreas de atuação. Os recentes dados do grupo brasileiro “Parent in Science” confirmam a histórica disparidade na distribuição de bolsas PQ entre os gêneros, onde as mulheres que tiveram acesso às bolsas de produtividade representaram em 2023 apenas 35,6%. Além da sub-representação das mulheres no quadro geral das bolsas, observa-se o conhecido “efeito tesoura”, com a participação das mulheres diminuindo conforme há o aumento dos níveis das bolsas.

O mérito acadêmico deveria ser avaliado com critérios objetivos e imparciais, levando em consideração a qualidade acadêmica e o contexto em que se desenvolve o trabalho, sem pautar-se apenas pela produtividade acadêmica consolidada por critérios meramente quantitativos, ou pelo perfil masculino dominante na Ciência mundial. Vale ressaltar que a cultura do cuidado recai sobre as mulheres, inclusive as pesquisadoras que, mesmo não sendo mães, assumem o cuidado de parentes e pessoas próximas.

Instamos o CNPq a tomar as providências necessárias para promover formação política e pedagógica sobre o viés de gênero na academia, especialmente sobre os impactos da maternidade nas carreiras de docentes e pesquisadoras que decidem ser mães. A conscientização e a implementação de medidas que combatam o sexismo e a discriminação de gênero em todos os processos de avaliação acadêmica devem ser a tônica nas universidades, CEFETs e IFs, e também nas agências de financiamento à pesquisa, sejam nacionais ou regionais (FAPs).

A luta por uma academia justa, igualitária e livre de discriminação é responsabilidade de todas e todos nós, e a solidariedade é um passo fundamental nesse caminho. Infelizmente, o caso em tela não é isolado. Há inúmeros relatos de arbitrariedades sexistas na academia, denotando que o efeito é sistêmico.

Estamos ao lado de Maria Carlotto e de todas as mulheres que enfrentaram situações semelhantes, comprometida(o)s com a desconstrução de um sistema acadêmico que foi projetado por homens e para homens, em que sejam incorporadas as demandas das mulheres para uma academia justa e emancipatória.

Diretoria do Andes-SN

EXPRESSO ADUSP


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