Defesa da Universidade
Movimentos sociais e entidades dão aval à ação civil pública ajuizada por ABJD e Sindicato dos Advogados contra decisão do governador paulista de flexibilizar o distanciamento social
Juíza da 13ª Vara da Fazenda Pública rejeita conceder a tutela de urgência, que implicaria a imediata revogação do Decreto 64.994/2020 (“Plano São Paulo”), e autores vão recorrer ao TJ-SP
“Somamo-nos à Ação Civil Pública com pedido de tutela provisória de urgência da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Sindicato dos Advogados de São Paulo em face do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo pela imediata revogação do Decreto 64.994 de 28 de maio de 2020. É necessário ampliar as medidas de isolamento social no estado de São Paulo durante todo o tempo em que isso se mostre necessário, segundo critérios científicos, de acordo com a avaliação das autoridades sanitárias, profissionais de saúde e pesquisadoras/es, assim como garantir políticas de saúde efetivas para o enfrentamento da pandemia, programas de transferência de renda estadual e municipais e um conjunto de programas sociais específicos nos territórios mais vulneráveis e para os segmentos mais expostos aos riscos de contágio”.
O anúncio parte de um expressivo grupo de 45 movimentos sociais, coletivos e entidades da sociedade civil, que estão “atuando fortemente em nossas comunidades e trocando informações desde meados de março, enfrentando a pandemia nos territórios através de ações de solidariedade com distribuição de cestas básicas, kits de higiene, máscaras e doações financeiras a instituições e a famílias, ações de orientação comunitária e campanhas informativas”, além de buscar estabelecer diálogo com o poder público estadual e nos municípios.
Entre eles estão Pastoral Fé e Política da Diocese de Campo Limpo, Frente Democrática de Ermelino Matarazzo, Fórum Livre de Combate ao Racismo de São Bernardo do Campo, Movimento Cabuçu é Pulmão (Guarulhos), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – São Paulo (MST-SP), Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo, Ação Educativa, Comitê São Paulo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Movimento Negro Unificado (MNU), Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (Clasp), Fórum Paulista de Educação de Jovens e Adultos, Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Sindicato dos Bancários de Guarulhos e Região, Sindicato dos Professores e Professoras de Guarulhos (Sinpro Guarulhos) e Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).
“Infelizmente, os esforços do poder público têm sido insuficientes para enfrentar a complexidade da pandemia no estado de São Paulo. Especialmente grave foi a decisão de promover a flexibilização progressiva das medidas de isolamento social no estado de São Paulo e na capital a partir de 1º de junho, através do decreto estadual 64.994 de 28 de maio de 2020”, destacam as entidades. “Em 1º de junho, saltamos para 111.296 casos confirmados e 7.667 óbitos no estado de São Paulo (dados da Secretaria de Estado da Saúde em 1º de junho), dos quais 65.716 casos confirmados e 4.241 óbitos no município de São Paulo (dados da Secretaria Municipal de Saúde em 1º de junho). Na Grande São Paulo, 83,2% dos leitos de UTI estão ocupados (dados da Secretaria de Estado da Saúde em 1º de junho). No município de São Paulo, tínhamos 191.006 casos suspeitos em 1º de junho, dado também fundamental pois seguimos sem testes em proporção adequada”.
Inversamente ao que preconiza atualmente o governo Doria, o grupo defende que o distanciamento social seja ampliado e não relaxado, paralelamente a outras medidas de proteção da saúde pública: “Como afirmamos em nosso manifesto ‘Em defesa da vida, saúde e direitos sociais em São Paulo’, diversas ações para ampliação das políticas de saúde, fortalecimento do SUS e ampliação da proteção social e do conjunto das políticas sociais precisam ser combinadas à ampliação das medidas de isolamento social no estado de São Paulo, para garantia e promoção da vida da população”.
Prossegue: “São fatores determinantes para a rápida disseminação do Covid-19 as realidades de um estado e cidades tão brutalmente desiguais e com diversos territórios em que prevalece a precariedade das condições de vida, trabalho, saneamento e moradia — ou a total ausência destas condições, se apenas na capital temos cerca de 25 mil pessoas que vivem nas ruas, realidades em grande parte responsabilidade da ausência do Estado em seus diversos âmbitos” (confira aqui a íntegra da nota).
“Judiciário não esteve à altura”, diz advogada sobre decisão
A juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, da 13ª Vara da Fazenda Pública, indeferiu nesta quinta-feira (11/6) o pedido de tutela de urgência requerido pelos autores da ação civil pública, apresentada em 1º/6. Embora reconheça, na sua decisão, que a “preocupação exposta nestes autos é plausível”, a juíza alega que o “temor justificado dos autores, com a aparente precipitação da flexibilização do isolamento social quando em comparação com o procedimento adotado em outros países, por si só, não permite a imediata desconsideração dos critérios técnicos utilizados pela Administração Pública quando da instituição do Plano São Paulo”.
Os autores da ação vão recorrer dessa decisão ao Tribunal de Justiça (TJ-SP). “Mais uma vez o judiciario paulista não esteve à altura da decisão que se impõe e do bem jurídico maior que deve resguardar, que é a vida”, declarou a advogada Lara Lorena, uma das responsáveis pela iniciativa. “Apesar de todo o respaldo científico em que a decisão poderia se embasar e nas evidências últimas do aumento de óbitos e espraiamento de casos após a abertura social, preferiu apoiar-se na opinião do Ministério Público estadual que, sem respaldo técnico algum, defendeu que se trata de uma decisão política governamental”.
A ação, que tem como réus o governo estadual e a Prefeitura paulistana, começa por lembrar que o governador editou, em 20/3, o decreto 64.879/2020, que determinou, entre diversas providências, a suspensão das atividades não essenciais. “Não obstante, segundo os dados oficiais, atualizados em 29/5/2020, o Brasil já ultrapassou a marca dos 465.166 mil casos por coronavírus e confirmou 27.878 óbitos”, acrescenta, destacando que o país já é o novo epicentro da pandemia. “Só no Estado de São Paulo, em 2/6/2020, já somavam 111.296 casos confirmados de infectados e 7.667 óbitos, no total, segundo balanço da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo”.
Acrescenta que a taxa de ocupação de leitos de UTI municipais na Capital é de 92%, enquanto a Grande São Paulo tem 87,6%.“Há, ainda, crescente queda no isolamento social, de 47% no Estado de São Paulo e 49% na Capital”, registra. Reproduz trecho de recente Nota Técnica emitida por pesquisadores, cientistas e professores que se dedicam ao estudo da epidemia e seus impactos: “A epidemia da Covid-19 no Estado de São Paulo, que teve o seu primeiro caso no dia 25/2, chega ao final de maio em sua situação mais crítica. No mês de junho e possivelmente ainda em julho, teremos o pior cenário no enfrentamento da pandemia no Estado. As evidências desse quadro vêm sendo construídas desde o começo da epidemia no portal de monitoramento e análise Covid-19 Brasil”.
A ação aponta a conduta contraditória do governo estadual: “Lamentavelmente, nesse cenário, o governador do Estado de São Paulo anunciou plano de relaxamento das medidas de isolamento social por meio do Decreto 64.994 de 28 de maio de 2020. Entretanto, o governador vem apresentando informações contraditórias nas últimas semanas quanto às necessidades de enfrentamento social: em entrevista coletiva de 27 de maio, argumentou que “medidas de isolamento social achataram a curva de contágio em São Paulo em relação a outros países e ao Brasil”.
Na semana anterior (20/5), explica a inicial, “o alerta era para a possibilidade de endurecimento das medidas com um lockdown no Estado de São Paulo, em razão do crescimento no número de novos casos em todas as regiões do Estado, em ritmo mais acelerado do que na região metropolitana da capital. Em 13/5 classificara o mau exemplo de reabertura parcial da economia na Alemanha como uma atitude ‘precipitada’”. Quanto à capital paulista, a ação explica que o próprio Executivo municipal adotou medidas recentes para aumentar o índice de isolamento social, sem decretar lockdown na cidade, mas não obteve sucesso para o aumento do isolamento social.
“Evidências e estudos não recomendam relaxamento”
“Apesar dos sinais de necessidade de recrudescimento das medidas de isolamento social, o Governo do Estado tomou decisão em sentido contrário ao que todos os dados técnicos apontados indicam: aumento do número de casos e óbitos de forma vertiginosa”, dizem ABJD e Sindicato dos Advogados de São Paulo na ação. “As evidências e os estudos não recomendam essas medidas de relaxamento no Estado, como veremos, sob risco de morte de inúmeras pessoas. Os gestores parecem convencidos que a opção que poderia evitar uma tragédia — o lockdown, ou paralisação rigorosa de todas as atividades econômicas não essenciais — não funcionará, a despeito das experiências exitosas, em países, como a China e, a partir de certo ponto, na Itália, Espanha e mesmo em partes dos Estados Unidos”.
Porém, defendem os autores, diferentemente do veiculado pelo governo do Estado, um quadro de medidas para a redução efetiva do contato social ainda se impõe. “Segundo o modelo matemático estabelecido pela calculadora epidêmica disponibilizada pela USP, disponível no portal https://covid-calc.org/, o Estado de São Paulo terá suas UTI’s e leitos clínicos lotados em 11/06/2020, e a demanda hospitalar atingirá seu pico em 3/7/2020”.
Sobre a capital paulista, especificam: “A cidade de São Paulo atende apenas a dois de seis critérios recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para iniciar um processo de relaxamento do distanciamento social, de acordo com relatório da própria Prefeitura, publicado na última sexta-feira. Os requisitos já cumpridos pela cidade são: ter capacidade de detectar e tratar novos casos, sobretudo os graves, e adotar medidas de prevenção em locais de trabalho. Entre os critérios não atendidos para iniciar o processo estão o controle sobre a transmissão da doença, a redução do risco de novos surtos, com maior controle sobre a prevenção à doença; controles sobre o surgimento de casos importados; e, por fim, conscientização da população”.
Assim, a ação requer “a concessão de tutela provisória de urgência antecedente, inaudita altera parte, para determinar a suspensão dos efeitos do decreto 64.994/2020 e para determinar que o Governo do Estado de São Paulo se abstenha de editar normas que flexibilizem medidas de isolamento social até que seja demonstrada perante este juízo queda linear nos números de novas contaminações e de óbitos por Covid-19, bem como de estudos técnicos que refutem os argumentos colacionados nesta inicial”.
Requer, ainda, que o governo estadual assegure “a.1) a adoção de medidas de orientação e de sanção administrativa quando houver infração às medidas de restrição social, como o não uso de máscaras em locais de acesso ao público, conduta análoga aos crimes de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP); a.2) a manutenção da suspensão das aulas da rede pública e privada; a.3) fiscalização de forma efetiva as medidas de distanciamento social promovendo a responsabilização administrativa, civil e penal dos estabelecimentos que não seguirem as normas sanitárias; a.4) demonstração da estruturação dos serviços de atenção à saúde da população para atender à demanda Covid-19 em seu período de pico, com consequente proteção do Sistema Único de Saúde, bem como o suprimento de equipamentos (leitos, EPI, respiradores e testes laboratoriais) e equipes de saúde (médicos, enfermeiros, demais profissionais de saúde e outros) em quantitativo suficiente, conforme estudos de cenário realizados”.
Por fim, propõe ainda que para a efetivação do isolamento social seja determinado ao Estado de São Paulo e ao Município de São Paulo que adotem medidas que visem a assegurar condições de sobrevivência à população. Confira aqui a íntegra da ação civil pública.
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