Em discurso de posse, novo presidente da Adusp aponta necessidade de conciliar renovação e respeito à história da entidade
Mesa foi composta por representantes do Fórum das Seis (Foto: Daniel Garcia)

A nova Diretoria da Adusp para o período 2025-2027 tomou posse em cerimônia realizada na última sexta-feira (27 de junho) no auditório Adma Jafet do Instituto de Física (IF), na Cidade Universitária. A cerimônia foi conduzida pela professora Michele Schultz, presidenta nas duas últimas gestões, que entregou o cargo ao professor Márcio Moretto Ribeiro, docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), assim como Michele.

Em seu discurso, o novo presidente falou de sua trajetória na USP, em que ingressou como aluno em 2002 e da qual se tornou professor em 2013. “Eu nem imaginava, quando era estudante, que algum dia viria a ser professor. Era uma coisa muito distante. E quando passei, não foi nada menos do que um sonho que se realizou”, disse. “Eu tinha muito orgulho de estar entrando como professor na maior universidade do país. Tenho muita clareza da importância que essa universidade tem e do papel que ela cumpre, não só no Brasil.”

Aos poucos, porém, o então novo docente passou a ter contato com coisas que não esperava, como a necessidade de ter que se inscrever num edital para ter uma sala e em outro para receber um computador.

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Márcio Moretto e Michele Schultz: mobilização é desafio

“O que é curioso, e até irônico, é que de certa forma a primeira experiência que eu chamaria de institucional na USP foi no sindicato”, relatou. “Tem algo que está de ponta-cabeça, mas temos que entender que a gente está vivendo nesse mundo de ponta-cabeça, em que aquilo que a gente antes chamava de instituição está se precarizando. Eu não identifico mais o que eu esperava de uma instituição nessa instituição. E são as entidades que me apresentaram o que é o que eu esperava de instituição.”

Moretto apontou que vê na Adusp uma instituição não porque a entidade esteja presa a formalidades burocráticas, mas “porque me oferece continuidade, me oferece vínculo e me oferece um sentido de coletivo”.

É importante reafirmar a importância de entidades como a Adusp, salientou, porque “sem estruturas capazes de articular os interesses diversos, sustentar acordos duradouros e garantir mediações legítimas não há como existir coordenação coletiva nem proteção de direitos”. “A Adusp organiza as demandas dos docentes enquanto trabalhadores”, disse.

É preciso acolher e organizar demandas vindas do corpo docente

Entre os desafios que identifica, o professor citou a necessidade de conciliar a ação coletiva e a representação de pessoas com histórias, posições e expectativas distintas, além de receber novos integrantes sem desconsiderar a experiência de diretores(as) que construíram a entidade ao longo de cinco décadas e o trabalho dos(as) funcionários(as) que tocam as demandas do dia a dia.

Moretto também apontou o risco de que reivindicações que surjam no meio docente acabem sendo encaminhadas às margens das instâncias representativas. “Se isso se acumula, pode até ameaçar a legitimidade da entidade, principalmente quando cresce a sensação de que os processos internos são lentos, fechados ou distantes dos problemas reais dos nossos colegas. Valorizar os níveis iniciais da carreira, reconhecer as desigualdades provocadas pelas reformas previdenciárias e melhorar nossa comunicação são exemplos do que eu entendo que são pautas legítimas. Se a gente não escuta e organiza essas demandas, elas viram uma força desagregadora contra nós”, disse.

Na sua avaliação, é por essas razões que as instâncias de representação, as assembleias, o Conselho de Representantes e os grupos de trabalho, com regras claras e processos democráticos, são tão importantes. “Eles não são entraves burocráticos, são garantias de que a participação acontece de forma pública, responsável e transparente”, apontou.

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Posse foi acompanhada por vários(as) ex-diretores(as) da Adusp

“Defender a Adusp não é deixar de criticá-la, é apostar na possibilidade de mudanças responsáveis, que tornem mais permeáveis às novas gerações as suas linguagens e expectativas, sem abrir mão da estabilidade do acúmulo construído ao longo do tempo”, afirmou.

O novo presidente enfatizou ainda que a relação da entidade com a Reitoria é tensa por natureza, e que cabe à Adusp denunciar cortes, exigir investimentos, pautar o financiamento da educação superior e defender a autonomia universitária, além de manter a atuação em articulação com outras identidades.

Trabalho e dificuldades, mas também prazer e paixão

Moretto se emocionou ao mencionar que, há dois anos, pouco antes de assumir o cargo de tesoureiro da Diretoria da Adusp, passou por um momento pessoal bastante difícil e usufruiu da possibilidade de licença sindical remunerada. O novo presidente se disse muito grato aos e às colegas que o ajudaram no período da licença “para cuidar de mim, e nos semestres que se seguiram eu tentei compensar isso retribuindo, me dedicando mais à entidade”.

Em relação à presidência da Adusp, Moretto disse esperar estar à altura da história da entidade. “Quero honrar essa confiança, cuidar dos nossos funcionários e corresponder à expectativa dos filiados”, afirmou.

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Plateia saudou nova Diretoria

“Quero pedir para a nova Diretoria não me deixar errar sozinho. E quero terminar dizendo que eu não aceitei esse convite só por dever. Aceitei também porque quero me divertir com isso”, disse. De acordo com o novo presidente, mesmo com todo o trabalho e as dificuldades enfrentadas ao longo de quase cinquenta anos de existência, as pessoas que construíram a Adusp viveram também um processo divertido, no qual há prazer e paixão.

“E eu quero viver um pouco isso também. Queria que a gente se divertisse para que quem sabe outras pessoas possam nos olhar e falar que também querem participar”, concluiu, bastante emocionado.

Conjuntura política nacional e pandemia foram desafios do período recente

A sessão foi aberta com a manifestação da professora Michele Schultz, que deixava o cargo, após quatro gestões na Diretoria da entidade: duas na vice-presidência e duas na presidência.

Michele recordou que já em sua primeira participação, na gestão eleita em 2017, com a presidência do professor Rodrigo Ricupero, a entidade tomou uma decisão difícil no contexto das eleições gerais de 2018, ao aderir ao movimento #EleNão!

“Tudo o que veio depois mostrou que foi uma decisão muito acertada. E, logo no início de 2019, a gente já se viu nas ruas, tendo de combater uma série de políticas do governo Bolsonaro-Mourão, que elegeu a educação e as universidades como alvos”, relatou.

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Nova Diretoria foi empossada em cerimônia no IF

Em 2019, a gestão foi reeleita e enfrentou a partir do ano seguinte os desafios da pandemia da Covid-19 e toda a luta para garantir o atendimento e o acolhimento dos(as) estudantes e os direitos dos(as) docentes em meio às medidas impositivas adotadas pela Reitoria de Vahan Agopyan e resumidas sob o slogan “A USP não vai parar”.

No contexto nacional, seguiam “as políticas antissociais, antidemocráticas e negacionistas do governo Bolsonaro”. “Foi um momento muito difícil, de muitas horas em frente ao computador, não só para dar conta das atividades acadêmicas, mas também das atividades sindicais. Fazer assembleia remota foi um grande desafio. Foi um período muito conturbado”, lembrou Michele.

Nas eleições gerais de 2022, houve novo debate sobre a postura da entidade, que decidiu manifestar apoio às candidaturas de Fernando Haddad ao governo estadual e de Lula ao governo federal, em contraposição, respectivamente, a Tarcísio de Freitas e à reeleição de Jair Bolsonaro. “Ajudamos a construir frentes, movimentos, atos para denunciar o que estava sendo aquele governo e para, de alguma forma, contribuir com a não reeleição do Bolsonaro”, disse.

Entidades devem trabalhar para ampliar participação e mobilização

Michele Schultz também recapitulou as campanhas salariais no período, no qual em boa parte acumulou as tarefas como diretora da Adusp e a coordenação do Fórum das Seis. Foi um momento marcado pelo congelamento de reajustes, de concessão de qualquer benefício e de contratações determinado pela Lei Complementar (LC) 173/2020, baixada pelo governo Bolsonaro para o enfrentamento da pandemia.

Em 2022, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) concedeu um reajuste de 20,67%, “fruto da pressão do Fórum das Seis e de todas as reuniões que a gente vinha fazendo”, considera.

Em 2023, pela primeira vez, a delegação do Fórum das Seis foi composta por uma maioria de mulheres numa reunião de negociação com o Cruesp. “Foi uma negociação exitosa porque a gente estava com uma mobilização pequena, mas conseguimos sair de uma proposta inicial do Cruesp de 5% para 10,51%”, avalia.

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Confraternização foi realizada no Grêmio do Ipen/CTMSP

“Continuamos com esse desafio da baixa mobilização e participação. Porque, é óbvio, o Fórum das Seis tem um papel importantíssimo ali, mas, sozinhos e sozinhas, a gente não consegue de fato pressionar o Cruesp. Esse tem sido um desafio não só para a Adusp e as entidades do Fórum, mas para as entidades em geral”, afirmou. A necessidade de reforçar a mobilização das categorias, por sinal, foi destacada nas falas de outros(as) oradores(as) durante a cerimônia.

A presidenta que deixava o cargo mencionou também o avanço das vertentes neoliberais e favoráveis a práticas privatistas nas universidades, e desejou que a nova Diretoria tenha o apoio das bases para seguir na defesa da universidade pública, gratuita, com financiamento público adequado, laica e socialmente referenciada.

Michele Schultz fez questão de agradecer aos e às dirigentes da Adusp ao longo dos seus quase cinquenta anos de existência, que serão completados em 2026. Entre os(as) ex-diretores(as) presentes estavam Adriana Tufaile, Américo Kerr, César Minto, Ciro Teixeira Correia, Francisco Miraglia, Kimi Tomizaki, Lucília Borsari, Marcos Nascimento Magalhães, Osvaldo Coggiola e Rosângela Sarteschi. A professora agradeceu também aos e às funcionários(as) da entidade.

“Uma Adusp forte se reflete em todas as entidades”, diz presidenta da Adunicamp

Representantes das entidades do Fórum das Seis se manifestaram para registrar o reconhecimento à gestão que se encerrava e saudar a Diretoria que tomava posse.

Silvia Gatti, presidenta da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) e atual coordenadora do Fórum das Seis, agradeceu a Michele pelo seu trabalho à frente da Adusp e no coletivo de entidades.

“O Fórum conseguiu chegar a consensos e concluir as coisas de uma maneira muito clara, muito objetiva. Então, temos que agradecer a você por tudo isso”, disse.

Silvia Gatti também mencionou a importância da renovação nos quadros de direção das entidades. “Nós precisamos dessa juventude, precisamos trazer pessoas”, afirmou. “Precisamos sentir o que os jovens sentem hoje nas universidades e buscar caminhos para que a gente traga os nossos docentes e servidores de volta para todas as entidades do Fórum.”

A professora desejou sucesso à nova gestão e disse ainda que “uma Adusp forte se reflete em todas as entidades”.

João Carlos de Oliveira, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Unesp (Sintunesp), ressaltou que os(as) ex-diretores(as) da Adusp “sempre foram exemplos e mestres, não só sindicais, mas de vida”.

Oliveira mencionou também as situações de machismo enfrentadas por Michele em sua militância no próprio coletivo de entidades, nas reuniões com o Cruesp e em outros ambientes, como as discussões em audiências públicas na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

A professora concordou com a observação. “De fato, esse é um desafio para as mulheres que estão na militância, no meio sindical, no meio acadêmico como um todo. Muitas vezes desqualificam o nosso trabalho e questionam a nossa competência”. A gestão que tomou posse é a 26ª da história da Adusp, e houve apenas três mulheres na presidência.

Américo Kerr, presidente da Adusp na gestão 2003-2005, enfatizou que a gestão que assumiu a Diretoria “é uma continuidade do projeto de luta política que nós tivemos ao longo desses anos todos”.

Mais do que nunca, afirmou, “é importante nós fortalecermos o estilo de luta que a gente travou ao longo do tempo, que é a defesa dos serviços públicos gratuitos de qualidade de educação, saúde, a defesa de uma sociedade republicana democrática”.

“Nós estamos aí com o fascismo brotando por todos os cantos, e o fascismo lida com as massas. É essencial a nossa luta nos sindicatos e fortalecendo os movimentos sociais para mostrar à população o que está em jogo, porque o que está em jogo hoje aqui é descarado”, prosseguiu.

Também se manifestaram Alexandre Pariol e Claudionor Brandão, diretores do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp); Elisiene Lobo, diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU); e Denise Rykala, do Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza (Sinteps).

Depois da cerimônia, houve uma confraternização em clima de festa junina no Grêmio dos Funcionários do Ipen/CTMSP.

Conheça a nova Diretoria da Adusp

A composição da nova Diretoria da Adusp é a seguinte: Márcio Moretto Ribeiro (EACH) – presidente; Fabiana Augusta Alves Jardim (FE) – 1ª vice-presidenta; Marcelo Machado De Luca de Oliveira Ribeiro (FZEA) – 2º vice-presidente; Élvio Rodrigues Martins (FFLCH) – 1º tesoureiro; Pierluigi Benevieri (IME) – 2º tesoureiro; Renata Hydee Hasue (FM) – 1ª secretária; Marcos Bernardino de Carvalho (EACH) – 2º secretário; Annie Schmaltz Hsiou (FFCLRP) – diretora regional de Ribeirão Preto; Célia Regina Orlandelli Carrer (FZEA) – diretora regional de Pirassununga; Eliel Soares Orenha (FOB) – diretor regional de Bauru; Marcelo Zaiat (EESC) – diretor regional de São Carlos; Gabrielle Weber Martins (EEL) – diretora regional de Lorena; Paulo Eduardo Moruzzi Marques (Esalq) – diretor regional de Piracicaba.

EXPRESSO ADUSP


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