Conjuntura Política
Prefeitura de São Paulo paga R$ 15 milhões à FDTE por três contratos sem licitação, e vereador pede providências ao TCM
Remuneração de serviços da fundação privada pela gestão municipal pode chegar a R$ 21,8 milhões em apenas quatro anos (2018-2021). Antonio Donato avalia que a dispensa de licitação é injustificada e pede ao Tribunal de Contas do Município que apure “indícios de irregularidades”
O vereador Antonio Donato (PT) encaminhou representação ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM) na qual requer “análise e providências” quanto aos contratos por dispensa de licitação realizados desde 2019 entre a Prefeitura Municipal e a Fundação de Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), dita “de apoio” à Escola Politécnica da USP.
No documento, Donato pede ao TCM que apure “os indícios de irregularidades” de três contratos em especial — que somam mais de R$ 15,3 milhões — e investigue os demais termos contratuais formalizados por dispensa de licitação com a FDTE. “Comprovadas as irregularidades, solicitamos todas as providências cabíveis no sentido de suspender os termos, prezando pela promoção do ressarcimento ao erário e demais medidas de apuração de responsabilidade”.
O vereador relata ao TCM que, em “rápida pesquisa” no Sistema Orçamentário e Financeiro da Prefeitura (SOF), “chamou-nos a atenção o crescimento do valor despendido com as contratações firmadas com a Fundação de Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia – FDTE, por dispensa de licitação”. Ele anexou à representação um gráfico que indica os valores recebidos da Prefeitura pela FDTE nos anos de 2003 a 2007; 2011 e 2012; e de 2018 a 2021. “Pelo gráfico é possível ver como o volume liquidado com essas contratações saltou no ano de 2019, crescendo ainda mais em 2020, e o empenhado em 2021 já supera o ano anterior”, diz.
Realmente impressiona o rápido incremento dos valores liquidados — ou seja, efetivamente pagos. Os montantes são de R$ 502.510 em 2018; R$ 3.114.890 em 2019; R$ 8.486.439,82 em 2020; 1.142.445,79 em 2021 (parcial). No entanto, o montante já empenhado em 2021 é de R$ 9.749.740,06. Assim, de 2018 até agora a FDTE já recebeu R$ 13.246.285,61 da Prefeitura. Porém, caso o valor já empenhado seja integralmente liquidado até o final do ano, a fundação privada receberá dos cofres municipais mais R$ 8.607.294,27, o que elevará a quantia total recebida por ela nesses quatro anos para R$ 21.853.579,88.
“Contratação direta sem justificativa aprofundada pode causar prejuízo ao Erário”
Os contratos para os quais o vereador petista pede investigação aprofundada do TCM são os referentes aos processos 6012.2020/0032238-6 (contrato 219/SMSUB/COGEL/2020), que tem por objeto a “prestação de serviços para manutenção do sistema de gestão do pavimento existente por meio de sensores inerciais e de inteligência artificial instalado em uma frota de veículos da cidade”, no valor de R$ 4.352.528,65; 6022.2020/0002785-0 (contrato 118/SIURB/20), cujo objeto é contratação de serviços “para desenvolvimento de projeto de transformação digital do sistema de planejamento e monitoramento de obras de infraestrutura da cidade”, no valor de R$ 7.529.280,00; e 6068.2021/0002287-8 (contrato 02/2021/SMUL), que tem por objeto a “prestação de serviços técnicos especializados consistentes em apoio em estudos, avaliações, assessoria e consultoria à revisão participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo [PDE 2014]”, no valor de R$ 3.504.000,00.
Donato argumenta que não se justifica a dispensa de licitação para tais contratações, uma vez que possuem objetos que diversas outras instituições, públicas ou privadas, poderiam executar. “Assim, a contratação direta sem uma justificativa mais aprofundada pode estar causando prejuízo ao Erário”, afirma ele, explicando que esse problema é flagrante na contratação de serviços para o Plano Diretor Estratégico, formalizada pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL).
“O objeto trata da ‘prestação de serviços técnicos especializados consistentes em apoio em estudos, avaliações, assessoria e consultoria à revisão participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo’. Quando olhamos no site da FDTE há a seguinte descrição: ‘A FDTE é uma fundação de direito privado, independente e sem fins lucrativos, instituída por docentes e pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1º de dezembro de 1972, tendo por objetivo principal desenvolver a engenharia, com apoio da pesquisa e do conhecimento da POLI-USP, por meio de projetos para o mercado e para a sociedade’. Não vemos, a partir dessa descrição, algum extremo diferencial que embase a contratação dessa fundação para a prestação de serviços técnicos especializados consistentes para promover os estudos, avaliações, assessoria e consultoria à revisão participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo”, avalia o parlamentar.
“Lembramos que o PDE 2014 foi realizado fundamentalmente pelas equipes da Prefeitura e, posteriormente, aprimorado pela Câmara Municipal de São Paulo. Houve poucas e pontuais contratações de apoio, apenas. Ressaltamos que a SMUL e a SPUrbanismo contam com servidores/profissionais especializados para realizarem estudos, avaliações, assessoria e consultoria à revisão participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e, portanto, qualquer contratação com esse mesmo intuito deveria ser muito bem embasada tecnicamente no sentido de justificar por que o próprio quadro da PMSP não pode ser o responsável pela tarefa”.
Portanto, continua, “não está plenamente justificada a escolha da FDTE para a contratação direta”, de modo que “a melhor prática de gestão pública, em obediência aos princípios da Administração Pública, a saber Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, seria promover — ao menos — uma seleção/chamamento de interessados a prestar os mesmos serviços”, diz a representação. Essa situação estende-se aos outros dois contratos, considera.
Parlamentar não conseguiu acessar processo relativo à revisão do Plano Diretor
No processo 6022.2020/0002785-0, há apenas mais uma pesquisa de preços com a empresa SIS3 Soluções Integradas Ltda. “Referida empresa oferece um valor maior que a FDTE, mas não há no processo nem mesmo a solicitação da SIURB para tal empresa, o que por si só, já demonstra uma falha processual grave”, diz Donato.
Quanto ao processo 6012.2020/0032238-6, em que a Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB) contrata a FDTE para “prestação de serviços para manutenção do sistema de gestão do pavimento existente por meio de sensores inerciais e de inteligência artificial”, consta apenas o orçamento feito pela própria SMSUB com base nas tabelas SIURB e SINAPI pesquisa de mercado, perfazendo o valor total de R$ 4.352.528,65. “Coincidência ou não, o valor da proposta da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia – FDTE, foi de de R$ 4.352.528,65. Não há mais nenhuma pesquisa de mercado ou chamamento de outros interessados”.
Donato denuncia ainda falta de transparência, uma vez que o processo SEI 6068.2021/0002287-8, que diz respeito a serviços relativos à revisão do Plano Diretor Estratégico, está com todos os documentos com acesso restrito. “Não entendemos o motivo pelo qual tal processo teria caráter sigiloso, motivo pelo qual levamos este tópico também a esta Corte de Contas, para que solicite o processo e, além da análise formal dos documentos processuais, possa averiguar se há de fato necessidade de declaração de sigilo. Destacamos que tem se tornado rotina a atual administração manter sigilo sobre suas contratações (vide recentemente o caso dos contratos da Fórmula 1), ferindo assim pressuposto básico de legalidade dos contratos, qual seja, a devida publicidade e transparência”.
Sobre isso, ele informou ao TCM que solicitou “imediato acesso aos documentos” relacionados ao processo, e que “após termos acesso aos documentos poderemos fazer aditamento à presente peça, especialmente no sentido de requerer medida liminar de suspensão da contratação se necessário for”.
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