Universidade
Ministério Público ajuíza ação por improbidade administrativa contra a USP, que mantém nos cargos docentes com mais de 75 anos
Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital está processando o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. e a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda porque ela completou, em 14/6/2023, a “idade limite para a aposentadoria compulsória”, e pede que sejam condenados a pagar indenizações e reparações ao erário. No ano passado, um inquérito civil indicou a existência na USP “de, ao menos, cinco servidores ocupantes de função com mais de 75 anos”, entre os quais Arminda, Guilherme Ary Plonski e três comissionados
No último dia 30 de agosto, as promotoras de justiça Cíntia Marangoni e Karyna Mori e o promotor Sílvio Antonio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, ajuizaram ação de responsabilidade civil contra a Universidade de São Paulo, contra o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. e contra a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, por atos de improbidade administrativa relacionados à permanência de Maria Arminda nesse cargo após ter completado, em 14 de junho de 2023, 75 anos, “idade limite para a aposentadoria compulsória”.
A ação judicial do Ministério Público (MP-SP) baseia-se na Constituição Federal (artigos 37, §4º e 5º, 129, incisos II e III) e nas leis 7.347/1985 e 8.429/1992, e inclui um pedido de “ressarcimento de danos materiais e morais coletivos”, que leva em conta o fato de que “a Vice-Reitora, ora requerida, continua a receber não apenas seus proventos de aposentadoria, como também uma verba mensal de gratificação específica pelo exercício do cargo de Vice-Reitora, de R$ 2.144,26”.
A ação lembra que a vice-reitora tem como competência estatutária substituir o reitor e exercer suas funções nas ausências e impedimentos, conforme o artigo 37 do Regimento Interno da USP. “Deste modo, referido contexto fático apresenta potencial de ocasionar a prática de inúmeros atos maculados pela invalidade ou nulidade, na medida em que a Vice-Reitora, docente já aposentada compulsoriamente, permanece no exercício de sua função pública, deixando a situação de governança da Universidade em completo risco de insegurança e instabilidade jurídica”.
No dia 30 de outubro de 2023, em decorrência do inquérito civil 538/2023, instaurado com a finalidade de investigar irregularidades desse teor na USP, o MP-SP expediu uma “Recomendação” ao reitor Carlotti Jr., de que promovesse, “no prazo de 30 dias, todas as medidas cabíveis com vistas à adequação da autarquia ao disposto na Constituição Federal e na legislação universitária, com a exoneração da ex-professora Maria Arminda do Nascimento Arruda do cargo de Vice-Reitora”, e — pelo mesmo motivo de haver ultrapassado a idade limite — de Guilherme Ary Plonski, do cargo de diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA), que então exercia (seu mandato encerrou-se em abril de 2024).
Na sequência, após ser notificada, a USP recorreu ao Conselho Superior do MP-SP (CSMP) contra a instauração do inquérito civil. Por unanimidade, o recurso foi julgado improcedente pelo CSMP. O inquérito prosseguiu, sendo ouvidos, entre outros, os docentes Aluisio Augusto Cotrim Segurado, pró-reitor de Graduação, e Rodney Garcia Rocha, ambos integrantes do Conselho Universitário da USP (Co).
“Ambos os professores expressamente salientaram que em nenhum momento souberam da recomendação expedida, de forma que seu teor jamais foi objeto de qualquer conhecimento por parte do Conselho Universitário, tampouco matéria a ser deliberada para consequente cumprimento” (destaques nossos), relata a inicial. Depreende-se, assim, que a Reitoria não informou o Co acerca do inquérito civil em curso naquele momento.
Parecer da CLR sustenta a permanência no cargo, alega a vice-reitora
Maria Arminda também prestou declarações ao MP-SP. “Durante sua audiência, a investigada, ora demandada, informou que conheceu da Recomendação expedida ao fim do ano passado, logo quando de sua expedição, via Procuradoria Geral da USP. Em igual sentido, considerou que a questão relativa à continuidade do exercício do mandato, mesmo após ter completado a idade para aposentadoria compulsória, era de amplo conhecimento, mas seria legitimada por normativa interna da Universidade”, relata a inicial, fazendo alusão a um parecer da Comissão de Legislação e Recursos (CLR).
A vice-reitora alegou ao MP-SP, ainda, que o reitor da USP “não teria a atribuição de cumprir a Recomendação expedida, uma vez que diretamente conflitaria com o entendimento consolidado pela CLR, posição da qual não poderia furtar-se de cumprir”. A ação destaca que Maria Arminda, “quando questionada acerca de seu conhecimento quanto à ocorrência de casos semelhantes”, salientou que ‘não sei se vale a pena nomear, mas há vários diretores que terminaram mandatos’, ‘porque isso é uma prática da Universidade de São Paulo baseada em sua normativa’.”
No entender do MP-SP, a USP “insiste em subverter o regime jurídico aplicável a seus dirigentes, impropriamente sustentando que o cargo de vice-reitora ostenta natureza jurídica de cargo em comissão, o que possibilitaria seu provimento e exercício por agente público maior de 75 anos”, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Referido entendimento não se sustenta juridicamente, constituindo-se em flagrante desrespeito ao artigo 40, §1º, inciso II, da Constituição Federal”.
Assim, reforça a ação judicial, a “manutenção do vínculo da demandada Maria Arminda do Nascimento Arruda pelo reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior representa grave violação a princípios administrativos e configura ato de improbidade administrativa”; “verifica-se que a Vice-Reitora, ao auferir gratificação pelo exercício irregular do respectivo cargo”, comete ato de improbidade administrativa descrito no artigo 10, inciso I, da lei 8.429/1992; o reitor, por sua vez, “concorreu para a prática deste ato de improbidade administrativa, na medida em que chancelou sua ocorrência e não impediu referida prática, mesmo ciente da Recomendação do Ministério Público, que também não foi cumprida”.
Ademais, salienta o MP-SP, mesmo antes do recebimento da recomendação “o Reitor da USP já tinha conhecimento inequívoco da irregularidade, notadamente em razão da discussão de seus próprios órgãos internos (CLR) e confecção de pareceres neste sentido, inclusive por professor da própria Universidade de São Paulo” — refere-se a Virgílio Afonso da Silva, professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito.
Prossegue lembrando que o conhecimento do risco proibido intrínseco ao comportamento é suficiente para fins de compor o elemento subjetivo doloso da conduta, o que é reforçado diante do não atendimento – e sequer da colocação em pauta, para eventual conhecimento e/ou decisão do Conselho Universitário – da Recomendação expedida” (destaques nossos).
Assim, “ambos demandados, Vice-Reitora e Reitor, deverão responder, solidariamente, pelo prejuízo ao erário, calculado não apenas na percepção de valores pela Vice-Reitora, durante sua gestão (gratificação específica recebida pelo exercício de seu cargo), como também pelo gasto de dinheiro público na manutenção desta política ilegal pela Universidade”.
Ação pede que Maria Arminda seja imediatamente afastada do cargo
A ação pede deferimento “da tutela de urgência liminar”, que determine “o afastamento imediato da vice-reitora de seu respectivo cargo, durante a instrução processual, sob pena de multa cominatória de R$ 10.000 por dia de descumprimento”, bem como “o reconhecimento da invalidade ou nulidade de quaisquer atos praticados no exercício do cargo de Vice-Reitora, a partir da decisão deste Juízo”.
No mérito, propõe que Maria Arminda seja condenada à pena de “perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (R$ 32.163,90 e eventuais valores recebidos até o trânsito em julgado da sentença)”, e de perda da função pública e direitos políticos por até 14 anos; e que Carlotti Jr. seja condenado “à reparação do dano ao erário equivalente aos valores ilicitamente percebidos pela Vice-Reitora (R$ 32.163,90 e eventuais valores recebidos pela demandada até o trânsito em julgado da sentença)”, bem como à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por até 14 anos e, ainda, “ao pagamento de multa civil equivalente ao do dobro do valor do acréscimo patrimonial indevido, conforme §2º do artigo 12 do mesmo diploma (R$ 64.327,80)”.
Além disso, pede a condenação conjunta de Maria Arminda e Carlotti Jr. ao pagamento de ressarcimento do dano ao erário, “evidenciado na perda de dinheiro público para a manutenção da política ilegal”, “utilizando-se como parâmetro o valor do acréscimo patrimonial auferido indevidamente pela Vice-Reitora (R$ 32.163,90), ou outro valor a ser aferido oportunamente, a ser pago por ambos demandados, solidariamente, nos termos dos artigos 275, 277, 927, 942 do Código Civil/2002”.
Por fim, propõe a condenação de ambos “ao pagamento de dano moral coletivo em favor da sociedade paulista, no valor de R$ 160.818,60 cada um, tendo em vista as ilicitudes cometidas”.
“Atuação sempre foi pautada por boa-fé e transparência”, diz Reitoria em nota
O Informativo Adusp Online indagou à Assessoria de Imprensa da Reitoria, no dia 5 de setembro, se a vice-reitora Maria Arminda, o reitor Carlotti Jr. e a própria Reitoria, institucionalmente, pretendiam manifestar-se sobre a ação judicial em questão, o que não ocorreu até o momento da publicação desta matéria, às 16h58. Porém, às 18h48 do mesmo dia, portanto após a publicação da reportagem do Informativo Adusp Online, o Jornal da USP divulgou uma nota intitulada “Reitoria divulga seu posicionamento sobre ação de improbidade administrativa do Ministério Público”.
Nessa nota, a Reitoria alega que a Procuradoria Geral da USP “já vinha apresentando à Promotoria todos os esclarecimentos e informações solicitados, expondo os fundamentos jurídicos, as decisões colegiadas e todos os pareceres de renomados juristas que respaldavam a permanência da vice-reitora no cargo até o término do mandato para o qual foi nomeada”, e acrescenta que “ante a abrupta interrupção das tratativas pelo órgão ministerial, a Procuradoria Geral atuará em juízo, levando ao Poder Judiciário o mesmo panorama e esclarecendo que a atuação institucional, bem como a do reitor e da vice-reitora, sempre foi pautada pela boa-fé e pela transparência”.
A nota informa ainda que a CLR, “instância do Conselho Universitário (Co), também se manifestou oficialmente, no dia 4 de setembro, sobre seu entendimento acerca da questão”. Segundo a CLR, a “base constitucional para o respeito integral ao período de mandato da chapa de reitor e vice-reitor e ao programa de gestão a ser implementado reside no artigo 206 da Constituição Federal, que diz respeito à gestão democrática do ensino público, bem como no fato de que o artigo 40, II, da Constituição, tal como regulado pela Lei Complementar nº 152/2015, estabelece a aposentadoria compulsória para cargos efetivos e não para o exercício do mandato sui generis de vice-reitor”.
Além de repelir a tese de improbidade administrativa levantada pelo MP-SP na ação judicial, a CLR sustenta que o cargo de vice-reitora é de designação e nomeação pelo governador. “Reitor e vice-reitora entraram no exercício de mandato pautados por programa de gestão, que se encerrará conjuntamente, e, dessa forma, não cabe ao reitor, nem ao Conselho Universitário, exonerar a vice-reitora do cargo”.
Acrescenta: “Nem a Constituição, nem as normas da Universidade, nem a jurisprudência, nem a farta e qualificada doutrina mencionada nos precedentes, inclusive em pareceres especificamente formulados para o caso, indicam a exoneração da vice-reitora como o caminho legal a ser adotado”.
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