Denúncia
M.A. Zago acena à esquerda, mas seu discurso exalta empresários, “construtores da sociedade”
Reitoria pediu parecer à PG e CLR antes de submeter ao Co proposta de reinclusão da imagem de Hélio Lourenço na galeria de ex-reitores
Um dos primeiros assuntos tratados na longa reunião do Conselho Universitário (Co) de 4/10 foi a “proposta de reconhecimento do papel do vice-reitor Hélio Lourenço de Oliveira em defesa da autonomia universitária”, encaminhada pela Comissão da Verdade (CV-USP) e cuja única consequência prática foi a reinclusão da fotografia do professor na galeria de ex-reitores da universidade.
Hélio Lourenço, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), que assumiu o cargo de reitor, em caráter interino porém efetivo, em outubro de 1968 (quando Gama e Silva, então à frente da Reitoria, tornou-se ministro da Justiça), foi destituído de suas funções e compulsoriamente aposentado pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5), em abril de 1969.
O reitor M.A. Zago elogiou a figura de Hélio Lourenço e criticou o regime militar (incorrendo em gafe ao mencionar que se tratou de um “período negro na vida do país e da universidade”), atendendo o pedido sem, contudo, propor qualquer alteração digna de nota no tocante às normas que a USP herdou daquele período — como o Regimento Disciplinar de 1972, reproduzido no Regimento Geral de 1988 e em pleno vigor.
A proposta da CV-USP de reentronizar Lourenço na galeria de ex-reitores somente foi submetida ao Co depois de receber parecer da Procuradoria Geral (PG) que declarou a inexistência de “óbices jurídicos” à deliberação desse colegiado sobre o assunto e após aprovação pela Comissão de Legislação e Recursos (CLR). No Co, recebeu 100 votos favoráveis e nenhum contrário, com duas abstenções.
Como havia ocorrido na reunião anterior do Co, em 4/10 novamente o reitor voltou a fazer acenos à esquerda, ao emitir juízos de condenação da Ditadura Militar. Porém, desta vez essas considerações feitas no início da reunião contrastaram com o discurso de cunho programático lido por M.A. Zago no tempo reservado às comunicações do reitor, no qual alinhou-se explicitamente aos valores da livre-empresa, do mercado e do empreendedorismo.
Parceria
O eixo do seu pronunciamento apoiou-se nas premissas de que a Reitoria goza de “apoio maciço” da universidade e de que a USP “tem que ampliar suas relações com os diferentes setores da sociedade”. Embora tenha dado ênfase à necessidade de buscar diferentes setores sociais e diversificar as fontes de financiamento (ou seja: abrindo caminho à captação de recursos privados), M.A. Zago limitou-se a citar a parceria ensaiada com um grupo de empresários, constituído por ex-alunos da USP.
No esforço para descrever de maneira convincente a amplitude dos contatos realizados, o reitor assegurou que os dirigentes da USP têm se encontrado até mesmo com “príncipes”, “favelados”, “prelados” e “artistas”: “Reitor, vice-reitor, pró-reitores temos nos reunido e debatido questões conceituais e práticas da vida acadêmica e da gestão universitária com governadores, ministros, senadores, deputados estaduais e federais, membros do Judiciário, prefeitos, vereadores, federações de setores da economia, diretores de órgãos de pesquisa, de ciência, de tecnologia, reitores de universidades, embaixadores, membros dos movimentos sociais, empresários, diretores de empresas públicas e empresas privadas, nacionais ou multinacionais, reis, príncipes, presidentes de república, favelados, prelados, militares e artistas”.
Emendou com o anúncio de que, na semana anterior à reunião do Co, presidiu, em Santiago de Compostela (Espanha), “uma reunião internacional com mais de 3 mil participantes, entre empreendedores, estudantes, investidores, reitores, artistas, esportistas, ministros de Estado e governantes”, cujo objetivo era “a promoção do conceito de Universidade Empreendedora”.
Acrescentou que, com relação “à meta de estreitar relações com ex-alunos da universidade”, foram iniciados recentemente “dois programas voltados para o conjunto da USP”, sendo o primeiro deles “a criação de um escritório para incentivar o contato dos nossos ex-alunos”, denominado USP Alumni, o qual no entanto não tem existência oficial, e o segundo “o programa denominado USP do Futuro”.
M.A. Zago elogiou os ex-alunos que são “empresários bem sucedidos”, aos quais descreveu como “construtores da sociedade” e dispostos a “ajudar” a USP até mesmo financeiramente: “Seria interessante ouvi-los? Por que não? São pessoas formadas pela nossa universidade e que alcançaram sucesso na sociedade, por meio de atividades altamente construtivas. São construtores da sociedade. São exemplos que queremos ver repetidos entre nossos alunos graduados. Garantem a criação e manutenção de milhares de empregos”.
Pendência
Um assunto que não figurava na pauta terminou por causar aceso debate no Co, quando o reitor referiu-se a uma questão pendente da reunião de 12/7: um destaque na resolução, aprovada naquela oportunidade, que impôs votação eletrônica na eleição de representantes discentes (RD), destaque esse relativo à composição da comissão paritária que acompanhará o processo.
A redação proposta pela Reitoria para o Artigo 222 do Regimento Geral causou protestos imediatos da representação discente, pois, embora o §3º estipulasse a formação de uma comissão paritária, o §4º atribuía exclusivamente ao reitor a nomeação da comissão incumbida das eleições de RD no Co e conselhos centrais, e o §5º exclusivamente aos diretores de unidades a nomeação das comissões encarregadas das eleições de RD de congregações e outros colegiados.
Após ponderações feitas por vários conselheiros, o reitor aceitou que, na comissão eleitoral de dez membros, os cinco discentes sejam indicados pelos RD no Co. Nas unidades as comissões análogas terão seis membros.
PIDV&Nakao
Foram apresentados na reunião, pelo novo coordenador da Administração Geral, Marcelo Dottori, os números oficiais da segunda edição do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV): serão atendidos 397 funcionários, dos quais 160 de nível básico, 132 de nível técnico e 105 de nível superior. A segunda edição consumirá R$ 118 milhões. Laboratórios e bibliotecas figuram entre os equipamentos mais prejudicados pelo programa.
Numa intervenção posterior à apresentação da Codage, o professor Marcos Magalhães, representante da Congregação do IME, pediu explicações sobre as dúvidas suscitadas pela aposentadoria como funcionário, no primeiro PIDV, do professor Osvaldo Nakao, atual prefeito do campus. O vice-reitor V. Agopyan explicou que Nakao acumulava dois cargos, de professor e de funcionário, e que tal acumulação é “permitida para todo mundo”.
Ainda conforme o vice-reitor: “Ele exerceu o direito de se aposentar como funcionário, respeitando todas as regras. Recebeu a quantia compatível com o seu salário como engenheiro. Só que ele continua como docente”. V. Agopyan negou enfaticamente que Nakao tenha trabalhado na Coordenadoria de Administração Geral (Codage) ou que, de algum modo, tenha influenciado a formulação do PIDV de modo a se beneficiar com o programa.
COP & déficit
O presidente da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP), professor Adalberto Fischmann, apresentou ao Co nova revisão orçamentária, segundo a qual a USP deverá receber do Tesouro estadual R$ 360 milhões a menos do que o previsto, e encerrará 2016 com deficit de quase R$ 660 milhões.
O Co ainda aprovou título de professor emérito para o ex-reitor José Goldemberg, responsável pela publicação da “lista dos improdutivos” em 1988, e ouviu explanação da coordenadora do escritório USP Mulheres, a professora e ex-senadora Eva Blay, contra a cultura do machismo existente na universidade.
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