O Diário Oficial do Estado de São Paulo de quarta-feira (1/2) publicou despacho do reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., de 31/1/2023, que autoriza e torna oficial a cessão de nada menos do que 522 servidoras e servidores celetistas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC), os quais passaram, a partir de 1o/2, “a prestar serviços no Hospital das Clínicas de Bauru-HCB”, onde atuam sob as ordens de gestores privados designados pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Faepa).

A Faepa receberá do governo estadual a quantia de R$ 309 milhões para gerir o novo HCB por cinco anos, conforme estabelece contrato firmado sem licitação pelo governo Rodrigo Garcia (PSDB). Mas ao longo desse período a força de trabalho de 522 servidora(e)s que atuavam no HRAC continuará a ser remunerada pela USP e não pela Faepa, o que é um excelente negócio para a fundação privada.

O despacho do reitor da USP determina que, considerado “o disposto no artigo 2º e no Anexo único da Portaria GR 7.784/2022, e tendo sido formalizados os respectivos Termos de Anuência”, as atividades de servidoras e servidores do HRAC cedida(o)s ao HCB “poderão ser mantidas durante todo o prazo de vigência do Acordo de Cooperação Técnica firmado em 29/12/2021, entre o Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Saúde, e a Universidade de São Paulo (processo SES-PRC-2021/53507-A), não se aplicando o disposto no artigo 6º da Portaria GR 7.680/2021, ou em normativa que vier a substituí-la”.

Assim, para garantir a cessão gratuita de força de trabalho da USP para uma fundação privada, a Reitoria atropela uma outra norma em vigor da própria USP. Afinal de contas, o artigo 6º da Portaria GR 7.680/21 determina o seguinte: “O afastamento de servidor técnico-administrativo para prestar serviços em outros órgãos/entes públicos poderá ser autorizado: I – com prejuízo dos vencimentos; ou II – sem prejuízo dos vencimentos, que poderá ser condicionado ao reembolso das despesas com vencimentos e encargos”.

Como o afastamento se deu de forma compulsória, uma vez que as(os) servidora(e)s do HRAC foram alvo de pressões e coação da Reitoria para que assinassem o Termo de Anuência à transferência para o HCB, conforme vinha sendo noticiado pelo Informativo Adusp, obviamente não haveria a menor condição de se falar em “prejuízo de vencimentos”, e, se fosse adotado o “reembolso das despesas com vencimentos”, tal reembolso deveria ser responsabilidade do governo estadual. Desse modo, o reitor resolveu o imbroglio declarando que o artigo 6º da Portaria GR 7.680/21 simplesmente “não se aplica”.

No dia 31/1, as poucas pessoas, entre a(o)s servidora(e)s do HRAC, que não concordaram em assinar o Termo de Anuência foram avisadas pelo Departamento de Recursos Humanos (DRH) que não poderiam mais trabalhar ali, porque a partir de 1o/2 a Faepa assumiria o controle do hospital, conhecido em Bauru como “Centrinho”. Cláudia Carrer, funcionária do HRAC e diretora do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) que se recusou a trabalhar sob as ordens da Faepa, foi uma dessas pessoas.

“Como eu consegui a vaga de auxiliar administrativo em Bauru, me chamaram para estar às 9 horas no DRH, porque eu seria apresentada aos novos chefes”, relata Cláudia. “Assim eu fiz. Vim, fui apresentada, estou aqui alocada na triagem, na urgência da Faculdade de Odontologia (FOB), um serviço tranquilo, um pessoal maravilhoso, não tenho do que reclamar”. Porém, explica, bem diferente é a situação de quem só conseguiu vagas em unidades da USP fora de Bauru.

“A Reitoria mandou que os funcionários que escolheram ir para outras cidades ficassem em casa, aguardando a Reitoria convocá-los. Quanto aos funcionários que não assinaram nem para ir para outra cidade, nem para ir para a Faepa, também mandaram ficar em casa. Mandaram essas pessoas ficarem em casa até a Reitoria decidir o que fazer”, protesta Cláudia.

É o caso do médico Edson Nakayama, “Dr. Edson”, clínico geral do HRAC, abruptamente impedido de trabalhar depois de quarenta anos de serviços prestados à USP. “A universidade decidiu que o Dr. Edson deve ficar em casa e o ambulatório fica sem médico à tarde”, indigna-se a diretora do Sintusp. “Mandam ligar para a UTI se precisar de médico. Mas as duas médicas da UTI estão dando aulas no curso de Medicina da FOB. Não tem médico! O único que tem está no centro cirúrgico, operando. Se acontecer algo grave, a pessoa morre. Essa é a realidade do Centrinho, infelizmente”.

Pacientes operados transportados de maca à noite, “para que ninguém visse”

A diretora do Sintusp denunciou ao Informativo Adusp uma conduta irresponsável da Faepa, relacionada ao transporte de pacientes entre o Prédio 1, antigo (“Centrinho”), e o Prédio 2, onde funciona o HCB. “Cirurgias foram realizadas no centro cirúrgico do HRAC pela Faepa, porque o centro cirúrgico do HCB precisa de reforma, e é uma reforma grande. Após a operação, os pacientes foram levados para o HCB. Só que os leitos do HCB são muito distantes do centro cirúrgico do Centrinho. Paciente teve que passar em local aberto, do lado de grama”, relata. “É uma coisa inacreditável, mas aconteceu. Eles fizeram o transporte de dois pacientes no período da noite, para que ninguém visse, mas a gente tomou conhecimento”.

Nesta quinta-feira (9/2), em reunião do Conselho Deliberativo do HRAC, a experiente técnica de enfermagem Elaine do Amaral Godoi, representante do(a)s funcionário(a)s, pediu a palavra e denunciou o fato oficialmente ao colegiado. “Nós temos que urgentemente conversar com a Faepa e resolver uma questão muito séria. Nós já tivemos três pacientes que foram transportados em maca para a UTI da Faepa. Paciente de 120 kg, tendo que ser ambuzado [amparado com respiração artificial] no transporte, com torpedo de oxigênio, que é pesado. Foram sete pessoas para transportar esse paciente”, relatou no Conselho Deliberativo, na presença do ainda superintendente do HRAC, e vice-diretor da FOB, Carlos Ferreira dos Santos.

“Esses dias agora foram duas enfermeiras de mais de 50 anos empurrando uma maca numa rampa. Quando voltou, a enfermeira não estava aguentando de dor nas costas. Precisou ir embora, tomar analgésico, por causa de muita dor”, prosseguiu Elaine. “Não foi conversado que a Faepa vinha com tecnologia, com modernidade, com tudo isso? Pode ser que eles estejam preparando. Mas enquanto não prepara, não vamos fazer. Então eu peço a esse conselho que intervenha. Eles [Faepa] têm que resolver isso e não ficar transportando paciente na frente de todo mundo, passando ambuzado dentro de corredor. Não é cenário de guerra. Que isso não se repita, porque não está certo”.

Além de criticar, na reunião, o uso do vocábulo “anuência” para designar a adesão da maior parte do corpo funcional do HRAC à transferência para o HCB (“As pessoas assinaram porque precisavam dos empregos. Não teve escolha, não teve opção”), a representante do(a)s funcionário(a)s registrou sua revolta frente ao modo como a administração lidou com a situação do Dr. Edson.

“Ele recebeu um telefonema dizendo que no dia seguinte não era para entrar mais no Centrinho, que estava encerrada a participação dele aqui. Onde estavam as pessoas que deveriam chamá-lo e dizer com todo cuidado, com todo amor, ‘Infelizmente o sr. não assinou’? Mas não! Foi por telefone. O homem desmontou, ficou abatido. Foi uma choradeira, uma tristeza. Onde está o respeito a essas pessoas que dedicaram uma vida inteira à universidade?”.

O HRAC, que vem sendo literalmente desmontado pelas gestões V. Agopyan-A. Hernandes (2018-2021) e Carlotti Jr.-Maria Arminda, tornou-se, ao longo de décadas de atuação nas quais atendeu mais de 100 mil pacientes do Brasil e da América Latina, uma referência internacional no tratamento e correção de fissuras labiopalatinas e outras anomalias do crânio e da face, e era um elogiado centro interdisciplinar de pesquisas e de tecnologia aplicada.

Carlotti Jr., que se nega a rediscutir no Conselho Universitário a chamada “desvinculação do HRAC” (imposta em 2014 pela gestão M.A. Zago-V. Agopyan), é docente da FMRP e foi presidente do Conselho de Curadores e Administração da Faepa (2013-2016).

EXPRESSO ADUSP


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