Carreira docente
A “defesa intransigente da democracia” ainda é só um discurso
Em portaria emitida no dia 14/12/2022, o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior designou um grupo de professores e professoras da USP para compor “Grupo de Estudos sobre a Carreira Docente e Regimes Previdenciários Docentes, com o objetivo de elaborar propostas fundamentadas que possam contribuir para a reestruturação da Carreira Docente”.
Integram o grupo a pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lúcia Duarte Lanna (coordenadora); a pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária, Marli Quadros Leite; Cibele Mana Russo Novelli, diretora da área de Formação e Vida Profissional da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP); Amaury José Rezende, diretor-geral do Departamento de Administração da USP; Rodrigo Bissacot Proença, representante da(o)s professora(e)s associada(o)s no Conselho Universitário (Co); Marcus Orione Gonçalves Correia, docente da Faculdade de Direito; e Aline Martins de Carvalho, suplente da representação de professora(e)s doutora(e)s no Co.
De acordo com a portaria, o Grupo de Estudos deverá apresentar um relatório com suas propostas até o próximo dia 14/3.
Causa profunda estranheza que a entidade representativa da categoria docente da universidade, a Adusp, não tenha sido convidada a integrar esse grupo.
Em reunião com o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior e a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda no dia 23/11/2022, a Diretoria da Adusp manifestou expressamente o seu desejo de participar das discussões sobre o tema, uma vez que já circulavam informações sobre a intenção da Reitoria de criar um grupo para discutir a reestrututação da carreira docente, o que foi confirmado pelo reitor na ocasião.
Lamentavelmente, como se viu, o sindicato não foi convidado a integrar o grupo.
Essa postura da Reitoria desrespeita a Adusp não só pelo seu caráter de entidade que representa toda(o)s a(o)s docentes da universidade, mas também desconsidera o papel histórico desempenhado pelo sindicato na formulação de propostas para a carreira docente, incluindo a desvinculação da carreira da estrutura de poder, e na defesa dos interesses da(o)s servidora(e)s das universidades estaduais paulistas, por meio da atuação do Fórum das Seis.
O Fórum das Seis, por sinal, há tempos defende a necessidade de valorização dos níveis iniciais das carreiras da(o)s servidora(e)s nas universidades estaduais, reivindicação contida, por exemplo, na Pauta Unificada de 2022 encaminhada ao Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).
Surpreendentemente, a Diretoria da Adusp foi informada pelo próprio reitor, em reunião realizada no dia 10/3/2022, ainda no início da gestão Carlotti-M. Arminda, que a Reitoria da USP não tinha conhecimento dessa e de outras propostas apresentadas pelo Fórum das Seis. Os documentos foram reencaminhados pela entidade no dia seguinte.
Ao lado de suas congêneres na Unicamp e na Unesp, a Adusp construiu em 2021 um conjunto de propostas de valorização dos níveis iniciais da carreira docente, apresentado para estimular o debate na categoria e também encaminhado ao Cruesp. Novamente, os reitores não levaram em consideração essas propostas concretas – e factíveis, dada a realidade de baixo comprometimento com a folha de pagamento que vem sendo obtido nos últimos anos às custas do arrocho salarial.
A Diretoria da Adusp manifesta sua preocupação com propostas que vêm sendo apresentadas em diversos fóruns, como a vinculação de remuneração adicional a editais baseados em critérios de “excelência”, sempre discutíveis, comprometidos pelo viés do discurso meritocrático e pouco transparentes.
Outra proposta sugerida é a adoção de um “pró-labore” como contrapartida para obtenção de financiamento, inclusive de empresas, no Brasil e no exterior. Essa ideia, além de incentivar a competição entre colegas e contribuir para a desigualdade entre departamentos e unidades, contribui para desresponsabilizar o poder público da sua função de financiar a educação pública. Como a proposta anterior, trata-se de uma iniciativa que tem potencial para produzir novas e indesejáveis quebras na isonomia.
A exclusão da Adusp do Grupo de Estudos é mais um episódio a demonstrar que o discurso que prega a democracia na gestão da universidade ainda se presta muito mais a fins de propaganda institucional do que como prática adotada intramuros.
Tal discurso foi reforçado mais uma vez nesta semana com a publicação na Folha de S. Paulo de um artigo intitulado “Universidades e a defesa intransigente da democracia”, no qual os reitores da USP, Unesp e Unicamp afirmam que, “cientes do papel que lhes cabe”, as universidades estaduais paulistas “manterão o seu protagonismo na defesa intransigente da democracia e dos princípios que as norteiam”.
O artigo faz referência aos ataques promovidos por bolsonaristas às sedes dos três poderes, em Brasília, no último dia 8/1.
Logo no dia seguinte, a Reitoria da USP promoveu, no salão nobre da Faculdade de Direito, um “Ato em Defesa da Democracia”, para o qual foram convidados representantes das mais diversas organizações, ligadas ou não à universidade.
A Adusp, entidade que representa a(o)s docentes da USP, não foi convidada a se pronunciar no ato, o que também ocorreu na manifestação em que foi lida a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros”, em 11/8/2022.
Nas duas ocasiões, embora não tenha sido convidada a se manifestar, a Adusp encaminhou à mesa comunicado sobre a presença de representantes da sua Diretoria para que pelo menos esse registro fosse feito publicamente.
Diversas organizações e entidades tiveram seu nome e sua presença anunciadas nos microfones, mas em ambas a Adusp foi preterida.
Se a democracia deve ser defendida intransigentemente na universidade – e deve, sem dúvida –, tal prática precisa necessariamente ser levada a efeito com o respeito às entidades que representam docentes, servidora(e)s técnico-administrativa(o)s e estudantes da USP.
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