M.A. Zago ratificou parecer exorbitante da CERT e retirou do RDIDP um docente da História reconhecido por sua dedicação e engajamento institucional
Daniel Garcia
Professor Maurício Cardoso

Responsável por disciplinas fundamentais da graduação e ex-chefe do Departamento, Maurício Cardoso recebeu apoio da Congregação da FFLCH em 22/3/18 e acaba de solicitar ao reitor Agopyan que o reinclua no Regime de Dedicação Integral

Em nova investida punitiva contra a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), os burocratas da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT) decidiram cortar a jornada e o salário do professor Maurício Cardoso, ex-chefe do Departamento de História (2013-2014) e responsável por importantes disciplinas da graduação. É mais um episódio revelador do autoritarismo da CERT, estribado na agenda do produtivismo acadêmico e implementado por meio de pareceres medíocres.

Insatisfeito com o relatório apresentado por Cardoso para fins de avaliação do seu estágio probatório, referente ao biênio 2013-2014, o presidente da CERT, Osvaldo Novais de Oliveira Jr., recomendou ao então reitor Marco Antonio Zago, em 4/9/2017, que o docente fosse “desligado” do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) e vinculado ao Regime de Turno Completo (RTC), correspondente a apenas 24 horas semanais e com salário 50% menor. No apagar das luzes de sua gestão, em 24/1/2018, Zago decidiu “acompanhar” a deliberação da CERT, coroando assim mais um episódio vergonhoso de sua gestão.

O reitor em fim de mandato encaminhou o assunto à FFLCH para dar “ciência ao interessado” e, depois, ao Departamento de Recursos Humanos para as “medidas pertinentes”. Caso encerrado? Definitivamente, não! O escandaloso rebaixamento salarial do professor Cardoso provocou grande indignação. Basta ler o processo para constatar que ele cumpria plenamente com suas obrigações acadêmicas, tanto é que o entendimento da CERT choca-se com as reiteradas, cristalinas declarações da direção da FFLCH, e de outros docentes em cargos de chefia e coordenação, acerca da sua importância para a unidade.

O professor apresentou ao reitor Vahan Agopyan, em 22/3, um pedido de reconsideração da decisão tomada por Zago, acompanhado de memorial no qual retoma os argumentos já apresentados à CERT no relatório rejeitado e no pedido de reconsideração submetido à própria comissão em maio de 2017. Nessa mesma data a Congregação da FFLCH ratificou manifestação unânime do Departamento de História em apoio à solicitação de Cardoso.

Mas o que terá levado a CERT a punir um docente que, tendo ingressado na USP por concurso público em 2008, preenchendo o cargo de Professor Doutor (MS-3) em RDIDP, em poucos anos recebeu a incumbência de exercer cargos de coordenação e chefia, desempenhando-os a contento, participou de diversas comissões, lecionou disciplinas obrigatórias em turmas numerosas e ainda desenvolveu atividades de pesquisa e de extensão?

Forte envolvimento com a docência

Quando aprovado no concurso, antes mesmo de nomeado, a então chefe do Departamento de História, professora Maria Helena Capelato, designou as tarefas do professor Cardoso: “encarregar-se de disciplinas e seminários, de preferência de ‘Ensino de História: Teoria e Prática’, para turmas que lhe forem determinadas no curso de graduação”, e “encarregar-se de disciplinas na área de Teoria e Metodologia que forem prescritas”. Pelos dez anos seguintes, o forte envolvimento com a docência, que lhe granjeou a estima de colegas e alunos, tornou-se uma das principais marcas do seu trabalho na USP.

O primeiro relatório bienal de Cardoso, que deveria ter sido encaminhado à CERT em julho de 2010, só foi apresentado em 12/8/2011. Internamente à unidade, o documento recebera parecer favorável da professora Antonia Terra Fernandes, para quem, numa apreciação geral das atividades realizadas pelo professor no biênio 2008-2010, “é possível afirmar que ocorreu um efetivo engajamento institucional do docente e sua efetiva dedicação aos projetos do Departamento de História”, e fora homologado pelo Conselho Departamental e, ad referendum, pelo CTA. Este relatório foi aprovado pela CERT, que definiu a data de 4/7/2012 para a entrega do relatório seguinte (Parecer 2.322, de 12/9/2011).

Cardoso, porém, diante da sobrecarga de atividades que hoje atinge toda a categoria e em especial os recém ingressos, atrasou a entrega do segundo relatório. E, em novembro de 2012, foi eleito chefe do Departamento de História, assumindo o pesado encargo de dirigir um grupo de mais de 60 docentes e responder por mais de 1.300 alunos. Em 21/2/2013, a CERT oficiou ao então diretor da FFLCH, professor Sérgio Adorno, para que tomasse providências “junto ao professor Maurício Cardoso, no sentido de encaminhar a esta Comissão até 30/4/2013 relatório circunstanciado e documentado das atividades didáticas e de pesquisa desenvolvidas no RDIDP”, devidamente aprovado pelos colegiados competentes.

Em 16/10/2013, Cardoso enviou documento à CERT, solicitando que a entrega do segundo relatório pudesse ocorrer após o dia 16/11/2013, “quando teremos reunião do Conselho Departamental, responsável pela aprovação do referido relatório”. De acordo com ele, “o atraso na elaboração do relatório — atraso evidentemente longo e, portanto, inconveniente e constrangedor — foi resultado de uma série de compromissos que assumi na vida acadêmica e que tem me impedido de redigir um relatório consolidado e circunstanciado, à altura dessa universidade e do meu compromisso com o serviço público”.

Ele explica, então, que desde seu ingresso no Departamento assumiu diversos “cargos administrativos e de trabalho coletivo acadêmico”, tais como a vice-diretoria do Centro de Pesquisa em História (CAPH, até 2010), o Conselho da Revista de História (até 2012), a Comissão de Criação do Curso de História em Itu, a Comissão de Reforma Curricular, a chefia do Departamento (que implica participar de outros colegiados, como a Comissão de Finanças e a Congregação da FFLCH) etc.

Ainda no documento, o professor Cardoso esclarece que, apesar de tais obrigações, “mantive um compromisso rigoroso com as disciplinas obrigatórias e optativas da graduação, tendo um número elevado de alunos, sempre superior a 70 por turma”; participou de dois programas de pós-graduação (História Social e Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades); orientou nove mestrandos; integrou bancas (qualificação, mestrado e doutorado); e formulou um projeto para o Programa de Apoio à Escola Fundamental mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Desse modo, conclui, “solicito a essa Comissão que compreenda que o atraso na elaboração e envio do relatório não é por descaso, nem falta de responsabilidade, mas por excesso de participação nas atividades acadêmicas”, e reitera seu pedido de prorrogação do prazo de entrega para 16/11/2013.

Ao que parece, a argumentação consistente sensibilizou a CERT, que em gesto inusual aceita, compreensivamente, a solicitação de Cardoso (Parecer 2.725, de 7/11/2013). Neste ínterim, a CCAD aprova a promoção do docente a Professor Doutor 2, no processo de “progressão horizontal”.

Formação de professores de História, “área fundamental”

Novamente, porém, o então chefe do Departamento de História atrasa a entrega do relatório referente ao biênio 2011-2012, que só é encaminhado à CERT, pelo diretor Sérgio Adorno, em 7/5/2014. O Conselho Departamental referendou o parecer favorável, de autoria do professor Rodrigo Ricupero, então coordenador do Programa de Pós-Graduação em História Econômica. Tal parecer merece ser lido com atenção, porque ele oferece subsídios que a CERT, ao avaliar o relatório, fará questão de ignorar.

“O professor tem ministrado disciplinas obrigatórias no curso de licenciatura em História, centrando seu trabalho numa área fundamental, embora nem sempre valorizada, que é a formação de professores de História”, frisou Ricupero. Nesse sentido, prosseguiu, a oferta da disciplina “Ensino de História: Teoria e Prática” busca “refletir sobre o estado do ensino de História no Brasil, especialmente sobre o trabalho em sala de aula, a chamada prática do ensino”, mas também sobre o método de trabalho dos profissionais da educação e sobre os materiais didáticos utilizados. “Deve ser ressaltado que, para além das atividades comuns às demais disciplinas deste curso, o professor tem ainda o pesado encargo de acompanhar a realização do estágio supervisionado (100 horas) dos alunos em instituições de ensino. Pode-se imaginar o peso de tal tarefa levando em conta ainda que as seis turmas (2 no segundo semestre de 2010, 2 no primeiro de 2011 e 2 no primeiro de 2012) oferecidas da disciplina no período contaram com mais de 460 alunos!!!”

Ainda no quesito docência, o parecer interno fornece outras apreciações dignas de nota. Vejamos: “Além das seis turmas da disciplina obrigatória, o professor Maurício ofereceu ainda no segundo semestre de 2011 a disciplina optativa ‘História da Cultura’, na qual uniu suas preocupações com a formação de professores aos seus próprios temas de pesquisa. Tratando assim, nessa disciplina, das questões ligadas às fontes audiovisuais, tanto no que toca diretamente ao trabalho do historiador, como no que toca ao trabalho do professor em sala de aula”. Mais ainda: “No campo do ensino, mas diretamente ligado à pesquisa desenvolvida pelos alunos no que chamamos comumente de Iniciação Científica […] ofereceu a disciplina ‘Introdução à Pesquisa em História I’ (2 vezes) e ‘Introdução à Pesquisa em História II’ (2 vezes), permitindo que os alunos pudessem aproveitar tais pesquisas para obtenção de créditos”.

A partir daí, o parecer interno trata de outras frentes de atuação. Comenta a participação do professor em diferentes projetos e atividades de pesquisa, entre estas o “Seminário de Estudo: Marxismo e Cultura, envolvendo 20 alunos de graduação e pós-graduação, com frequência quinzenal, a partir de maio de 2010 até o presente”. Informa que na pós-graduação, no programa de História Social da FFLCH, o professor vinha orientando “seis alunos de mestrado (dentre os quais dois já defenderam suas dissertações em 2013), inclusive com um deles obtendo bolsa da Fapesp”, e que na Iniciação Científica orientou seis alunos.

Mais: assinala que o docente “desenvolveu também um importante trabalho de extensão universitária, atividade em que poucos professores costumam se envolver, como oficinas, cursos, palestras e debates”, e aponta sua participação em relevantes projetos nessa área, a saber: “Formação de professores e produção de materiais didáticos de História”, voltado para professores das redes pública e privada de educação básica, em 2010/2011, organizado pelo Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad-FFLCH), e “Ensino de História, hipermídia e múltiplas linguagens”, realizado por alunos de graduação, em 2009/2011.

Registra, ainda, a participação de Cardoso em evento no exterior — a “Journée d’etudes: Histoire(s) du Cinema Brésilien”, na Maison de l’Amérique Latine, em Paris, em junho de 2012 — e em bancas, bem como o fato de que emitiu pareceres para agências de fomento e revistas especializadas. Por fim, considera “significativa a produção intelectual” do professor no período em questão: quatro capítulos de livros publicados, mais um no prelo; dois artigos em periódicos; e 14 artigos de divulgação.

Convincente? Não para a CERT. De posse do relatório bienal, a comissão, agora presidida pelo inefável professor Luiz Nunes de Oliveira, principia a mostrar a que veio — pela primeira vez nesse caso. Põe sob suspeita o parecer do professor Ricupero, e exige “indicadores de qualidade” que ela mesma não explicita quais seriam: “O documento [o relatório de Cardoso] foi analisado pelo professor Rodrigo Ricupero, do mesmo departamento, que contabiliza a atividade do interessado sem, entretanto, avaliar a qualidade do seu trabalho. A respeito desta não se encontram indicadores, nem no próprio relatório, nem no currículo Lattes incluído nos autos” (Parecer CERT 2.453, de 18/11/14).

“Na documentação”, prossegue o parecer assinado por Nunes de Oliveira, em pérola memorável, “a CERT não conseguiu encontrar elementos que justifiquem a manutenção do docente em RDIDP” (!). Em seguida, parece fazer uma concessão diplomática: “Dado que o Conselho Departamental e o CTA da unidade aprovaram o relatório, é bem possível que informações relevantes a oferecer testemunho positivo sobre a qualidade da atividade acadêmica do docente entre agosto de 2010 e julho de 2013 tenham sido omitidas. Isso considerando e tendo em vista que o professor Maurício Cardoso é atualmente chefe do Departamento de História, solicito à direção da Faculdade especiais diligências com o objetivo de oferecer à CERT a necessária avaliação qualitativa, a partir da qual a Comissão poderá tomar decisão bem informada sobre o relatório bienal”.

“O professor atende a todas as exigências para o RDIDP”

Cardoso elaborou, então, um novo relatório, intitulado “Justificativa e dados complementares ao relatório bienal”, que antes de submetido ao Conselho Departamental recebeu novo parecer específico, desta vez a cargo da professora Maria das Graças de Souza, do Departamento de Filosofia. A parecerista avaliou que, tendo apresentado oito trabalhos em eventos da área e publicado, no período imediatamente posterior ao relatório em questão, um livro e outro capítulo de livro, “sua produção científica é inteiramente satisfatória”; considerou a carga horária por ele dedicada à docência “perfeitamente compatível com as práticas docentes da FFLCH”; anotou que “exerceu funções administrativas para as quais foi solicitado, inclusive a de chefe de departamento”; e concluiu, tendo examinado tanto o relatório original como o complementar, que o professor Cardoso “atende a todas as exigências da universidade para o regime de dedicação integral, do ponto de vista de suas atividades de pesquisa, produção bibliográfica, docência, orientação de teses e participação em bancas, participação em projetos de extensão e cargos administrativos”. Assim, emendou a professora, “sou de parecer inteiramente favorável a que seu relatório e o documento suplementar que o acompanha sejam aprovados”. O novo relatório e seu parecer foram enviados à CERT em 17/9/2015.

O assunto foi objeto do Parecer CERT 2.679, de 14/10/2015. Nele se constata ter o relator do processo opinado que, à “vista da justificativa oferecida […] o segundo relatório bienal pode ser aprovado, desde que o terceiro relatório traga informações que permitam avaliar a qualidade dos resultados obtidos pelo docente”, agregando a seguinte informação: “O roteiro disponível no site www.usp.br/cert poderá ajudar na busca de tais indicadores qualitativos. Em função do tempo já decorrido desde a data inicialmente prevista para entrega do terceiro relatório, fica prorrogado o estágio até 4/8/2016”. (Cabe observar que a Adusp dispõe de uma publicação crítica sobre o citado roteiro da CERT.)

Ainda segundo o mesmo Parecer CERT, a comissão, reunida em 28/9/2015, “decidiu, por unanimidade […] pela prorrogação do período de experimentação do interessado no RDIDP por um período adicional de dois anos, portanto a data prevista para a apresentação do relatório em apreço será 4/8/2016”. E comunica seu novo slogan, aparentemente criado durante a gestão Zago-Agopyan: “Esta decisão se insere numa política geral da CERT de seguir mais de perto o desempenho dos docentes, para que possam atingir seu pleno desenvolvimento acadêmico”.

Prossigamos. Em 19/1/2017, o professor Osvaldo Coggiola, chefe do Departamento de História, comunicou à CERT que o terceiro relatório bienal de Cardoso (2013-2014) fora entregue e aguardava apenas a emissão de parecer, para ser homologado pelo Conselho Departamental e enviado à comissão, “eximindo o professor de qualquer responsabilidade à medida em que entregou o seu relatório dentro do prazo”. O relatório foi enviado à CERT em 15/2/2017, pela professora Maria Arminda Arruda, diretora da FFLCH.

O parecer que o acompanhou, de autoria da professora Zilda Iokoi, do Departamento de História, além de trazer elogios ao trabalho do docente, “exemplo de dedicação, seriedade, compromisso e empenho no desenvolvimento de todos os níveis de responsabilidades”, incluiu informações relevantes sobre as publicações de Cardoso. “Destaco o trabalho de imensa repercussão organizado com Priscila Cerenzio, Direitos Humanos: diferentes cenários, novas perspectivas, aprovado em Edital do MEC-PNB em 2013, editado e distribuído em 2016 para todas as escolas públicas do país”. Observou, ainda, que em 2014 o docente “publicou o livro Fátima Toledo: interpretar a vida, viver o cinema, “trabalho destinado aos estudos do método de preparação de atores para o audiovisual”, e o artigo “Cinema e literatura: narrativas e poética” (UFBA).

“O relatório não pode ser aprovado no âmbito da CERT”

A CERT, porém, rechaçou o novo relatório. Endossou a apreciação do relator, para quem a exigência fixada no parecer anterior da comissão, “a necessidade de o terceiro relatório apresentar produtos [sic] que permitam avaliar a qualidade dos resultados obtidos pelo docente”, “não ocorreu neste relatório e a manifestação do Departamento não forneceu informações adicionais ou indicadores que demonstrem a qualidade da atuação acadêmica do docente”. Por fim: “Uma vez que o currículo do interessado não traz nenhuma publicação ou outro elemento recente que permita avaliar a qualidade do trabalho do docente em outra área que não o ensino, o relatório não pode ser aprovado no âmbito da CERT” (grifos nossos).

Endossando a avaliação do relator, a CERT, “em reunião de 10/4/2017, deliberou pelo desligamento do docente do RDIDP e decidiu encaminhar o processo à FFLCH, para conhecimento e providências da Diretoria da unidade, da Chefia do Departamento de História e do docente” (Parecer CERT 794, de 18/4/2017).

Pois bem: Cardoso rebelou-se contra o aberrante contrasenso dos burocratas da comissão, apresentando recurso à própria CERT, como dispõe o Regimento da USP. O documento foi protocolado dentro do prazo regimental, em 16/5/2017, acompanhado de duas contundentes manifestações de defesa, uma do chefe do Departamento de História, professor Osvaldo Coggiola, e outra da diretora da FFLCH, professora Maria Arminda.

“O parecer [CERT] em questão foi recebido com surpresa por essa Chefia e pelo Conselho Departamental em virtude do excelente trabalho docente e de pesquisa e do engajamento institucional do professor Maurício Cardoso desde seu ingresso nesse Departamento, em 2008, com destaque para o seu papel no Programa de Formação de Professores, criado pela Reitoria em 2004”, declarou Coggiola, no início de extenso documento em que detalha as realizações de Cardoso e informa que o docente recebeu apoio de mais de 600 alunos, em abaixo-assinado anexado ao processo. “Tendo em vista o exposto, o Conselho Departamental, em reunião de 14/5, solidarizou-se, por unanimidade, aos argumentos anteriores e apoia enfaticamente a solicitação do professor Maurício Cardoso ao Parecer CERT 794/2017, insistindo pela manutenção do RDIDP”.

Na mesma linha o pronunciamento da diretora da FFLCH, por duas vezes pró-reitora de Cultura e Extensão da USP: “Saliento que o docente é altamente comprometido com o ensino de graduação, cuja ênfase é o trabalho de preparação de professores para o ensino fundamental e médio e a preparação de material didático”, oficiou Maria Arminda à CERT. “Também desenvolve trabalho na pós-graduação”, assinalou, “sem se descurar das demais [atividades acadêmicas]: publicações, gestão administrativa do Departamento, da qual foi responsável durante dois anos. Solicito, respeitosamente, reavaliação da decisão”.

Impacto do ingresso no Pibid-Capes

O recurso de Cardoso, redigido em 15 páginas, procurou aprofundar explicações já oferecidas à CERT, além de agregar novos dados, sobre trabalhos que por algum motivo não citara no relatório rejeitado. No item “As especificidades da área: o Ensino de História”, o docente explica que dentre as várias práticas de ensino desenvolvidas por ele “a que teve maior impacto foi o meu ingresso no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), da Capes, sob a coordenação geral de uma equipe de professores da Faculdade de Educação”, e na qual atuou, em 2013 e 2014, como coordenador de uma equipe com cerca de 30 alunos de graduação de História e três professores da rede básica (supervisores dos graduandos). “Esta foi uma das mais relevantes iniciativas da Capes no campo da formação de professores, porque articulava um projeto pedagógico a uma equipe de alunos bolsistas que, sob supervisão de um professor da rede pública (também bolsista), inseriam-se durante um ano nas atividades de uma determinada escola. Descrevi as atividades do Pibid no terceiro relatório, mas considero oportuno destacar que a minha participação no Programa implicava um tempo de trabalho semanal estimado em cerca de 10 a 12 horas, segundo o Edital da própria Capes. Trata-se, portanto, de uma especificidade da área de Ensino de História pois, nas áreas de conhecimento histórico que se dedicam exclusivamente à pesquisa, os docentes não têm nenhum compromisso com a formação de professores, exceto os que decidirem assumir isso no âmbito de suas próprias disciplinas”.

Mais adiante, forneceu novas considerações sobre a relevância de publicações como o livro Direitos Humanos: diferentes cenários, novas perspectivas. “O livro foi selecionado pelo Edital do Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), em 2013, que adquiriu mais de 80 mil exemplares para distribuir para as unidades escolares de todo o país. Não se trata de um ‘sucesso editorial’, mas de uma ação vigorosa de política pública para o ensino e a formação de professores. Portanto, menosprezar o impacto dessa iniciativa na área do ensino de História significa ignorar a natureza deste campo de atuação profissional”. (Será que “pegou pesado” com a CERT, ao apontar a ignorância da comissão? Logo saberemos.)

Chamou a atenção dos membros da CERT, ainda, “para que avaliem os resultados de meu trabalho científico e docente na área a partir de ‘produtos’ vinculados ao que preconizam as diretrizes da própria Universidade de São Paulo, cujo marco regulatório, publicado em 2004 pela Comissão Permanente de Licenciaturas e pela Pró-Reitoria de Graduação, aponta para a importância de ações e resultados intimamente ligados à formação de professores, à construção e consolidação das licenciaturas no interior dos cursos de Bacharelado e ao impacto da área na Educação Básica”.

Pode-se dizer que o recurso de Cardoso supera a questão abstrata, ou puramente formal, da alegada “falta de indicadores de qualidade”, e desloca o debate para o terreno da racionalidade acadêmica e dos princípios maiores da universidade, sempre com admirável franqueza. Por essa razão, no tópico “Atividades de Gestão: a Chefia do Departamento”, tratou de contextualizar sua escolha para o cargo, explicando ter sido escolhido como tertius, em chapa única, tendo o professor José Vasconcelos como suplente, com a finalidade de pacificar duas alas de professores que não se entendiam. Esse “processo tenso de disputa pelo cargo que iria dividir o Departamento em dois grupos opostos” foi o fator que desencadeou a busca por um nome de consenso, “levando à chefia do Departamento dois professores recém-concursados, que haviam ingressado no Departamento há menos de quatro anos e que, portanto, teriam que lidar com as divergências políticas internas, as relações com a direção da Faculdade de Filosofia e a estrutura administrativa da Universidade que nós mal conhecíamos”.

“A CERT recomenda maior investimento em pesquisa empírica”

O recurso foi apreciado no Parecer CERT 1.419, de 21/6/2017, que, com displicência, reproduz e endossa totalmente o parecer do relator do caso. Este não responde nem comenta as ponderações substantivas de Cardoso. Limita-se a notificar que este ou aquele “produto” não foi lançado no Currículo Lattes do docente; que os “dois artigos acadêmicos saíram em periódicos classificados pela Capes como B2 (1 página) e B4 (7 páginas)”; que há “apenas dois capítulos de livros registrados”. Admite em rápidas pinceladas, como se se tratasse de algo menor, que “o docente demonstra engajamento com as atividades de docência […], ressalte-se sua participação como coordenador do Pibid no Departamento, entre 2014 e 2015, o que reverbera na produção de material didático”, e que “foi chefe do Departamento de História”.

Depois, o parecerista acusa o professor de “descaso” na elaboração dos seus relatórios e no preenchimento do Lattes. Finalmente, é anunciado o crime maior de Cardoso: ele demonstra “pouca energia na divulgação de pesquisa em periódicos de seletiva política editorial, posto que os dois artigos publicados e o dossiê aprovado enquadram-se em revistas Qualis Capes B2 e B4, isso explica o baixo impacto das publicações”. Tanto é que uma “busca no Google Scholar não identificou nenhuma citação associada ao nome Maurício Cardoso” (!!!). Como agravante, ressalta “o pequeno engajamento com a atividade de investigação”, uma vez que “seu maior compromisso, como atestado pela CERT anteriormente, é com a docência […] e com a gestão acadêmica”.

Veredito: “Diante da defesa enfática efetuada pela Chefia do Departamento e pela Direção da unidade, a CERT recomenda ao docente maior investimento em pesquisa empírica [!!!] e na socialização de seus resultados por meio de periódicos com seletiva política editorial e indica a alteração do regime de trabalho para o RTC”.

Poucos dias depois de receber essa nova decisão da comissão, mais uma vez o Departamento de História respondeu, pedindo reconsideração. Além de insistir na importância do docente para o Departamento, apontando seu envolvimento com os movimentos sociais e com a problemática das cotas étnicas e sociais, sendo coautor do livro Negro e Negritude (Loyola, 1998), o novo documento assinado pelo professor Osvaldo Coggiola aponta erros no Parecer da CERT.

“O artigo publicado na revista Plural Pluriel não tem apenas 1 página. O artigo, escrito em francês, tem cerca de 10 mil palavras (ou 64 mil caracteres), o que se assemelha a um artigo acadêmico padrão e que, portanto, numa versão impressa, teria entre 20 e 25 páginas”, esclarece o chefe do Departamento. “A revista Plural Pluriel, da Universidade de Paris-X Nanterre, é uma publicação em versão digital e bilíngue [que] deve ser aberta integralmente para ver o artigo, uma vez que não aceita conversão para PDF”. Além disso, acrescenta, “o Qualis Periódico para essa revista é B1 e não B2 como apareceu na crítica da CERT”.

O documento — que também relata uma questão de natureza pessoal enfrentada pelo docente: “um longo e difícil processo de separação conjugal, entre agosto de 2012 e 2015”, envolvendo divórcio litigioso, separação judicial e dificuldades financeiras, com óbvias implicações nas suas atividades profissionais — foi enviado pelo vice-diretor da FFLCH, Paulo Martins, ao vice-presidente em exercício da CERT, Ricardo Brandt de Oliveira, em 2/8/2017, acompanhado de um ofício de apresentação em que Martins pede a “avaliação do pedido do Departamento de História de interstício de um ano [sem perda do RDIDP] para o referido docente”.

E assim, depois de um penoso percurso, retornamos ao Parecer CERT 1.913, de 4/9/2017, que abre esta matéria. Mais uma vez a comissão ignorou a racionalidade dos apelos que lhe foram dirigidos, agora para alegar que a solicitação de interstício de um ano “infelizmente, não pode ser seguida porque o prazo máximo para o período de experimentação se encerrou no dia 4/8/2016”. E que em vista disso, “e não obstante os novos elementos apresentados, a CERT, em reunião de 21/8/2017, decidiu manter o pronunciamento anterior […] e deliberou pelo desligamento do docente do RDIDP para o RTC [sic], medida que deverá prevalecer a partir da publicação do ato respectivo”. Desta vez, procurando encerrar o caso, ao “elevar” o assunto “à consideração do reitor”.

Ataque à docência, ao próprio RDIDP, e afronta à FFLCH

Ao solidarizar-se a Cardoso, endossando o pedido de reconsideração por ele submetido ao reitor Agopyan e a manifestação de sentido idêntico do Departamento de História, a Congregação da FFLCH mostra haver entendido a gravidade da situação criada. Um professor respeitado por sua comprovada dedicação ao ensino de graduação e à formação de professores de História, admirado por seu desempenho em cargos de gestão, orientador de mestrados e doutorados, foi punido com a perda do RDIDP por, supostamente, ser improdutivo como pesquisador e por não contar com publicações em “periódicos com seletiva política editorial”. Não é, portanto, apenas um ataque à docência (atividade tratada pela CERT como uma espécie de anomalia). É um ataque ao próprio RDIDP. E é uma afronta à FFLCH, que por seus pareceristas, colegiados e direção, reiteradas vezes aprovou os relatórios do professor e invariavelmente apoiou seus pedidos de reconsideração.

Como registrou o Departamento no seu documento, dirigido à professora Maria Arminda, ao justificar o apoio ao pedido de reconsideração: “O Conselho [Departamental] e a nossa chefia entendem que a decisão da CERT não levou em conta os inúmeros argumentos e informações fornecidas nos relatórios e recursos apresentados pelo docente, não reconheceu a defesa enfática oferecida sistematicamente por esse Departamento e por Vossa Senhoria […], nem tampouco os pareceres emitidos por docentes desta Faculdade”.

O professor Maurício Cardoso, prossegue, “assumiu inúmeras responsabilidades com a docência, a pesquisa e a extensão, e obteve rapidamente o reconhecimento dos alunos e dos demais docentes deste Departamento”, e ao assumir a chefia “teve conduta exemplar, garantindo o respeito do então diretor da Faculdade, professor Sérgio Adorno, bem como dos colegas que conviveram com o docente em inúmeras comissões de trabalho”. Por fim, sintetiza o documento assinado pelo professor Osvaldo Coggiola, “tem desempenhado todas as suas atividades de forma satisfatória e integral, dedicando-se intensamente à graduação, à orientação de alunos de pós-graduação em dois programas, à pesquisa e às diversas formas de difusão do conhecimento histórico, por meio de publicações, palestras e intervenções no campo da educação básica”.

No pedido encaminhado ao reitor, Cardoso rebate as alegações da CERT, informando, em síntese, que entre 2008 e 2017 organizou um livro, publicou 11 capítulos de livros, três livros autorais, três artigos em revistas acadêmicas e 35 artigos de divulgação em revistas de circulação nacional. E que, ademais de participar de dois programas de Pós-Graduação, o de História Social e o de Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades, é coordenador deste último desde 2016.

Tendo o assunto chegado à sua mesa, o reitor Agopyan terá de decidir entre duas posições antagônicas: 1) revogar a medida tomada por seu antecessor, reintegrando o professor Cardoso no RDIDP, ou mesmo submeter o caso à apreciação e deliberação do Conselho Universitário, aceitando que o juízo das unidades prepondere na avaliação docente; e 2) rejeitar o pedido de reconsideração, mantendo a decisão de M.A. Zago.

Caso opte pela segunda posição, vai sujeitar-se ao risco de, logo no início de sua própria gestão, fazer com que a insensatez de 13 membros de uma comissão de nomeação exclusiva do reitor prevaleça e se imponha à reiterada, fundamentada, inequívoca avaliação de toda uma unidade da USP — circunstancialmente a maior delas — de que o Professor Maurício Cardoso deve permanecer no RDIDP.

 

Opinião da diretoria

Um “basta!” às avaliações rasteiras e truculentas da CERT.
Um novo alerta quanto à “Nova CPA”

Tal como no recente caso do professor Paulo Roberto Massaro, e em tantos outros, ao manifestar-se no processo do regime de experimentação no RDIDP do professor Maurício Cardoso a CERT exorbita de suas competências: elege a pesquisa como atividade suprema da universidade, desconsidera completamente a docência e subestima as atividades de gestão e de extensão; desdenha das razões apresentadas pela unidade de origem, negando-se à interlocução substantiva, qualificada; e atropela a FFLCH ao despachar diretamente para o reitor o pedido para cortar o docente do RDIDP.

Se a absurda, infundada e ilegal medida punitiva imposta pela CERT e por M.A. Zago ao ex-chefe do Departamento de História não for revertida, isso reforçará a opinião de que os departamentos e unidades não terão importância alguma nas avaliações da Câmara de Avaliação Institucional (CAI), da Câmara de Atividades Docentes (CAD) e nas demais decisões da “Nova CPA”, abrindo-se caminho para que mudanças de regime de trabalho venham a ser usadas de modo indiscriminado para intimidar e enquadrar docentes na lógica das métricas produtivistas, que nada tem a ver com mérito acadêmico ou engajamento institucional (vide, a propósito: Revista Adusp nº 61 e Revista Adusp nº 60).

Não se descarte, igualmente, o eventual emprego desse mecanismo como política de gestão financeira da universidade, o que descaracterizaria por completo a relevância do RDIDP e a primazia da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.

É hora de dar um basta às avaliações rasteiras e truculentas da CERT, ao mesmo tempo cuidando de acompanhar pari passu a “Nova CPA” e suas câmaras, novo mecanismo de controle criado na gestão Zago-Agopyan e dotado de mais poderes que sua congênere. Na audiência concedida à Adusp em 26/3, quando se tratou desse tema o reitor Agopyan e seus auxiliares procuraram dissociar a “Nova CPA” do modus operandi da CERT. Porém, se o reitor quiser de fato sinalizar uma outra visão, haverá oportunidade melhor do que a proporcionada pelo recurso do professor Cardoso?

Talvez Agopyan ainda se recorde de uma intervenção que fez, na condição de representante da Congregação da Escola Politécnica, na distante reunião do Conselho Universitário (Co) de 5/12/2000, a propósito precisamente da CERT, cuja conduta deletéria começava a ser contestada, o que resultou em recursos de docentes ao Co. Vale a pena reproduzir suas declarações à época, tanto pela pertinência, quanto para socorrer o reitor, caso sua memória falhe:

“Nesta nossa Universidade, nós temos grupos de pesquisa que estudam como avaliar docentes, como avaliar o ensino, e nenhum desses grupos jamais participou de avaliação na USP. Dois colegas nossos tiveram a coragem de trazer para o Co este problema para uma discussão mais ampla. A avaliação é uma ferramenta de qualidade e não de punição. Avaliação de punição é pré-época medieval. O chinês que fazia a porcelana errada tinha a mão cortada — não tinha o RDIDP para cortar, cortava a mão. Estamos usando a avaliação de uma maneira errônea sob o ponto de vista técnico. Usar o mesmo instrumento de medida para avaliar 35 unidades com características diferentes é de uma mediocridade que não cabe em uma Universidade como a USP” (Vahan Agopyan, vide Revista Adusp nº 22, pág. 27).

 

EXPRESSO ADUSP


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