A USP conta atualmente com 2.210 professoras, vale dizer: 37,81% dos seus 5.844 docentes. Elas enfrentam maiores dificuldades para ascender na carreira ou para obter o reconhecimento proporcional às suas contribuições científicas e à sua inserção acadêmica. Além disso, num cenário de produtivismo acadêmico exacerbado, que afeta o conjunto do corpo docente da USP, as professoras podem sofrer punições adicionais, como prova o caso da docente Cynthia Ferreira, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), recentemente abordado pelo Informativo Adusp.

Em carta dirigida à coordenadora do Escritório USP Mulheres, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, a Associação dos Docentes da USP (Adusp) e a Redc Não Cala USP discorrem sobre tais questões, e outras correlatas, “que têm incomodado a comunidade docente, especialmente as mulheres, que, assim como em outros espaços da sociedade, sentem-se prejudicadas pela desconsideração de elementos que são próprios de nossa condição de mulher”.

A distribuição das mulheres nos diferentes níveis da carreira docente “mostra que ainda há muito a batalhar para que tenhamos igualdade de gênero dentro da Universidade”, observa o documento, segundo o qual as mulheres são 43% no segmento de professores doutores, 36% dos professores associados e 28% dos professores titulares, ou seja: “as professoras não são maioria, sequer metade, em nenhum nível da carreira docente — e quanto maior o cargo, menor o número de mulheres”.

De acordo com a carta, “é fundamental que as instituições de ensino, pesquisa e extensão universitária se envolvam na remoção de barreiras sociais e culturais que impedem mulheres de conquistar os espaços, concretos e simbólicos, e atingir todo o seu potencial dentro da universidade e na sociedade como um todo”, conforme enunciado pelo Programa HeforShe (ElesPorElas) da ONU Mulheres, do qual a USP é a única universidade latino-americana signatária e que motivou a criação do Escritório USP Mulheres.

“Contudo”, afirma o documento encaminhado a Maria Arminda em 5/12, “nos últimos anos, a Universidade de São Paulo parece caminhar na contramão do compromisso assumido com a ONU Mulheres, que inclui a elaboração e implementação de uma visão comum da igualdade entre os gêneros sem que haja atitudes e comportamentos machistas”.

Entre os fundamentos que sustentam tal afirmativa, a Adusp e a Rede Não Cala citam o “processo de desmantelamento sistemático das creches na USP” iniciado em 2014, o qual, “culminando com o fechamento arbitrário da Creche Oeste em 2017”, revela que “a Reitoria vem adotando procedimentos que não condizem com o programa ElesPorElas”.

A queda vertiginosa no número de vagas nas creches para a comunidade universitária, “que já estava aquém da demanda”, e a ampliação dos auxílios como vale-creche, “indicaram a perspectiva da universidade de promover um processo de desmonte das diversas creches e pré-escolas na USP, ferindo direitos básicos da mulher estudante e trabalhadora, interferindo negativamente em suas condições de estudo e trabalho”.

O documento lembra que as creches “compõem o rarefeito quadro de políticas de permanência estudantil e melhorias de condições de trabalho”, além de sediar atividades de ensino e pesquisa. “Não sob a ótica de Vahan Agopyan, que classifica tais atividades como ‘assistencialistas’, conforme declarou ao assumir a Reitoria”, pontua, para emendar: “A estagnação da Reitoria com relação à demanda pela reabertura da Creche Oeste atesta a insensibilidade da atual gestão com os pressupostos do ElesPorElas” (confira aqui dossiê sobre o assunto).

Outro aspecto relativo à temática de gênero na USP e destacado pela carta diz respeito exatamente às dificuldades que as docentes mães enfrentam nos processos de avaliação, nos períodos que incluem as licenças-maternidade. “A Adusp vem denunciando um caso de discriminação de gênero que tem chamado a atenção da comunidade de jovens mulheres e docentes da Universidade sobre os impactos da maternidade na trajetória acadêmica, em especial durante o período de experimentação dos regimes de trabalho”. Mais preocupante ainda, continua, “é a constatação da ausência de políticas de gênero no Estatuto do Docente, no regimento da nova CPA e na Câmara de Atividades Docentes (CAD), que centralizam os processos de avaliação das docentes e dos docentes da USP”.

Adusp e Rede Não Cala citam pesquisa sobre os impactos da maternidade na carreira de mulheres da academia brasileira, vinculadas ao Projeto Parent in Science, segundo a qual a maternidade teve impacto negativo na trajetória profissional de 81% das 2 mil docentes ouvidas. “As medidas de produtividade das pesquisadoras que se tornam mães caem significantemente em relação às que não têm filhas/os; a ascensão e a retomada individual na vida acadêmica leva quase três anos após o nascimento da filha ou do filho”.

Desse modo, a carta recomenda “que se reavaliem os métodos produtivistas de avaliação e também que se construam mecanismos que garantam às mulheres condições de trabalho salutares para que possam desenvolver suas carreiras em condições de igualdade de gênero”. Por fim, exorta o Escritório USP Mulheres a implementar, “em conjunto com os diversos coletivos de mulheres da universidade”, medidas de combate à discriminação de gênero, entre as quais as seguintes:

  1. garantir que, em todos os prazos para entrega de relatórios e projetos, os períodos de licença maternidade sejam descontados, incluindo aqueles referentes aos processos de avaliação de estágio experimental e de período probatório;
  2. elaborar e adotar um “manual de boas práticas” a ser usado em bancas de concursos públicos e processos seletivos para evitar vieses de discriminação de gênero, de raça e de classe, de gestantes e mães em processos seletivos e concursos públicos, a exemplo do que fez a Universidade Federal Fluminense (UFF);
  3. Ampliar número de vagas nas creches e pré-escolas da USP e abertura de concursos públicos para contratação de novas/os educadoras/es para reposição do quadro funcional decorrente dos dois últimos Programas de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV);
  4. Reabertura da Creche Oeste;
  5. Garantia de contratação de professores substitutos durante o período de licença-maternidade da docente;
  6. Ações efetivas de enfrentamento ao assédio moral e sexual, inclusive com ações educativas e preventivas, mas também medidas reparadoras e de real enfrentamento aos abusos que se dão internamente a USP.

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