Conjuntura Política
Comissão Especial adia votação da PEC 32 para 21/9, ao passo que funcionalismo público redobra pressão sobre a Câmara dos Deputados
A Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa a proposta de “reforma administrativa” do governo Bolsonaro (PEC 32/2020) adiou para terça-feira (21/9) a votação do parecer do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA). Inicialmente, a votação estava prevista para esta quinta-feira (16/9). Segundo relatou a Agência Câmara de Notícias, a discussão sobre o substitutivo de Maia foi encerrada nesta quarta-feira (15/9).
O adiamento da votação propiciou uma importante pausa para que as entidades que representam o funcionalismo público e o(a)s parlamentares dos partidos de esquerda redobrem os esforços contra a PEC 32/2020. “Graças à pressão dos servidores, a apresentação do relatório foi adiada para a semana que vem. Nesse meio tempo é importante intensificar a mobilização para derrotarmos de vez esse projeto destruidor dos serviços públicos”, comentou no Twitter a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP). Durante a semana, a movimentação do funcionalismo se estendeu ao aeroporto de Brasília, onde um grupo de 200 manifestantes buscou convencer os parlamentares que desembarcavam a votar contra a PEC 32/2020.
“Será apresentado um novo relatório até amanhã, sexta-feira, até as 18 horas. Nós teremos um prazo de estudo, de apresentação de novos destaques, até segunda-feira às 18 horas, e na terça-feira pela manhã será dado início ao processo de votação na Comissão [Especial]”, explicou em áudio o deputado federal Alencar Santana (PT-SP). “Isso é importante porque no novo relatório foram colocadas matérias totalmente estranhas aos debates realizados na Comissão. É importante que essa mobilização continue se intensificando nos próximos dias, pressionando os deputados. Eles estão com dificuldades, por que não na terça-feira a gente derrotar, colocar uma pá de cal de vez nessa desastrosa PEC 32?”.
Para o relator Maia, o ponto principal do relatório é a manutenção da estabilidade para todos os servidores, que também continuarão no regime jurídico único (RJU). “Apenas deputados da oposição participaram dos debates nesta quarta-feira. Alguns chegaram a reclamar da ausência de parlamentares da base governista para defender a proposta”, informa a Agência Câmara de Notícias. As principais críticas da oposição foram dirigidas aos dispositivos que permitem o aumento de contratações temporárias e aos instrumentos de cooperação com a iniciativa privada. “Os deputados da oposição temem que essas mudanças levem à redução dos concursos públicos e à diminuição de servidores estáveis. O deputado Rogério Correia (PT-MG) apresentou voto em separado da bancada do PT, em que recomenda a rejeição da PEC, com a aprovação de outra emenda substitutiva”.
A PEC 32/2020 já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, onde teve a admissibilidade aprovada. “Depois que tiver sua análise concluída na Comissão Especial, o texto seguirá para o Plenário, onde precisa ser votado em dois turnos. Em seguida, será encaminhado para o Senado”, conclui a Agência Câmara de Notícias.
“Não queremos negociação. Queremos a derrubada da PEC”, diz Zuleide Queiroz, do Andes-SN
“O novo texto retira da proposta anterior a redução de 25% [de jornada e salário] e a revisão sobre as formas de contratação, mas dá amplos poderes à polícia, por exemplo. Estamos dizendo não a esse texto também, pois qualquer mudança que seja promovida por esse governo será prejudicial aos serviços públicos, aos servidores e às servidoras e à população brasileira”, disse a professora Zuleide Queiroz, 2ª vice-presidenta do Andes-Sindicato Nacional.
Em Brasília desde segunda-feira (13/9), junto com uma delegação de diretores e diretoras nacionais e representantes das seções sindicais do Andes-SN, Zuleide lembrou também da importância da mobilização dos docentes e demais servidore(a)s público(a)s nos Estados para barrar a PEC 32/2020. “É importante que façam pressão junto aos deputados e às deputadas dos seus Estados. Não queremos a negociação desse texto. Queremos a derrubada dessa PEC”, enfatizou.
“É muito importante que estejamos mobilizados e mobilizadas nos próximos dias, nos estados e aqui em Brasília, especialmente na segunda e na terça, pressionando pela derrubada dessa proposta. Vamos juntos! Vamos derrubar a PEC 32!”, conclamou a 2ª vice-presidenta nacional do Andes-SN. A Jornada de Lutas contra a PEC foi construída pelo Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) em conjunto com o Fórum das Centrais Sindicais.
A Aliança Nacional das Entidades Representativas dos Servidores Públicos, constituida por cinco grandes entidades nacionais — Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam), Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal (Fenasepe), Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (
“É, antes de tudo, resultado da pressão dos servidores que se espalha pelo país nos municípios, estados e união. Mesmo as negociações com a ‘bancada da bala’ não foram suficientes para dar segurança ao governo, ao presidente da Câmara e ao relator do projeto a ponto de colocarem o relatório em votação”, destaca a nota. “Em matéria do Correio Braziliense, [Arthur] Lira confessa que adiou a votação da reforma administrativa para não errar no placar e justifica dizendo que não há como garantir a aprovação da PEC, que precisa de, no mínimo, 308 votos favoráveis no Plenário, em votação em dois turnos. É a crise do governo Bolsonaro que ecoa na Câmara”.
A campanha “Diga não à reforma administrativa” produziu o site Na Pressão, que fornece subsídios e material para a mobilização digital contra a PEC 32/2020, que vem sendo intensa. Em São Paulo, o Fórum das Seis, que articula os sindicatos da USP, Unesp, Unicamp e Centro Paula Souza, está participando ativamente da movimentação para derrotar a proposta elaborada pelo ministro Paulo Guedes (confira aqui o Boletim de 13/9).
Voto em separado aponta insuficiência de informações na exposição de motivos
O voto em separado do deputado Rogério Correia faz um retrospecto da tramitação da PEC e aponta os problemas contidos tanto no texto original como no substitutivo apresentado pelo relator da Comissão Especial. “Diante da notória insuficiência de informações e dados constantes na Exposição de Motivos justificadora da proposta – visto que veio desacompanhada do estudo de impacto financeiro orçamentário, inclusive da memória de cálculo (microdados), prognósticos e demonstração da repercussão das mudanças no cumprimento das obrigações do Estado – os pedidos de oitiva de representantes do governo-autor, de entidades de representação de carreiras afetadas e de especialistas, em audiências públicas, se sustentavam na responsabilidade do Poder Legislativo analisar a matéria com elementos fáticos e materiais necessários à formação segura do juízo de convencimento e formação do voto de cada parlamentar na etapa inicial de tramitação da matéria na Câmara dos Deputados”, inicia o documento.
Antes mesmo do fim das audiências públicas agendadas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), prossegue, seu relator, deputado Darci de Matos (
Isso porque o relator na CCJC reconheceu afronta às limitações dispostas no §4º do artigo 60 da Constituição Federal, para inadmitir a alteração pretendida em três pontos: 1) no caput do artigo 37 da Constituição Federal, suprimindo todos os oito supostos novos princípios que desfiguravam o papel do Estado e as funções da administração pública; 2) na alínea “d” do inciso VI do artigo 84, por ofensa à separação de Poderes, pois outorgava poderes exclusivos ao presidente da República para extinguir, transformar e fundir “entidades da administração pública autárquica e fundacional”; e 3) no inciso XVI do artigo 37 da Constituição, por ofensa a direitos fundamentais dos servidores.
Uma vez encaminhada a PEC à Comissão Especial, diz o voto em separado, foram realizadas audiências públicas temáticas, “infelizmente, sem presença física dos atores sociais envolvidos e atingidos no processo, tendo em vista a realização remota das atividades, o que esvaziou o debate em torno da matéria, em que pese parlamentares e a sociedade terem encontrado mecanismos de amplificação de suas contrariedades quanto ao conteúdo e de seus questionamentos sobre a inconveniência do momento para tramitar uma matéria desta envergadura”. E, após “árduo trabalho de coleta de assinaturas”, foram apresentadas 62 emendas à PEC 32/2020.
Substitutivo do deputado Maia ainda traz graves prejuízos para o serviço público e o Estado
Ainda segundo o documento apresentado pelo deputado Correia, após as audiências públicas o relator na Comissão Especial, deputado Maia, apresentou parecer com substitutivo, com diversas alterações no texto original da PEC. “Registre-se que o relator manteve o Regime Jurídico Único atualmente existente, eliminando as cinco novas formas de vínculo constantes no texto original da PEC, preservou o regime próprio de previdência dos servidores, excluiu referências a temas de natureza orçamentária ou mesmo do trato da atuação estatal nas atividades econômicas. Porém, realizou uma série de alterações importantes e trouxe inovações que estarão a seguir delineadas, mantendo, todavia, fragilidade à estabilidade dos servidores, ampliação das hipóteses de trabalho temporário na prestação de serviços públicos, o mecanismo para privatização dos serviços públicos e forte neutralização das vantagens/benefícios conquistados por empregados públicos nas negociações coletivas”.
O relator, diz o voto apresentado por Correia, afirma ainda que aprovou integralmente a emenda 10 (preservação dos atuais servidores) e parcialmente a emenda 14 (substitutiva global), ambas de autoria do PT. “No entanto, conforme se verá, seu substitutivo contém vários dispositivos que afetam diretamente os direitos dos atuais servidores e não contemplou o propósito principal das emendas”.
No entender do voto em separado apresentado pelo parlamentar mineiro, “o conteúdo da PEC 32/2020 representa graves prejuízos ao sistema constitucional vigente, riscos de precarização das relações de trabalho no serviço público (à similitude com a depreciação das normas no âmbito da iniciativa privada feita na ‘reforma trabalhista’) e o viés de subordinação do Estado aos interesses do mercado”. Sob o argumento de que os gastos públicos precisam ser engessados, continua, “foi apresentada a este Parlamento uma reforma profunda, que não trata apenas de regras de servidores, mas ataca diretamente as bases do Estado brasileiro, diminuindo a sua capacidade real de intervir como estabilizador das diferenças sociais, econômicas, regionais, dentre outras existentes no país”.
O texto tal como proposto, adverte Correia, “promove contundente alteração da estrutura e do papel do Estado brasileiro, transformando a atual Constituição Cidadã numa Constituição liberal, privatizante, orientada para favorecimento do mercado, portanto de interesses privados e para subjetividade de gestores de momento”. Em resumo, “a PEC 32 fere de morte o Estado brasileiro”, diz o documento. “Enfraquece, desestabiliza, precariza e desvaloriza órgãos e carreiras que prestam serviços públicos e implementam políticas públicas garantidoras de direitos, fundamentais para desenvolvimento justo, sustentável e soberano do país”.
Ainda segundo o voto em separado, o projeto apresentado reforça o cenário de intensa depreciação do Estado, da soberania nacional e aprofundamento do movimento “desconstituinte” que tornou-se uma marca do atual governo, em aprofundado desrespeito e desfazimento do texto legítimo da Constituição Federal. “O projeto de ajuste fiscal que o governo tenta implantar no país recai diretamente sobre a população brasileira que mais necessita dos serviços públicos. Fica claro que o ajuste introduzido nesta Reforma Administrativa, através de mecanismos como a demissão por desempenho ou de implantação da redução de salários e jornada, recai, basicamente, sobre servidores do Ministério da Saúde e da Educação. Justamente os setores de maior demanda social. Na contramão do que se propõe, pois a população coloca a saúde e a educação como dois direitos essenciais e prioritários para o Estado”.
De acordo com o documento de Correia, os tópicos que impedem a aprovação do substitutivo apresentado por Maia são, entre outros, o novo artigo 37-A, “previsto no texto original da PEC e mantido pelo relator, possibilita uma privatização em massa do serviço público”; a ampliação do contrato temporário; diversos dispositivos do substitutivo que continuam avançando sobre o direito dos atuais servidores e empregados públicos, “como a previsão de demissão por obsolescência, demissão após decisão proferida por órgão colegiado, regulamentação da avaliação de desempenho por lei ordinária, extinção de vínculo aos 75 anos, opção pela redução de jornada com redução de remuneração, extinção de direitos consolidados em atos infralegais e impedimento de negociação coletiva para fins de estabilidade”; a avaliação de desempenho, que afeta o direito à estabilidade e abre margem para que seja “editada medida provisória para regulamentar o assunto sem qualquer debate social”.
Além disso, o substitutivo traz prejuízos à estabilidade: “é preciso manter a hipótese de demissão apenas após trânsito em julgado e rechaçar a previsão de demissão após decisão colegiada, o que contraria a lógica da presunção de inocência”; admite corte de 25% de jornada com 25% de remuneração, medida que “gera precarização do serviço público e prejuízo severo aos servidores, inclusive aos atuais que ficarão pressionados para optar pela redução diante da realidade anti-isonômica com relação aos demais”; permite contratação sem processo seletivo em caso de paralisação de atividades essenciais, o que “enfraquece o direito de greve e de organização dos trabalhadores”; retira diversos direitos dos servidores públicos, porém deixa de fora das alterações mais significativas e de impacto financeiro as carreiras melhor remuneradas: “Na medida em que a justificativa da PEC 32 é a redução de custos e o tamanho do Estado brasileiro, a não inclusão de militares e membros de outros poderes como magistrados, Ministério Público não se sustenta”. Ademais, “deveria constar do texto do substitutivo o impedimento à cessão de militares e a vedação à percepção do duplo teto, regra que é evidente burla ao texto constitucional e que beneficia muitos militares, inclusive os atuais Presidente e Vice-Presidente da República bem como diversos Ministros”.
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