A bancada feminista do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo vai enviar um ofício à São Paulo Transporte (SPTrans) para pedir esclarecimentos sobre a fiscalização do contrato assinado com a USP, especialmente em relação ao cumprimento dos horários das partidas das linhas 8012-10, 8022-10 e 8032-10, os circulares que fazem a ligação do Terminal Butantã com a Cidade Universitária. A concessão pertence à empresa Gato Preto, e a fiscalização da prestação dos serviços cabe à SPTrans.

Pelo contrato, a universidade paga todos os custos da(o)s usuária(o)s do Bilhete USP (BUSP), cerca de 80% a 85% da(o)s passageira(o)s. O valor investido pela USP fica em torno de R$ 15 milhões por ano, de acordo com a prefeita do Câmpus da Capital, professora Raquel Rolnik.

A bancada do PSOL também vai pedir informações sobre o funcionamento das outras linhas urbanas que entram no câmpus para saber se houve ou não diminuição no número de veículos e de viagens em relação ao período anterior à pandemia. Além disso, vai apoiar a proposta de realização de uma Pesquisa de Origem e Destino, nos moldes das produzidas pelo Metrô, para que se faça um diagnóstico sobre o padrão das viagens de chegada e saída do câmpus.

Esses foram os encaminhamentos apresentados pela vereadora Silvia Ferraro e pela covereadora Paula Nunes ao final da audência pública sobre Problemas de Mobilidade Urbana Enfrentados na USP, realizada no auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) no dia 28/6.

A audiência pública da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara foi requerida pela bancada feminista, explicou Silvia Ferraro, a partir de denúncias encaminhadas pelo Comitê por Mais Mobilidade na USP a respeito dos problemas enfrentados pela comunidade devido especialmente à superlotação dos circulares e aos atrasos nas partidas.

“O contexto de retorno ao ensino presencial gera um descompasso bastante sensível entre o que foi a redução da frota de veículos nos dois anos da pandemia e a situação de retorno de milhares de pessoas circulando na USP”, afirmou a estudante Maria Luiza Nogueira, aluna do curso de Relações Públicas e integrante do Comitê por Mais Mobilidade e do coletivo USP Sem Medo.

“Superlotação, demora de saídas, dificuldade de acesso ao câmpus no final de semana, que afeta principalmente quem mora no Crusp [Conjunto Residencial da USP]. Esse cenário não atinge a todos igualmente, mas sobretudo os estudantes que mais precisam do transporte público”, disse Maria Luiza, que ressaltou que o corpo discente da USP tem uma nova composição social e étnico-racial desde o início da política das cotas. “Os estudantes que superam a barreira do vestibular estão expostos a novas barreiras que dificultam a sua permanência na universidade.”

As desigualdades em relação à mobilidade são confirmadas por um levantamento realizado pelo Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP Brasil). O trabalho mostra que, em São Paulo, apenas 12% de quem tem renda de no máximo meio salário mínimo vive a até 1 km de estações de média e alta capacidade (como metrô e trem). Já entre as pessoas com renda superior a três salários mínimos, esse índice sobe para 36%.

“A desigualdade, que se manifesta em várias dimensões, é o maior problema da mobilidade em São Paulo. A começar pela distribuição do espaço viário”, disse à Folha de S. Paulo a professora Mariana Giannotti, docente da Escola Politécnica da USP e coordenadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM).

Além de representantes das entidades de docentes e servidora(e)s técnico-administrativa(o)s – Adusp e Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) –, participaram da audiência integrantes da administração da universidade, da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito e da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

A SPTrans, o Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano em São Paulo e o DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, convidados para a reunião, não enviaram representantes.

Em sua fala inicial, a prefeita da Cidade Universitária afirmou que “o transporte acessível, pontual e eficiente é um direito, que ainda não alcançamos”.

Um dos problemas no transporte da USP, disse Raquel Rolnik, é que o contrato entre a SPTrans e a Prefeitura do Câmpus da Capital (PUSP-C) para a operação das três linhas “entra no sistema geral do transporte coletivo da capital”.

“O modelo estabelece a concessão das linhas por 35 anos e o serviço realizado aqui obedece à lógica geral da concessão da SPTrans com as empresas privadas que ganham as concessões em cada região”, afirmou. Em boa parte da zona oeste, as concessões pertencem à empresa Gato Preto, que de acordo com o seu site na internet opera 37 linhas, transportando 7,2 milhões de passageira(o)s/mês.

Parte dos problemas enfrentados no acesso ao câmpus, considera a professora, é comum a todo o sistema de São Paulo, entre outras razões porque “a forma de remuneração do transporte é por passageiro, por meio da tarifa, e não por quilômetro rodado”.

“Claramente é uma fórmula que não induz o maior conforto para o usuário na medida em que a superlotação dos veículos tem a ver com essa estratégia de remuneração”, disse.

A professora afirmou também que um grande gargalo é a fiscalização do cumprimento dos horários estabelecidos no contrato. Excluindo-se os problemas decorrentes de acidentes ou de outras intercorrências da complexa realidade do trânsito de São Paulo, a prefeita considera que os horários não são devidamente fiscalizados e cobrados.

“Essa relação é da SPTrans com as concessionárias, o que portanto vai além das nossas competências”, enfatizou.

De acordo com a prefeita, não houve aumento do número de passageira(o)s nas linhas dos circulares em comparação com 2019, período anterior à pandemia, assim como não houve diminuição no serviço prestado nos circulares.

O último contrato foi assinado em 2021, determinando a operação de 18 ônibus nas três linhas: são 14 veículos padron e, desde o ano passado, quatro articulados, o que em tese deveria melhorar a capacidade de carregamento

Porém, um problema crucial é “a quantidade de gente que chega de metrô [na Estação Butantã] nos horários de pico, totalmente incompatível com o modal ônibus”, disse Raquel Rolnik. “O metrô tem capacidade de carregamento muito maior. Nunca faremos o mesmo com os ônibus.”

Na avaliação da professora, “a coisa mais lógica a pensar” para resolver esse problema seria ter uma estação de metrô no câmpus. Enquanto essa possibilidade não está no horizonte, é necessário melhorar o sistema, o que “sem dúvida” pode acontecer, disse.

A PUSP-C tem procurado implantar algumas propostas para atacar os problemas. Entre elas está o embarque simultâneo em dois veículos das linhas 8012-10 e 8022-10, o que foi possibilitado pela recente transferência de algumas linhas intermunicipais para o Terminal Vila Sônia, reduzindo assim o tempo de embarque.

A segunda medida estudada pela prefeitura com a SPTrans é a retirada das catracas dos ônibus, também com a intenção de acelerar o embarque. Raquel Rolnik relatou que essa proposta, no entanto, foi vetada pelo Sindicato dos Motoristas, que alegou que ela retiraria o emprego dos cobradores.

“Isso não se sustenta, porque nossa proposta foi de continuar tendo dois trabalhadores por ônibus, o motorista e outro organizando o fluxo no veículo”, relatou.

A prática também reduziria o tempo de parada nos pontos porque seria possível embarcar pela frente e por trás simultaneamente. Apesar da resistência do sindicato, a USP ainda não desistiu da ideia, disse a prefeita. “Há toda uma outra lógica de organização do mundo quando a gente tira a catraca”, argumentou.

Os problemas das demais linhas urbanas que operam no câmpus (177H-10, 701U-10, 702-10, 809U-10 e 7725) ainda não foram tratadas pela PUSP-C. A prefeita garantiu que esse tema será abordado “no diálogo que mantemos permanentemente com a SPTrans”.

“O compromisso da prefeitura e da Reitoria é investir no sentido da melhoria do transporte e da resolução dos problemas. O valor de R$ 15 milhões que investimos no BUSP mostra o nosso compromisso e que não há nenhum questionamento por parte da USP quanto à continuidade desse subsídio”, afirmou.

A presidenta da Adusp, Michele Schultz, ressaltou que a Cidade Universitária e os câmpus da USP não são bolhas isoladas dos municípios em que estão localizados. O que a comunidade vive no câmpus também é reflexo do que acontece na cidade e consequência de um “não projeto de urbanização” da cidade, afirmou.

A professora citou a referência feita por Raquel Rolnik ao transporte público de qualidade como direito. “Porém, a lógica colocada na gestão pública é a do lucro e do capital, que tenta beneficiar as empresas que conquistam essas concessões por muitas décadas, e não há fiscalização adequada para saber se as empresas estão cumprindo o que os contratos determinam”, enfatizou. “Obviamente essas concessões são uma modalidade de terceirização e isso é um grande problema.”

Michele Schultz lembrou que, antes da adoção do serviço prestado por uma empresa privada via SPTrans, os circulares eram operados pela própria universidade e questionou se não seria possível retomar essa modalidade com a verba de R$ 15 milhões de subsídio do BUSP.

A professora disse que, como docente da USP Leste e usuária do transporte coletivo, sabe o quanto o transporte público na cidade “é absolutamente insuficiente” e que faz uma grande diferença ter uma estação dentro da unidade (a Estação USP Leste da CPTM).

A presidenta da Adusp apontou que a redução da frota dos ônibus que operam na Cidade Universitária vem sendo sentida e debatida pela comunidade desde 2018, antes portanto da pandemia.

Já o retorno presencial após a crise provocada pela pandemia – que evidenciou todas as demais crises do país no âmbito social, econômico etc. – trouxe também preocupações sanitárias. “Um transporte atolado coloca as pessoas em situação de vulnerabilidade sanitária”, disse.

Michele Schultz fez referência ainda a outras preocupações, como a lotação dos ônibus nos horários noturnos, especialmente nas unidades que mais acolhem aluna(o)s trabalhadora(e)s; a segurança nos deslocamentos à noite pelo câmpus, particularmente em relação às mulheres; o tempo gasto no transporte pelas pessoas que moram nos extremos da periferia; o acesso da comunidade externa a serviços no câmpus, como o Hospital Universitário, museus e outras atividades; e a inclusão no transporte público de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.

“Somos defensoras e defensores da democracia. Qualquer processo participativo é mais trabalhoso e às vezes leva mais tempo, mas a participação leva a um resultado que tem maior representatividade e consegue enxergar mais todas as dimensões dos problemas”, afirmou.

A professora considera que a audiência marcou o início do debate. “Que a gente possa ter um projeto de mobilidade construído de forma democrática”, concluiu.

A audiência pública propiciou oportunidades para que a comunidade, especialmente estudantes, relatasse problemas como superlotação, longas esperas e falta de iluminação no entorno dos pontos e nos acessos e saídas do câmpus – o da Vila Indiana, por exemplo –, acarretando riscos à segurança.

Davi Barbosa, integrante da nova diretoria do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, empossada dias depois da audiência, questionou a afirmação de que a demanda e a oferta de veículos se mantiveram as mesmas no retorno presencial.

“Por que então vimos e sentimos tanta piora nos serviços? Por que hoje essa é uma das principais demandas dos estudantes? Há algum gargalo não identificado”, disse. Quanto mais os circulares demoram para sair do câmpus e chegar ao Terminal Butantã, mais prejuízo para os estudantes que moram mais longe, enfatizou.

Gustavo Kanagawa, da diretoria do Centro Acadêmico Professor Paulo Freire, da Faculdade de Educação, lembrou que a unidade é a última antes da saída dos coletivos pela Portaria 1.

“Quem precisa sair depois das 22h encontra sempre os ônibus lotados e às vezes tem que esperar dois ou três ônibus para conseguir embarcar. Isso prejudica quem já tem um transporte precário e acarreta consequências para a formação dos estudantes”, disse.

Fazer o caminho a pé até o Terminal Butantã não é demorado – cerca de 20 minutos –, “mas e a segurança?”, perguntou o estudante.

Caíque Sanches, do CA Guimarães Rosa, do Instituto de Relações Internacionais, salientou que aluna(o)s dos cursos noturnos às vezes não podem ficar até o final das aulas para não perder baldeações em outros terminais ou estações mais distantes.

Vítor Portes, aluno da FAU, ressaltou que, na verdade, as atuais linhas que partem do Terminal Butantã deixaram de ser circulares, como era o caso dos ônibus anteriormente administrados pela USP – a linha 8032-10 é a única que sai do terminal e volta para lá, mas seu trajeto no câmpus é restrito e atende a um número limitado de unidades e passageira(o)s.

O estudante questionou a utilização de apenas um acesso – a Portaria 1 – para todos os coletivos e sugeriu que as portarias 2 e 3 também sejam utilizadas.

Ônibus para o câmpus poderiam partir de outros terminais, como o de Pinheiros, e passar por vias como Vital Brasil e Corifeu de Azevedo Marques para entrar no câmpus pela Portaria 3 ou pela Avenida Escola Politécnica, entrando pela Portaria 2, sugeriu.

“Por que aglomerar milhares de pessoas para pegar ônibus num só terminal?”, perguntou. “O sistema é ineficiente. Por mais que se tente, pode melhorar um pouco, mas não muito. Não podemos focar só no Terminal Butantã.”

Vitor Craveira, do Centro Acadêmico da Biologia, apontou que há uma lógica individualista que privilegia o acesso ao câmpus por meio dos carros particulares e que é preciso prestar atenção aos aspectos ambientais, uma vez que os carros são os principais emissores dos gases de efeito estufa. “A USP precisa ser a ponta de lança da mudança”, considera.

O estudante também citou problemas na linha 7725 (Rio Pequeno – Terminal Lapa), cuja frota teria sido reduzida de seis para três veículos desde a irrupção da pandemia. Estudantes mencionaram ainda atrasos e redução no número de veículos nas linhas que vêm do ABC e de Itapevi.

No rodada final de manifestações na audiência, a vereadora Silvia Ferraro disse que a bancada feminista vai procurar facilitar o diálogo e a interlocução das partes com o poder público.

O presidente do Conselho Gestor do Câmpus da Capital, professor Ricardo Ivan Ferreira da Trindade, garantiu que todas as demandas, especialmente as relacionadas à possibilidade de interligar o câmpus com outros terminais e com entrada dos ônibus por outras portarias, serão levadas às reuniões do colegiado.

O engenheiro Manuel Vitor, representante da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito, disse que todos os pontos levantados serão levados ao órgão, incluindo a discussão específica do contrato da USP com a SPTrans. Salientou também que é necessário entender a USP como uma “cidade murada” dentro da cidade e os impactos que isso causa.

Valtair Valadão, gerente da CET, registrou que a participação na audiência foi importante para conhecer os problemas e para auxiliar em “eventuais melhorais e ajustes”.

A prefeita do câmpus, Raquel Rolnik, disse que muitas questões trazidas à audiência ainda não têm resposta, mas que todas “serão inteiramente consideradas e examinadas”.

Em relação aos circulares, afirmou que atualmente a USP não tem a menor condição de fazer a gestão direta do sistema “por falta de veículos e motoristas”.

Melhorar a iluminação do câmpus, tema relacionado à segurança, é uma preocupação da PUSP-C, garantiu. É necessário trocar totalmente o sistema, que já tem dez anos e sofre vários problemas. “As lâmpadas queimam muito mais. Já trocamos mais de 500 lâmpadas neste ano. Estamos disputando os investimentos da Reitoria para pelo menos iniciar a mudança do sistema de iluminação”, disse a prefeita.

Raquel Rolnik disse também que havia um acordo da universidade com a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) para que as linhas intermunicipais retomassem os horários anteriores à pandemia e que irá fazer contato com a empresa a respeito do tema.

A professora defendeu a necessidade de realização de uma pesquisa de Origem e Destino para permitir o diagnóstico e o planejamento dos serviços em cima de dados concretos. O alto custo e a reduzida equipe técnica da PUSP-C são limitações, reconheceu.

“Agradeço pela iniciativa. Estamos sempre dispostas a dialogar e pensar em conjunto o enfrentamento dessas questões”, concluiu.

EXPRESSO ADUSP


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