“Nossos horizontes de curto e médio prazo permanecem obscuros e desencorajantes”, diz documento assinado por mais de 950 docentes e enviado nesta segunda-feira (9/3) ao reitor, acompanhado do pedido de uma audiência. A carta apoia a equiparação do teto salarial das universidades estaduais ao das universidades federais, como decidido pelo STF, mas exige reposição salarial, retorno da progressão horizontal e vagas nas creches para filhos de docentes e funcionários

As declarações do reitor Vahan Agopyan sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que equiparou o teto salarial das universidades públicas estaduais ao limite remuneratório vigente nas universidades federais, como a de que a falta de isonomia até então existente “vinha causando ‘fuga de cérebros’, comprometendo a excelência no ensino e na pesquisa das universidades paulistas e tornando a carreira desestimulante para os jovens docentes”, provocaram uma enérgica resposta deste setor da categoria.
 
Por iniciativa de um grupo de professores e professoras da USP contratados de 2009 em diante, foi elaborada e colocada em circulação uma “Carta aberta ao Reitor”, que ao longo de fevereiro e março recebeu quase mil assinaturas. Não se trata de uma crítica ao novo teto salarial, que é visto pelos signatários como uma conquista importante e justa, mas de uma advertência à Reitoria para que reconheça que a valorização dos jovens docentes exige muito mais do que o teto salarial adequado — até porque a maior parte da categoria não se beneficiará dele.
 
“A decisão da equiparação consiste, de fato, em estímulo de longo prazo ao jovem docente. Vale ressaltar que em nosso atual plano de carreira, dado que incorporações de vantagens de caráter temporário não mais existem, apenas professores na categoria de associado 3 com 30 anos de carreira e titulares com 25 anos ou mais passariam do teto anterior, conforme tabela”, destaca a carta aberta. “Além disso, nossos horizontes de curto e médio prazo permanecem obscuros e desencorajantes.”
 
O documento cita um levantamento realizado pelo próprio grupo, com 152 docentes que ingressaram na universidade entre 2009 e 2018 e segundo o qual “quase 80% dos docentes estão ‘nada’ ou ‘pouco’ satisfeitos com seus salários e progressões na carreira”, e cerca de 60% consideram seriamente a possibilidade de “deixar seu cargo na USP nos próximos anos”, caso surjam oportunidades para tal. “Esse levantamento sugere um risco iminente de diáspora de jovens talentos da Universidade, que pode ser agravado diante do atual processo de desinvestimento e desprestígio que acomete a academia e a ciência brasileiras”, diz a carta. “De fato, um levantamento recentemente publicado no jornal Folha de S.Paulo indica um aumento no número de colegas deixando a universidade”.
 
A carta enfatiza a nccessidade de valorização dos estágios iniciais da carreira, reivindicando, entre as medidas a serem adotadas, “retomar urgente e sistematicamente as progressões horizontais; reposição salarial tendo em vista as perdas inflacionárias dos últimos anos; implementação de um sistema de convênio médico para os docentes; reabertura e aumento de vagas nas creches para filhos de professores e funcionários; gestão junto à Fapesp para disponibilização de recursos e programas específicos de apoio aos novos docentes, lotados ou não em programas ou linhas de pesquisa novos”.
 
Ela foi encaminhada ao reitor nesta segunda-feira (9/3), por um dos seus organizadores, o professor Rodrigo Bissacot. No e-mail enviado ao Gabinete da Reitoria está dito que mais de 950 docentes da USP a subscrevem, e que moções em apoio aos seus termos “estão sendo aprovadas em diversas congregações”. Por fim, pede-se ao reitor que receba uma comissão com cinco representantes do movimento: “Gostaríamos de solicitar uma reunião com Vossa Magnificência em data, local e hora de vossa preferência, para tratarmos dos tópicos da carta e discutirmos medidas que a administração da universidade possa tomar para tornar menos desestimulante o início e meio da carreira docente na USP.”
 
Deterioração das condições de trabalho e insatisfação coletiva
 
“Apesar da importância da grife USP, a deterioração das condições de trabalho está levando muitos docentes a repensarem sua continuidade na universidade, porque o ‘capital social’ que a USP traz não paga nossos planos de saúde, os colégios dos nossos filhos e assim por diante”, avalia o professor Bruno Gualano, da Faculdade de Medicina (FM), que é outro dos organizadores da carta. “A categoria dos docentes, especialmente os jovens docentes, tem percebido isso no dia a dia, e por isso cobra uma atitude imediata dos gestores”.
 
“A nossa manifestação surge basicamente de uma insatisfação coletiva e crescente de jovens docentes que estão saturados com as condições de carreira e salários que nós temos. Ou seja, com todo esse arrocho são dificultados os nossos trabalhos. Então, por ocasião dessa notícia, dessa decisão de equiparação dos tetos, a gente sentiu que os altos dirigentes da universidade estavam bastante imbuídos dessa causa, como deveria ser realmente. Então esse é o primeiro ponto a considerar: justa a luta. Só que a gente gostaria de ver um pouquinho desse empenho também voltado para a carreira dos meros mortais, né?, dos docentes que perfazem 80% do corpo docente da Universidade de São Paulo, que jamais vão se beneficiar desse aumento do teto, ou seja: que jamais vão atingir o tal do teto”.
 
Daí a forte rejeição às declarações da Reitoria, prossegue. “Nós temos dados coletados que mostram que infelizmente o jovem docente da USP está muito propenso a deixar a universidade, isso em 2018. Dada a condição do cenário macro hoje em dia, e o desprestígio da academia, esses números podem ser ainda maiores”, diz Gualano. “O que a gente quer mostrar para o reitor, e para os altos dirigentes da universidade, é que são necessárias mudanças urgentes na nossa carreira. A gente precisa voltar a progredir horizontalmente; recuperar os nossos salários, que foram corroídos pela inflação; e ter melhorias concretas que são elencadas na carta, que facilitem e tornem interessante nosso trabalho”.
 
É interessante notar que o documento surgiu de um modo sui generis: a partir de uma plataforma digital criada pela própria Reitoria — e tida como obsoleta frente às redes sociais de última geração. “Pela minha lembrança do que ocorreu na época, a lista de e-mails onde essa movimentação pela carta começou e se desenvolveu veio como alternativa a uma lista que a Reitoria criou. Esta lista da Reitoria incluía ‘jovens docentes’, termo definido como ‘contratados de 2009 a 2018’”, explica o professor João Marcelo Alves, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), em resposta a uma pergunta do Informativo Adusp sobre a origem da iniciativa.
 
“Muita gente achou aquilo estranho e pedia para sair, pedia explicações e assim por diante. Alguns acharam interessante ter uma lista assim, mas não sob o controle da Reitoria e nem de participação compulsória, então foi criada a lista ‘alternativa’ e dada a opção para os docentes de entrarem nela (o que uns 230 fizeram até o momento)”, diz o docente do ICB, que também figura entre os articuladores da carta.
 
Depois de “frenética movimentação inicial” na lista, prossegue Alves, foram meses de silêncio quase absoluto, até janeiro último. “A iniciativa da carta veio depois da nota da Reitoria mencionando que a recente decisão sobre o teto salarial era boa também porque o teto anterior seria desestimulante para os docentes iniciantes na carreira. Aí alguém mandou um comentário sobre isso na lista e a discussão começou. O ‘fogo’ aumentou quando saiu a reportagem na Folha de S.Paulo sobre aumento nas saídas de docentes; no parágrafo final dela, aparece de novo declaração do reitor sobre o teto antigo ser desestimulante para os jovens. Muitos acharam então que alguma resposta seria essencial”.

Carta é iniciativa importante, diz presidente da Adusp 

No entender do professor Rodrigo Ricupero, presidente da Adusp, a carta aberta e outras manifestações de desconforto dos docentes com a situação vigente na USP, como as registradas nos “encontros de docentes” promovidos pela Reitoria, merecem total apoio e confirmam tudo que o sindicato tem publicado nas suas mídias “e afirmado reiteradamente nas reuniões com a Reitoria e com o Cruesp”. Dessa forma, acrescenta, “é cada vez mais difícil para a Reitoria desqualificar as nossas manifestações como algo ‘inventado’ pela Adusp, e o mundo maravilhoso que a Reitoria gosta de apresentar vai se desfazendo”.
 
Ele lembra que os jovens professores enfrentam ainda uma série de problemas na universidade, “como o estágio probatório ‘agressivo’, como bem definiu um colega na Folha, e a atuação da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT); a dificuldade de ingresso nos programas de pós-graduação; a pressão para assumir tarefas de gestão” etc.  
 
“Espero que a iniciativa da carta ajude a sensibilizar a Reitoria e o Cruesp para a situação dos docentes, em especial nos níveis iniciais, pondo fim à política de arrocho salarial e gerando resultados concretos no próximo período”, afirma o professor Ricupero.

Íntegra da Carta Aberta ao Reitor

 
Por ocasião da decisão liminar do STF que equipara o salário de docentes das universidades estaduais de São Paulo às congêneres federais, com base no teto do funcionalismo federal, nós, docentes da Universidade de São Paulo, em sua maioria contratados a partir de 2009, publicamos esta carta para expressarmos preocupação com a evolução da carreira docente na USP.
 
Meritória é a luta pelo estabelecimento, para os professores das universidades estaduais paulistas, do teto já vigente em 23 dos 27 estados brasileiros de 92,25% do salário de um Ministro do Supremo Tribunal Federal. Entendemos que a equiparação dos salários pelo teto federal traz isonomia à carreira docente e restabelece a justiça remuneratória a professores que dedicaram suas vidas à ciência e à academia.
 
Em nota à comunidade, Vossa Magnificência alega que “o descompasso de remuneração ocasionado pela mencionada falta de isonomia vinha causando ‘fuga de cérebros’, comprometendo a excelência no ensino e na pesquisa das universidades paulistas e tornando a carreira desestimulante para os jovens docentes” (grifos nossos).
 
A decisão da equiparação consiste, de fato, em estímulo de longo prazo ao jovem docente. Vale ressaltar que em nosso atual plano de carreira, dado que incorporações de vantagens de caráter temporário não mais existem, apenas professores na categoria de associado 3 com 30 anos de carreira e titulares com 25 anos ou mais passariam do teto anterior, conforme tabela abaixo.
 
  Base
5 anos
10 anos
15 anos 20 anos 25 anos 30 anos
Doutor 1 11.069,17 11.622,63 12.176,09 12.729,55 15.496,84 16.142,54 16.788,24
Doutor 2
12.133,15 12.739,81 13.346,47 13.953,12 16.986,41 17.694,18 18.401,94
Associado 1 13.196,66 13.856,49 14.516,33 15.176,16
18.475,32
19.245,13
20.014,93
Associado 2 14.282,47 14.996,59
15.710,72
16.424,84 19.995,46 20.828,60 21.661,75
Associado 3 15.368,33 16.136,75 16.905,16 17.673,58 21.515,66 22.412,15 23.308,63
Titular 16.454,57 17.277,30 18.100,03 18.922,76 23.036,40 23.996,25 24.956,10
Governador 23.048,59            
 
Além disso, nossos horizontes de curto e médio prazo permanecem obscuros e desencorajantes. É o que revela levantamento realizado em 2018 com 152 docentes da USP ingressos entre 2009 e 2018*. Os dados indicam que quase 80% dos docentes estão “nada” ou “pouco” satisfeitos com seus salários e progressões de carreira. Cerca de 60% dos docentes entrevistados considera “muito” ou “razoavelmente” a possibilidade de deixar seu cargo na USP nos próximos anos, caso surjam oportunidades para tal. Esse levantamento sugere um risco iminente de diáspora de jovens talentos da Universidade, que pode ser agravado diante do atual processo de desinvestimento e desprestígio que acomete a academia e a ciência brasileiras. De fato, um levantamento recentemente publicado no jornal Folha de S.Paulo indica um aumento no número de colegas deixando a universidade.
 
Diante do quadro exposto, consideramos urgente e necessária a adoção de medidas de valorização da carreira do jovem docente tais como: retomar urgente e sistematicamente as progressões horizontais; reposição salarial tendo em vista as perdas inflacionárias dos últimos anos; implementação de um sistema de convênio médico para os docentes; reabertura e aumento de vagas nas creches para filhos de professores e funcionários; gestão junto à Fapesp para disponibilização de recursos e programas específicos de apoio aos novos docentes, lotados ou não em programas ou linhas de pesquisa novos; gestão junto ao governo do estado e aos bancos que têm agências na USP para abertura de crédito imobiliário integral aos docentes. Essas são apenas algumas ações possíveis.
 
Assim sendo, solicitamos à Vossa Magnificência, respeitosamente, que esforços sejam realizados na direção da valorização dos estágios iniciais da carreira docente. Entendemos que, sem eles, a retenção de talentos também fica comprometida. Comprometimento esse, no mínimo, tão importante quanto o gerado pelo corte salarial dos nossos colegas seniores até o presente momento.
 
Renovamos nossos votos de estima e aguardamos retorno.
 

* O levantamento foi realizado com uma amostra de conveniência composta por docentes ingressos entre 2009 e 2018, recrutados a partir de lista de e-mail criada pela Reitoria. Os docentes receberam o convite para preencher o questionário, com a orientação de fazê-lo por uma única vez. Também solicitamos aos participantes que disseminassem o questionário aos colegas de suas Unidades que se enquadrassem no perfil (ingresso entre 2009 e 2018). O anonimato dos docentes foi preservado. As questões foram elaboradas por um único docente, com revisão e modificação sugerida por outros três. O questionário foi aplicado via plataforma Google.
 

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