A greve de 2014 nas universidades estaduais paulistas deu ensejo a uma onda de criatividade na mídia comercial. Articulistas e editorialistas acharam-se no direito de dizer, literalmente, qualquer coisa que lhes viesse à cabeça a propósito da USP ou do movimento grevista. Publicaram-se até mesmo reportagens enviesadas, nas quais se sugeria a cobrança de taxas dos alunos da  universidade, como solução para a fatídica “crise financeira” propalada aos quatro ventos por M.A. Zago.

Hélio Schwartsman, colunista da Folha de S. Paulo, chegou a perpetrar as seguintes considerações: “Eu me esforço, mas não consigo entender a lógica da greve na USP. Quando uma empresa está prestes a falir, com 106% de seu faturamento comprometidos com a folha salarial, empregados não costumam exigir aumentos” (“Crise na USP, 5/9”). O Tribunal Regional do Trabalho, porém, compreendeu a lógica do movimento. Além disso, para intelectuais de boa cepa, este estado de coisas não é um destino inescapável, mas simplesmente um problema a ser resolvido, evitando financiar a operação da universidade via arrocho de salários.

Pois bem: em 27/9, encerrada a greve, o Estado de S. Paulo publicou, com alarde, artigo dos professores Virgílio Afonso da Silva (FD) e Fernando Limongi (FFLCH), intitulado “Trancada pelo Trancaço”, no qual afirmam sem titubear que Sintusp — chamado apenas de “o sindicato dos funcionários”, “autoritário, intolerante e conservador” — e Adusp são corresponsáveis pela crise da USP, tanto quanto a Reitoria.

“A greve tornou-se um fim em si mesmo”, sustentam os autores, talvez por ignorarem as perdas que seus próprios salários viriam a sofrer, caso vingasse o reajuste zero decretado inicialmente pela Reitoria e pelo Conselho de Reitores (Cruesp). “O sindicato dos funcionários comandou a greve, trazendo a reboque o movimento estudantil e, o que é mais preocupante, a associação que representa os professores, a Adusp, que não viu nenhum problema em se dizer parte desse ‘momento histórico’ com o respaldo de assembleias que mal chegaram a reunir uma centena de docentes”.

As entidades, acrescentam Silva e Limongi, repetem “há décadas” os mesmos “lugares-comuns desgastados”, “em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade” ou contra o sucateamento da USP. “Contudo, durante a gestão anterior, esses sindicatos se calaram de forma eloquente. Após fazer greves anuais durante mais de uma década, foram quatro anos de silêncio, justamente durante a gestão que sucateou a universidade e levou a USP ao abismo”.

É estarrecedor que professores titulares de direito e de ciência política arrisquem-se a fazer, peremptoriamente, afirmações tão destituídas de base factual.

“A reboque”?

Em primeiro lugar, a unidade dos sindicatos durante a greve, bem como a solidariedade mútua das categorias, não pode ser confundida com subordinação ou reboquismos de qualquer espécie. Somente quem desconhece as peculiaridades das duas categorias; somente quem não acompanhou a evolução dos acontecimentos que precederam a greve; somente quem jamais leu as mídias da Adusp pode enxergar a entidade “a reboque” de quem quer que seja.

Em março de 2014, dois meses antes da greve, diante das insinuações do reitor, a Adusp já advertia: “Arrocho salarial é inaceitável”. Em agosto de 2013, bem antes de que o então pró-reitor M.A. Zago, em campanha eleitoral, subitamente despertasse para o fato de que as finanças da USP enfrentavam problemas, a entidade sindical publicava a seguinte manchete no Informativo Adusp 368: “Gestão Rodas queima reservas financeiras da USP, sem consultar a comunidade universitária”.

Em segundo lugar, não houve “silêncio” dos sindicatos, mas decidida luta contra a conduta imperial de J.G. Rodas, em especial frente às perseguições a estudantes e funcionários, à demissão ilegal de 271 aposentados em janeiro de 2011, à implantação draconiana da reforma da carreira docente (por intermédio da progressão horizontal), à dispersão geográfica de órgãos e funcionários pela cidade em função da nababesca reforma da Antiga Reitoria (e às irresponsáveis aquisições de imóveis dela decorrentes), à militarização do campus do Butantã, à inação diante dos descalabros ambientais e administrativos cometidos na EACH e a diversas outras questões.

Alheios aos caudalosos conflitos ocorridos entre Adusp e Sintusp, de um lado, e a gestão de J.G. Rodas de outro lado, Silva e Limongi acusam ambas as entidades de omissão interesseira: “Bastou o antigo reitor distribuir agrados, vale alimentação, vale supermercado, e os sindicatos aceitaram tudo passivamente. As palavras de ordem só são retiradas do baú quando interessa ao bolso, não importa a estridência com que sejam bradadas”. Ora, “presos por ter cão, presos por não ter”!

Se os benefícios concedidos pela Reitoria (desde, note-se, a gestão Suely Vilela) diluíram resistências em certos setores das categorias, jamais calaram os sindicatos. Os autores desconhecem o fato, amplamente divulgado, de que o reitor nomeado por José Serra tentou interpelar judicialmente dez diretores da Adusp? Ignoram que ele almejava expulsar a sede da Adusp da Cidade Universitária? Desconhecem que procurou exonerar diretores do Sintusp?

Por outro lado, é absoluta inverdade que tenham ocorrido “greves anuais durante mais de uma década”, como escrevem os autores. Em especial no caso da Adusp, a entidade protagonizou greves em 2000 e 2004, em ambos os casos para derrotar a pretensão do Cruesp de reajuste zero (“ontem, como hoje”); depois, apenas em 2007, contra os decretos do governador José Serra que feriam a autonomia das universidades estaduais; e em 2009, novamente porque o Cruesp, de modo unilateral, suspendeu as negociações da data-base.

Ah, esses sindicatos!

Admirável não é que o Estadão tenha publicado tal artigo, mas que a Folha, seu maior concorrente, tenha encampado, em editorial, as perorações dos seus autores. Eis que na edição de 2/10, sob o título “Repartição universitária”, a Folha não apenas endossa as alegações de Silva e Limongi, mas as extrapola, vaticinando um fim trágico para a universidade, fadada, se mantidas as atuais circunstâncias, à mera condição de “escolão gratuito”, à qual estaria sendo conduzida por uma espécie de iceberg cujo topo, a crise, corresponderia à insólita combinação, na base, de descaso gerencial e egoísmo laboral.

“A USP se acha diante de uma alternativa existencial: ou seus professores e pesquisadores retomam o controle da missão acadêmica, ou ela resvalará de maneira lenta e certa para a condição de escolão gratuito. Uma repartição pública entre outras, irrelevante para a ciência e o futuro do país”, pontifica o jornal da família Frias, para emendar com cômica sapiência: “A crise financeira por que passa a principal instituição brasileira de ensino superior é a fração visível de uma geleira cuja parte submersa — irresponsabilidade administrativa e corporativismo sindical — ocupou quase todo o espaço do pensamento crítico e inovador. Mas ainda há vida nesse oceano de mediocridade e omissão”. A “prova” (sic) de que há “vida” (inteligente, faltou dizer!) em tal “oceano de mediocridade e omissão” seria exatamente o artigo em questão. Não consta que a Reitoria tenha saído em defesa da USP para contestar tamanha grosseria da Folha.

Ora, prova mesmo de que há vida inteligente em tal “oceano de mediocridade e omissão” é que o Cruesp percebeu a racionalidade das propostas dos sindicatos, encampando antiga reivindicação destes ao governo estadual de ampliação do financiamento das universidades públicas estaduais. Ele acaba de pedir 9,907% da Quota-Parte Estadual do ICMS ao invés dos 9,57% atuais, e que sejam calculados sobre o total da arrecadação, sem os descontos atuais, como insistentemente defendido pela Adusp ao longo da campanha salarial.

O episódio deixa evidente que a mídia de massa não se conformou com a vitória do movimento de greve em 2014. Seguirá abrindo generoso espaço ao discurso neoliberal e às visões conservadoras, ainda que não guardem compromisso algum com a realidade.

Informativo nº 391

EXPRESSO ADUSP


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