Congregação da ECA homologa resultado de concurso para Titular e professora preterida interpõe recurso

Marilda de Lara denuncia “ilegalidades insanáveis” e pede anulação. O vencedor foi Eugênio Bucci, superintendente de Comunicação da USP

A professora Marilda Lopes Ginez de Lara, do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes (CBD-ECA), protocolou no dia 13/7 um recurso contra a homologação pela Congregação, na reunião de 28/6, do resultado de concurso para Professor Titular na área de Informação e Cultura, vencido pelo professor Eugênio Bucci, que lecionava no Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE-ECA). Caso o recurso seja denegado pela Congregação, será encaminhado ao Conselho Universitário.

arquivo pessoal Daniel Garcia
Professora Marilda de Lara Professor Eugenio Bucci

No concurso, realizado nos dias 5 e 6/6, Bucci, que é superintendente de Comunicação da USP, recebeu a indicação de dois professores do CBD: Martin Grossmann e Waldomiro de Castro Vergueiro, e de um professor da UnB: Emir José Suaiden. A professora Marilda obteve a maior nota média do concurso, mas só foi indicada pelas professoras Henriette Ferreira Gomes (UFBA) e Vera Dodebei (Unirio). Confira aqui a reportagem anterior do Informativo Adusp.

Antes de ser homologado, o resultado já havia sido contestado por estudantes de Biblioteconomia, única graduação oferecida pelo CBD, assim como por professores da área da Ciência da Informação da USP e de outras universidades. “Tal escolha pareceu-me contraditória com toda uma trajetória construída [pelo CBD], pois pode revelar uma perda de foco acadêmico, o que, ao longo do tempo, pode ter efeitos nos rumos da graduação, da pós-graduação e da pesquisa ali realizada”, avalia, por exemplo, o professor titular José Augusto Guimarães, do Departamento de Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp.

O recurso protocolado pela professora Marilda aponta irregularidades que teriam marcado todo o processo do concurso: para ela, trata-se de “certame maculado por ilegalidades insanáveis”. Um de seus argumentos é que o edital do concurso nº 19/2016/ECA, publicado no Diário Oficial do Estado de 13/7/2016, p.164, prevê que o memorial para Professor Titular será avaliado de acordo com os critérios estipulados pela Portaria 55/2015 da ECA — e o professor Bucci não cumpriu os requisitos estipulados por essa Portaria, principalmente o artigo 9º.

De acordo com esse artigo, “são características relevantes que devem ser observadas pela banca, e que se espera do candidato”, “ter obtido o título de livre-docente há pelo menos cinco anos” e, ainda, “ter ao menos dez anos de trabalho em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa [RDIDP]”. O professor recebeu o título de livre-docente em 2014 e só ingressou no RDIDP em 2015, ou seja, não está sequer em exercício permanente do regime de trabalho porque ainda está sob o período de experimentação de seis anos.

Por outro lado, o professor Waldomiro Vergueiro, membro da Comissão Julgadora do concurso e um dos que indicaram Bucci, minimiza a Portaria 55/2015: “O critério que conta é o do Regimento da USP, uma circular não pode estar acima de um Regimento. E um [critério] compensa o outro: o professor não tinha cinco anos de livre-docência, mas tinha outros elementos que compensavam esse”, declarou Vergueiro ao Informativo Adusp.

Para a professora Marilda, este argumento não é defensável pois o próprio Regimento Geral da USP, no artigo 125, e o Regimento da ECA, no artigo 34, estabelecem que os concursos far-se-ão nos termos dos respectivos editais, e a Portaria 55/2015 é parte integrante do próprio edital. “Mesmo que se pudesse relativizar tais critérios, o professor jamais poderia ter recebido nota máxima na prova de títulos, uma vez que não reúne duas características relevantes e objetivas entre as seis arroladas no referido artigo”.

Aqui, cabe uma explicação importante: as Portarias da ECA de número 54 e 55/2015 possuem idêntico teor, salvo por algum detalhe que não foi possível identificar. Algumas manifestações a propósito do caso mencionam a Portaria 54. No entanto, consultada, a Assistência Acadêmica da unidade assegurou ao Informativo Adusp que a Portaria válida é a 55.

Prova oral

O recurso também diz que, durante a prova oral de erudição (item 5, inciso II do edital do concurso), Bucci fez uso de transparências previamente preparadas, o que é proibido pelo edital e pelo Artigo 41 do Regimento da ECA (“vedada a leitura de texto previamente elaborado”). Quanto a isso, o professor Vergueiro limitou-se a afirmar que “nenhum dos materiais apresentados tinha sido visto antes”.

Chama a atenção ainda no caso, por inusual, o fato de que o relatório final da Comissão Julgadora não tece considerações do conjunto da banca sobre o desempenho de todos os candidatos, como seria de se esperar. Apenas em relação ao terceiro candidato, professor Pedro Côrtes, há um comentário unificado de todos os membros da banca. No tocante aos desempenhos de Bucci e de Marilda as considerações são feitas separadamente: dos professores que indicaram Bucci vencedor, sobre ele; e das professoras que indicaram Marilda vencedora, a respeito dela. Sobressai, no entanto, a manifestação mais detalhada e circunstanciada que dá suporte às indicações em favor de Marilda — que esteve à frente da criação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, cuja área de concentração é “Cultura e Informação”; foi sua coordenadora de 2006 a 2008; e responde pela disciplina obrigatória “Informação e Cultura” desde 2009.

“A banca cumpriu o Regimento da ECA”, comentou, a pedido do Informativo Adusp, a professora Vera Dodebei, que também participou da Comissão Julgadora e indicou Marilda. “Três professores indicaram um mesmo candidato, e os outros dois indicaram outro candidato. Segundo o Regimento, nada mais há a questionar. No meu entender, o Regimento precisa ser revisto: ou há indicação por maioria, ou há atribuição de notas”.

Não conseguimos contato com a professora Henriette Gomes. No entanto, em mensagem postada em rede social no dia 10/6, a docente referiu-se de maneira crítica ao concurso, embora sem citar nomes. A seu ver, “não se pode negligenciar ou desconsiderar a necessária coerência do processo seletivo em relação à missão do departamento detentor da vaga em questão”, pois “ainda que o tema do concurso seja genérico, ou um tema de interesse circunstancial do departamento, o cargo a ser assumido deverá estar vinculado aos cursos por ele ofertados”. Assim, arrematou ela, “se um departamento oferta um único curso de graduação e cursos de mestrado e doutorado em uma única área do conhecimento, o(s) candidato(s) aprovado(s) deve(m), por coerência, estar vinculados ao domínio do conhecimento focalizado por esses cursos”.

O recurso interposto pela professora Marilda menciona, a propósito, manifestação lida na reunião de 28/6 da Congregação pelo professor Eduardo Vicente, vice-presidente da Comissão de Pós-Graduação (CPG-ECA). Nela, a CPG-ECA expressou “seu profundo desconforto com o resultado do recente concurso para Titular do CBD”, e disse esperar “que os concursos de Titular tragam em seus resultados a coerência entre trajetórias acadêmicas e capital científico dos candidatos, de acordo com as áreas de conhecimento determinadas nos departamentos de origem das vagas e com os critérios/recomendações de distribuição de vagas para Titulares da unidade”. “Foi justamente esta falta de coerência, na avaliação deste colegiado, o marco negativo do referido concurso. A despeito de reconhecermos a legalidade do processo do concurso, o desprestígio ao capital científico de candidatos da área de Ciência da Informação ficou patente”.

Outro documento, lido na mesma data na Congregação pelo professor Eneus Trindade Barreto Filho, representante dos Professores Associados, foi assinado por 15 docentes de diferentes departamentos da ECA, os quais, além de manifestar “estranheza” com o resultado do concurso no CBD, solicitam que a Congregação se manifeste “sobre a real dimensão dos critérios previstos na Portaria 54 [55] da ECA, de 15/12/2015, aprovada por esta Congregação, e que institui critérios para avaliação do memorial em concursos de livre-docência e em concursos para provimento de cargo de Professor Titular, especialmente o artigo 9o, que trata das ‘características relevantes que devem (grifo nosso) ser observadas pela banca, e que se espera dos candidatos para a aprovação no cargo de Professor Titular’”.

Controvérsias

Outra motivação para o recurso da professora Marilda foi a “controversa homologação do indicado Relatório Final”, realizada na reunião de 28/6 da Congregação. Isso porque “a votação deste tópico viu-se reiniciada sucessivamente, ao final, confusamente, registrando-se o seguinte resultado: 10 abstenções, 10 votos a favor, 2 votos contrários”. Devido à confusão, expressa no grande número de abstenções, o recurso afirma que os membros da Congregação pediram que fosse realizada uma consulta à Procuradoria Geral da USP (PG) sobre a relevância ou não dos critérios apresentados na Portaria 55/2015, conforme enfatizado no manifesto dos docentes da ECA. Porém, assinala o recurso, o presidente da Congregação e diretor da unidade, professor Eduardo Monteiro, encaminhou à PG uma consulta exclusivamente em relação ao quórum necessário para se aprovar a homologação, um “conteúdo totalmente diverso ao que aqueles membros pretendiam”.

Questionado a respeito pelo Informativo Adusp, o professor Monteiro nega que a Congregação tenha aprovado a consulta nos termos apresentados no recurso: “A presidência do colegiado, por duas vezes, perguntou à Congregação da ECA se os presentes teriam alguma questão a levantar sobre a legalidade dos procedimentos administrativos realizados durante esse concurso. Nas duas ocasiões, não houve nenhuma manifestação a esse respeito. Que fique claro que também não ocorreu nenhuma deliberação de encaminhamento de consulta à Procuradoria Geral sobre a Portaria 54 [55] da ECA, de 15/12/2015. Foi sim proposta, e realizada, uma discussão/reflexão sobre o documento e sua aplicação”. Monteiro disse ainda “lastimar a leviandade e maledicência das acusações e o tom persecutório que se instalaram em torno desse concurso”.

Segundo o professor Eneus Barreto Filho, a consulta cogitada por membros da Congregação “não era sobre o concurso em si, era sobre [o quórum necessário para] a homologação”. “As manifestações foram em função do caráter moral do concurso, não do caráter legal”, disse Eneus ao Informativo Adusp. Porém, segundo outros participantes da reunião, ainda que tivesse assegurado no início dos trabalhos que não havia nenhum aspecto de legalidade a ser questionado no concurso do CBD, o diretor da ECA reconheceu que havia dúvidas de alguns dos presentes quanto à autonomia da banca em desconsiderar a Portaria 55 na avaliação do memorial, uma vez que tal Portaria é parte integrante do edital.

Áudio negado

Disposta a provar suas afirmações quanto ao ocorrido na reunião de 28/6, a professora Marilda requisitou ao diretor da unidade, em 5/7, com base na Lei de Acesso à Informação-LAI (lei 12.527, de 18/11/2011), o acesso ao áudio da reunião, a fim de anexá-lo ao recurso a ser apresentado à própria Congregação. Em vez de ceder a gravação, Monteiro preferiu consultar a PG sobre o pedido da professora.

Posteriormente, em documento datado de 13/7, o diretor da ECA transcreveu o teor do que chamou de “resposta” da PG, segundo a qual esse órgão “já se manifestou em casos análogos (pareceres anexos) fixando entendimento de que o documento público oficial, a permitir o direito de acesso perseguido pela interessada, identifica-se com a Ata da reunião em comento […] não se confundindo com gravações ou quaisquer outros meios que venham subsidiar a realização das sessões dos colegiados da universidade”.

Assim, Monteiro concluiu seu ofício de 13/7 à professora afirmando que “com base na orientação da PG a solicitação está denegada”. Questionado pelo Informativo Adusp quanto à recusa, o diretor não respondeu, limitando-se a reenviar o ofício citado, que contém apenas os pareceres da PG relativos a um “caso análogo” ocorrido em 2010 na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP).

Ao constatar, pela leitura dos documentos enviados, indícios de que a PG não emitiu um parecer específico, a reportagem solicitou, então, ao diretor da ECA que remetesse ao Informativo Adusp a documentação completa. “Não entendo seu questionamento. Há alguma dúvida quanto à acuidade das informações fornecidas?”, respondeu Monteiro. “Para que não haja nenhuma ambiguidade em sua compreensão, segue a troca de e-mails entre a Assistente Acadêmica da ECA (em substituição) e a Procuradoria Geral (área acadêmica)”.

A troca de mensagens eletrônicas entre a unidade e a PG evidencia, contudo, que a Procuradoria não emitiu um documento sobre o pedido em questão. A resposta da PG limitou-se, de fato, exclusivamente ao e-mail que a procuradora Cristina Melhado enviou à assistente acadêmica da ECA, na qual cita os processos referentes a cinco “casos análogos”.

PG ignora LAI

A questão não é trivial: a LAI, na qual Marilda amparou seu pedido, é posterior a tais pareceres da PG que fundamentariam a negativa do pedido da professora. Embora a Constituição Federal de 1988 já previsse que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, a LAI, que regulamentou este dispositivo, traz previsões balizadoras do exercício deste direito, frente às quais caberia à PG rever seu posicionamento.

Consultado, o Departamento Jurídico da Adusp considera que “não encontra amparo na lei a proibição imposta” pelo diretor, já que o áudio em questão, ao contrário do que alegam os pareceres invocados pela PG, não é documento “extra-oficial”, que tem a exclusiva função de auxiliar na produção da ata. “Havendo sido produzido pela Administração Pública, é documento público. Somente pode ser negado seu acesso em caso de sigilo quanto à integralidade do seu conteúdo, porque ainda que fosse apenas de partes do mesmo, essas haveriam de ser suprimidas (apresentada a respectiva justificativa para tanto), e fornecidos os trechos não sigilosos. O absurdo torna-se ainda maior porque a requerente é diretamente interessada em acessar este documento”.

O e-mail enviado em 5/7 pela Assistência Acadêmica à PG, a pedido da direção da ECA, encaminhando o pedido da professora Marilda e solicitando “orientações de como proceder”, sugere igualmente a existência de contatos anteriores entre a unidade e a Procuradoria a propósito do concurso no Departamento de Informação e Cultura: “Solicitamos o encaminhamento deste e-mail à Dra. Adriana Fegali que está acompanhando os desdobramentos do Concurso de Titular na ECA”.

Hierarquia

No entender do professor Rodrigo Ricupero, presidente da Adusp, não é incomum que resultados de concursos para cargos de Professor Titular estejam sujeitos a critérios subjetivos e suscitem questionamentos. Para ele, contribuem para essa realidade tanto a estrutura de poder da universidade — que vincula as principais posições da hierarquia administrativa aos Professores Titulares, privativamente — como o fato de a carreira na USP não ser aberta no topo, fazendo com que nem todos que tenham mérito possam chegar ao nível de Professor Titular.

“Há muito a Adusp defende a desvinculação entre a estrutura de poder e a carreira, bastando para isso a aprovação de mudanças estatutárias que permitam aos Professores Doutores exercer quaisquer cargos da administração, e que a carreira seja aberta no topo, de modo a que todos que sejam aprovados possam chegar a Titular, o que sem dúvida evitaria que motivos não acadêmicos interferissem em certos casos nas escolhas de bancas e resultados de concursos”, declarou o professor Ricupero.

A seu ver, o concurso realizado no CBD-ECA contempla muitos indícios que remetem a esse tipo de situação: “Vence o concurso um professor que não tem trajetória na área do certame, a de Biblioteconomia-Ciência da Informação, que não atende aos requisitos de uma portaria da unidade prevista no edital e que tem vínculos significativos com a estrutura de poder da atual gestão da Reitoria: é representante suplente da Congregação no Conselho Universitário, atual superintendente de Comunicação Social por escolha do reitor e cônjuge da superintendente jurídica da USP também nomeada pelo reitor”.

Nesse contexto, conclui o presidente da Adusp, “não temos dúvidas que o recurso apresentado pela candidata preterida tem fundamento e que é preciso reformar a estrutura de poder e o acesso ao topo da carreira para democratizar a USP”.

EXPRESSO ADUSP


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