Então nós vamos fazer esse processo de avaliação e certamente o modo que nós estamos escolhendo não vai ser centralizado na CAD, que tem nove membros. Não é possível que a CAD consiga avaliar 1.100 docentes”, disse o professor Marcílio Alves, que também é representante dos Associados no Conselho Universitário

O presidente da Câmara de Avaliação Docente (CAD) da Comissão Permanente de Avaliação (CPA), professor Marcílio Alves, anunciou que o processo de avaliação do corpo docente da USP, previsto no Estatuto do Docente aprovado na gestão de M.A. Zago, terá início em 2020 de forma escalonada, com cerca de 20% do quadro, ou 1.100 docentes em números redondos. Marcílio afirmou que a CAD está “estudando, discutindo, preparando o processo de avaliação” e que ele será desburocratizado. “As informações dadas pelos docentes são fidedignas, no sentido de que não vai precisar apresentar comprovante, artigo, diploma de participação”. Além disso, destacou, “os aspectos qualitativos devem ser amplamente considerados e os aspectos quantitivos devem ser relativizados conforme a área”.

As informações foram prestadas por Marcílio durante sua exposição no Encontro de Docentes 2019, organizado pelos representantes de professores associados e de professores titulares no Conselho Universitário (Co). Marcílio é o representante titular dos professores associados. O evento, ao qual compareceram cerca de 150 docentes, foi realizado no auditório do Centro de Difusão Internacional (CDI), na Cidade Universitária do Butantã, na manhã de 14/8.

A apresentação do presidente da CAD foi antecedida por uma aplaudida conferência do professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação (FE-USP), que criticou o “vínculo da avaliação à eficiência econômica”, a “verdadeira obsessão por indicadores de excelência”, a “fúria mensurativa” com que vêm sendo avaliadas as atividades docentes — em desfavor de um ajuizamento de valores baseado na reflexão, na experiência e no discernimento. A seu ver, a profusão de indicadores revela a fragilidade desses instrumentos de mensuração.

Marcílio informou que 5.467 projetos acadêmicos de docentes foram submetidos à CAD, o que perfaz 97,4% da totalidade do corpo docente na ativa. No seu entender, isso reflete um “bom trabalho da CAD para mostrar aos docentes o que significava esse plano acadêmico, é um plano acadêmico norteador, e que está agora em execução pelos docentes”. Confira aqui as transparências apresentadas pelo presidente da CAD.

Os projetos interdisciplinares somaram 14% do total. Ele também destacou o equilíbrio alcançado entre os professores que optaram por priorizar, nos formulários, um dos eixos do tripé ensino, pesquisa e extensão (53%) e os que optaram por não priorizar (46%). Entre os que optaram pela priorização, novo equilíbrio entre os que preferiram apontar como atividade prioritária a pesquisa (39%) e aqueles que preferiram o ensino (38%), ao passo que outros 16% apontaram a extensão.

O presidente da CAD disse que procurou promover uma “ampla discussão nas unidades”, tendo havido uma espécie de “caravana”, no decorrer da qual pelo menos quinze unidades foram visitadas, inclusive nos campi de Ribeirão Preto, Pirassununga e São Carlos. Reiterou que todos os docentes serão avaliados, com duas finalidades: verificar a execução do projeto acadêmico proposto e, se for o caso, assegurar a promoção horizontal. Definiu duas modalidades de progressão horizontal: “emergencial” (“para atender a demanda reprimida de centenas de docentes que estão parados na carreira”) e de fluxo contínuo.

A julgar pelas explicações de Marcílio, o retorno da progressão horizontal, interrompida pelo draconiano ajuste fiscal implantado pela gestão M. A. Zago-V. Agopyan (2014-2017), ainda guarda um certo grau de incerteza. “Eu falei em várias dessas minhas reuniões que a data para isso, o edital de publicação das regras para essa promoção seria ainda em 2019. A última conversa que eu tive com o vice-reitor [Antonio Hernandes] é que [sic] a situação econômica está instável e senti que existe grande chance de isso não ocorrer como progressão horizontal neste ano”, admitiu.

“Por outro lado, existe uma promoção de fluxo contínuo: todos os docentes avaliados vão poder, dependendo desse resultado da avaliação e da categoria deles, progredir horizontalmente, e essa promoção horizontal vai se iniciar no ano que vem, por isso que a CAD agora está trabalhando no processo de avaliação, para que ele esteja pronto já no começo do ano que vem, porque um quinto dos docentes devem ser avaliados, que são mais ou menos 1.100”.

Marcílio reconheceu, no seu pronunciamento, que a câmara que preside não dará conta de avaliar número tão grande de professores: “Então nós vamos fazer esse processo de avaliação com 1.100 docentes — e certamente o modo que nós estamos escolhendo não vai ser centralizado na CAD, que tem nove membros. Não é possível que a CAD consiga avaliar 1.100 docentes”. Vale recordar que, durante o atropelado processo de discussão do projeto da “Nova CPA”, o reduzido número de membros das duas câmaras que a formariam (CAD e CAI) e, em decorrência disso, o pequeno número de áreas representadas, foi um dos fatores negativos apontados pelos críticos da avaliação ultracentralizada proposta pela Reitoria e aprovada “a toque de caixa” pelo Co.

Assim, avisou Marcílio, provavelmente a avaliação conduzida pela CAD será dividida com subcomissões a serem formadas, ou até mesmo será delegada aos próprios departamentos ou unidades. “Isso não está definido ainda, nós estamos conversando. Vai sair um pouco da opinião de vocês”. Mais tarde, durante os debates, ele explicaria também que os “critérios de avaliação da CAD não estão prontos”.

Por enquanto, não há uma definição quanto a quem fará parte do primeiro grupo de docentes avaliados. “Nós temos que escolher os 1.100, que a gente não sabe ainda como escolher”, revelou. Os critérios cogitados incluem final do número USP, data de nascimento, adesão espontânea. Mas a decisão cabe à CPA e não à CAD, esclareceu ele. Porém, mais controverso do que o processo de escolha é o período que a avaliação deverá compreender: “A avaliação de 2020 vai ser baseada em um ano da execução do projeto, que foi entregue em maio, mas isso é muito pouco, então provavelmente nós voltamos quatro anos para trás [sic], mesmo sem projeto acadêmico, para avaliar o que foi feito nesse período”.

Como essa primeira rodada de avaliação do atual corpo docente vai durar cinco anos, até 2023 haverá sempre, a cada ano, uma combinação entre um período correspondente ao projeto acadêmico e um período anterior ao projeto. “Aí, em 2021 se olham dois anos de projeto acadêmico e três anos para trás. Até que em 2024 se olha inteiramente o projeto acadêmico do docente”, disse o presidente da CAD.

Uma vez aberto o debate, o professor Sérgio Souto, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), questionou o cronograma anunciado por Marcílio. “Fiquei muito surpreso com essa proposta de você ter uma avaliação antes de completar o planejamento. Essa decisão de avaliar escalonadamente a cada ano 1.100 docentes nunca foi colocada, nunca foi transparente. Isso nunca foi colocado dessa maneira, claramente. É uma ideia simples, não sei por que isso desde o início não ficou proposto. Aquilo que foi falado, repetitivamente, ‘você será avaliado na sua proposta’, em cima daquilo que você propõe, é tranquilo. Só que agora não mais. Porque vamos pegar um período que está fora do planejamento que foi pedido a todos os docentes”. Questionamento semelhante foi feito por uma docente, por chat.

Intervenções do plenário apontaram graves problemas da carreira

Diversas intervenções apontaram problemas graves na carreira docente. A professora Márcia Mayer, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), citou dois deles: o atual teto salarial e as ameaças embutidas na PEC 06/2019, já aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados e agora em tramitação no Senado Federal. “Em relação ao fato de a carreira docente hoje ser desmotivante, muito mais do que nós não termos a possibilidade de prestar concurso para professor titular, nós temos dois entraves muito grandes. Primeiro a reforma da Previdência, que pode estar ameaçando o que a gente sempre planejou. E o segundo ponto é o limite do teto do governador. Acho muito simplista avaliar-se que vamos ter progressão na carreira em 2020, 21, 22, 23 e 24, quando na verdade muitos dos docentes que por mérito chegaram a um determinado patamar já não estão recebendo o que deveriam”.

A docente do ICB relatou que, em reunião realizada na FAU sobre a decisão da Reitoria de enquadrar os salários no teto constitucional, “ainda tive que escutar que vão tirar mais um ‘xis’ do meu salário […] e que, isto falado pelo representante da Reitoria, a universidade neste mês tinha atingido suas metas econômicas de ter 10,5% para investimento, porque o nível do salário [comprometimento da folha] diminuiu. Então eu gostaria de saber qual vai ser a motivação para as pessoas se submeterem a um projeto acadêmico, se fazer mais coisas, pleitear professor pleno”. Prosseguiu: “Sou chefe de departamento, não recebo nada para ser chefe de departamento, e nós temos notado que cada vez menos temos candidatos a chefe de departamento, candidatos às comissões estatutárias, exatamente por causa disso. Eu gostaria de saber o que os nossos representantes vão fazer a esse respeito”.

A professora Maria Clara di Pierro (FE) denunciou a existência de segmentos precarizados dentro do corpo docente: “Nós estamos falando de carreira, de mobilidade horizontal, mobilidade vertical, professor pleno, e o que na realidade tem ocorrido, nos últimos dois anos pelo menos, tem sido a criação de categorias da carreira para baixo. Isso não foi falado, e é parte da carreira: nossos colegas professores temporários, contratados em proporção superior a um quarto dos docentes do meu departamento, com salários que eu considero aviltantes e com uma limitação de jornada que leva à sobrecarga em tarefas administrativas, de pesquisa etc. na graduação e na pós-graduação para os demais. Nós não podemos pensar no coletivo de docentes da USP abstraindo esse número muito significativo de colegas que estão compartilhando conosco as responsabilidades da docência”.

Porém, segundo Maria Clara, que atua no Departamento de Administração Escolar e Economiada Educação, há outra faceta potencial de precarização que não deve passar despercebida. “Sou membro da Comissão de Pesquisa da faculdade e fui tomada de surpresa com uma resolução que autoriza pós-doutorandos a exercitarem a docência, também com uma jornada muito reduzida e com remunerações igualmente aviltantes. Então fiquei com a sensação de que estamos fazendo com a carreira na USP o que foi feito na carreira dos professores da educação básica do Estado de São Paulo, que agora temos categoria ‘O’, ‘F’, e criando uma segmentação na carreira que obviamente tem impactos sobre aqueles que têm vínculo permanente com a universidade. Então eu gostaria que a gente, ao discutir a nossa carreira, não abstraísse esse fenômeno que está degradando as condições da docência para estes colegas que têm excelente qualificação e enorme responsabilidade, e têm se envolvido no trabalho com muito empenho, pelo menos no meu departamento”.

A professora Eunice Almeida da Silva, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), apontou os danos que a avaliação enviesada da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT) está causando aos professores que se encontram em estágio probatório. “A CERT ainda está funcionando, em paralelo a essa nova forma de avaliação. O que nós temos visto é que ultimamente o pessoal que está entregando o terceiro relatório para a CERT está sendo reprovado”, relatou a docente.

“A lógica da reprovação não dá para entender: tem o parecer externo, tem a passagem do relatório pela Congregação, no parecer externo geralmente o pessoal está sendo aprovado e na Congregação também, e pela CERT reprovado”, disse Eunice. “O que temos de esclarecimento no parecer da CERT é que faltam publicações em áreas específicas. Se uma pessoa é interdisciplinar, como é o meu caso, eu queria saber qual é a área específica. Isso é uma coisa. A outra questão é se essas reprovações estão sendo justamente um filtro para que a pessoa que pretendia pedir progressão em 2020 já não possa mais fazer essa progressão. Então para mim não está claro quais são os critérios”.

“Tem muita coisa que a USP já faz, a Unicamp já faz”, diz Knobel sobre o “Future-se”

O reitor da Unicamp e presidente do Cruesp, Marcelo Knobel, também participou da mesa de abertura do Encontro de Docentes 2019. Ele comentou na sua intervenção que o projeto “Future-se”, do MEC, “tem muitas falhas” e que mostra até mesmo certa desinformação, quando propõe uma interação com o setor privado por meio das “organizações sociais” (OS) como forma de ampliação de receitas. Knobel afirmou que recursos extraorçamentários já representam 30% das receitas totais da Unicamp. 

“Eu li o projeto e tem muita coisa que a USP já faz, a Unicamp já faz. A gente pega recursos de fora, faz convênios com empresas, faz patentes. Nós temos as nossas [sic] fundações de apoio, que atuam essencialmente como OS para fazer contratos. Ou seja, é falta de conhecimento da atuação das nossas universidades. Além disso tem o detalhe fundamental, falta de conhecimento de como funciona o ensino superior no mundo: em todos os países a pesquisa é essencialmente financiada pelo Estado. Não existe isso de que as empresas são responsáveis. Pesquisa básica é financiada pelo Estado, e as universidades de pesquisa indiretamente também. Não vai ter fundo capaz de pagar aquela folha de pagamentos”.

Ao admitir que USP e Unicamp já fazem “muita coisa” daquilo que é proposto pelo MEC no “Future-se”, o presidente do Cruesp implicitamente reconheceu a existência de um expressivo grau de privatização das universidades estaduais paulistas. Além disso, ao referir-se às fundações privadas ditas “de apoio” como sendo “nossas fundações”, Knobel naturalizou as práticas dessas entidades, cuja relação com as universidades públicas é, no entanto, atravessada por conflitos de interesses e caracterizada por graves distorções, a exemplo dos cursos pagos. Involuntariamente, e até paradoxalmente, ele reforçou a impressão de que o “Future-se” inspira-se, em alguma medida, naquilo que ocorre hoje nos campi das universidades estaduais paulistas.

No tocante à avaliação do trabalho docente, Knobel questionou o modelo vigente de excessiva ênfase nas publicações, chegando a propor que sejam oferecidas bolsas para ensino, a exemplo das bolsas de pesquisa. Defendeu uma “mudança de paradigma, mudança de cultura”, indagando: “Professor que só quer dar aulas, como fica?”. “É uma discussão permanente que temos que fazer”. Lembrou, ainda, que os processos de avaliação devem ter como objeto os programas e não os docentes individualmente. 

EXPRESSO ADUSP


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