Congregação da FFLCH homenageia Gorender

O historiador, jornalista e escritor Jacob Gorender, falecido em 11/6, foi homenageado em 20/6 pela Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), em reunião presidida por seu diretor, professor Sérgio Adorno. Intelectual marxista, histórico militante do Partido Comunista (PCB), nos anos 1990 Goren­der foi professor visitante do Insti­tuto de Estudos Avançados (IEA-USP).

Daniel Garcia
Bosi, Adorno e Coggiola na homenagem a Gorender

A primeira homenagem partiu do professor Alfredo Bosi, que preparou e leu um texto no qual comenta as principais obras de Gorender, destacando o impacto que tiveram entre a comunidade acadêmica e a intelectualidade marxista.

Outra homenagem coube ao professor Osvaldo Coggiola, que optou por um depoimento pessoal sobre Gorender, a quem conheceu em 1988 e com quem manti­nha uma relação de amizade. O docente assinalou características que considera distintas e marcantes na trajetória intelectual do historiador.

“Nitidez cristalina”

“Meu primeiro encontro com Jacob Gorender não foi com a pessoa, mas com sua obra, ou, mais precisamente, com os originais de um livro que entrou definitivamente para a historiografia brasileira, O escravismo colonial”, revelou o professor Bosi. “Um compacto volume de mais de 600 laudas datilografadas chegou às mãos do Conselho da Editora Ática, enviado por Maurício Tragtenberg graças à mediação de José Granville Ponce. Era por volta de 1977. Coube-me dar parecer sobre a obra”, explicou.

Logo à primeira leitura, acrescentou, “admirei a nitidez cristalina do estilo e ainda mais admirei a riqueza das fontes consultadas e, em grau superlativo, admirei a rigorosa articulação dos conceitos, no caso, a construção de uma tese ousada, que ambicionava nada menos do que acrescentar aos modos de produção conhecidos mais um, o do escravismo colonial”. Bosi apenas citou, sem entrar no mérito, que a obra contesta “as duas teses, entre si antagônicas, que pretendem explicar a nossa formação colonial”: a do feudalismo, “tão cara aos estudiosos ligados ao Partido Comunista”, e a do capitalismo, “então hegemônica em nossa Faculdade”. O livro, publicado em 1978, foi recebido nos meios acadêmicos com polêmicas, “algumas ácidas”.

Só muito depois, explicou Bosi, é que “pude conhecer o homem Jacob Gorender”, um “guerreiro” que enfrentou as “forças terríveis do nazifascismo, como as que teve de enfrentar como soldado voluntário da FEB na Itália (onde participou da tomada de Monte Caste­lo)”, e as que “reprimiram a esquer­da no período final do Estado Novo, quando, em 1942, ele se filiou ao Partido Comunista”. Citou ainda sua expulsão do PCB em 1967, “quando dissentiu da direção arbitrária de Prestes e inclinou-se para a aceitação da luta armada”.

Cecília BAstos
Jacob Gorender

Capturado pelos órgãos de repressão política em 1970, Gorender foi brutalmente torturado. Processado, foi condenado a dois anos de reclusão, cumpridos no Presídio Tiradentes. “Em Combate nas trevas, livro que viria a publicar em 1987, encontramos em detalhe o relato desses anos de chumbo”, sendo este livro “mais do que um balanço escrupuloso das vicissitudes dos grupos armados que combateram a ditadura”, pois, ao lado de uma “admiração profunda por alguns verdadeiros heróis daqueles movimentos malogrados”, “exprime um severo distanciamento do narrador em relação ao projeto de luta armada, desvinculada do movimento operário e da opinião pública de oposição”.

Bosi também fez referência a Marxismo sem Utopia, um livro “corajoso, mas desconcertante para os marxistas ortodoxos”, no qual Gorender “dá ênfase a três princípios, que refuta”: a tese do produtivismo infinito (também criticada, nos anos 1930, por Simone Weil); a do desaparecimento do Estado que se seguiria à ditadura do proletariado; e por fim a confiança incondicional na classe operária como agente da revolução, “refutada por Gorender em termos que provocaram a reação de toda a esquerda ortodoxa: o operário seria ontologicamente reformista”.

Luta armada

Coggiola observou que a morte de Gorender coincidiu com um momento histórico no qual “o movimento popular conseguiu dobrar o governo”, fazendo-o recuar na fixação da tarifa do transporte coletivo, o que “marca talvez uma virada na história do Brasil”. Ele lamentou que Gorender, tendo lutado tanto tempo por uma transformação histórica da sociedade, não estivesse vivo para presenciar essa “circunstância excepcional” da vida brasileira.

O professor de história contemporânea da FFLCH comentou que, sendo “baiano, judeu, intelectual comunista e latino-americano, Gorender conseguiu ser todas essas coisas ao mesmo tempo”. Destacou que para Gorender, filho de emigrantes russos que sofreram na pele os pogroms czaristas, teve gran­de importância a participação na Segunda Guerra Mundial, contra as tropas nazistas. O pai de Gorender chegou a participar da frustrada Revolução de 1905 na Rússia.

Depois de romper com o PCB, Gorender tornou-se um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), pequeno grupo clandestino que defendia a luta armada contra a Ditadura Militar. Sua militância foi cruelmente punida pelo regime: “Ele foi barbaramente torturado. Chegou a me dizer que, no meio da tortura, chegou a desejar a morte”, relatou Coggiola à Congregação.

Além de considerar Combate nas Trevas como “o balanço mais profundo e radical da luta armada dos anos 1960”, Coggiola citou duas outras obras de Gorender que são, a seu ver, de grande importância teórica: A burguesia brasileira e Marcino e Liberatori. Neste último, Gorender é, a seu ver, o primeiro autor a elaborar uma crítica teórica ao neoliberalismo: “Ele sempre pôs o dedo na ferida em todos os debates”, frisou.

“Jacob Gorender teve uma trajetória ímpar na história intelectual do Brasil, à altura de Flores­tan Fernandes”, afirmou Coggiola, destacando a “audácia” do homenageado ao criar a polêmica categoria do escravismo colonial. Ele sugeriu à Congregação da FFLCH que um anfiteatro da unidade receba o nome do historiador.

Nota da Adusp

A Diretoria da Adusp emitiu a seguinte nota sobre a morte do historiador, intitulada “Jacob Gorender, presente!”.

“A Associação dos Docentes da USP vem a público lamentar a morte de Jacob Gorender. Militante comunista desde a década de 1940, soldado das Forças Expedicionárias Brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial, preso político da Ditadura Militar, quando foi torturado, Gorender esteve sempre entre os que lutaram bravamente pela transformação social e política do nosso país.

Jornalista e historiador, estudioso dos problemas políticos e econômicos da sociedade brasileira, de formação erudita apesar de autodidata, Gorender deixou obras originais e marcantes, como O Escravismo Colonial (1978) e Combate nas Trevas (1987). A USP admitiu sua extraordinária contribuição ao torná-lo professor visitante do Instituto de Estudos Avançados, de 1994 a 1996, e ao reconhecer seu notório saber.

Juntamo-nos aos que rendem merecidas homenagens a esse grande intelectual brasileiro. Jacob Gorender, presente!”

 

Informativo nº 366

EXPRESSO ADUSP


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