Ação civil pública ajuizada em dezembro de 2020 pelo Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH) contra a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior expõe metodologia enviesada do sistema de avaliação dos programas de Pós-Graduação e prova que vários deles vêm sendo prejudicados pela alteração das regras do jogo a posteriori, com reflexos negativos para os e as docentes. Parecer técnico analisa a contestação da agência do MEC e identifica contradições e inverdades

Em 7/12/2020, o Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH) ajuizou uma ação civil pública contra a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por prejuízos causados por seu sistema de avaliação dos programas de pós-graduação (PPGs) à carreira dos docentes por ele representados, por meio de três “Práticas Permanentes (PPs)”. O processo tramita na 12ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte.

De acordo com o APUBH, tais “práticas permanentes” da Capes são a definição e divulgação a posteriori das regras de avaliação, aplicando-as retroativamente na avaliação dos PPGs e de seus docentes (PP1); a definição e divulgação a posteriori dos “Qualis”, parâmetros de qualidade (“réguas”) para avaliar a produção intelectual dos docentes, impedindo o planejamento adequado e beneficiando uns em detrimento de outros (PP2); e a utilização de um ranqueamento (ou “método comparativo”, segundo a Capes) que, combinado às práticas anteriores, afeta a avaliação dos PPGs e limita o número de programas que receberão as melhores notas e, assim, mais recursos, bolsas e acesso a editais da Capes (PP3).

O APUBH sustenta que a Capes, ao mudar as regras e réguas “no fim do jogo”, extrapola o seu poder discricionário, atentando contra os princípios da irretroatividade, da segurança jurídica e da legalidade, publicidade e transparência das regras públicas. Por essa razão requereu à justiça que,  por meio de uma liminar e decisão de mérito, defina como deve se dar a avaliação quadrienal 2017-2020, já em curso, e exija a divulgação antecipada de todas as regras, réguas e “Qualis” para as futuras avaliações, a fim de evitar mais prejuízos para os docentes e seus PPGs.

A ação civil pública de autoria do APUBH precedeu outra semelhante, de iniciativa do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, que embora ajuizada em 17/9/2021 já obteve uma liminar favorável. O MPF-RJ, que vinha investigando o assunto desde 2018, valeu-se de subsídios que encontrou na peça judicial do APUBH. A 32ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou à Capes suspender a avaliação dos PPGs relativa ao quadriênio 2017-2020 e apresentar informações a respeito.

A Capes manifestou-se no processo em curso na 12ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte apresentando contestação na qual pede o indeferimento da ação do APUBH. Ela alega, preliminarmente, que o APUBH, como representante de docentes de universidade federais, não tem legitimidade ativa para impetrar a ação, dado que a Capes não avalia “docentes e sim Programas de Pós-Graduação”. Quanto ao mérito da inicial, a Capes nega a primeira prática — definição de regras a posteriori — e admite e defende as outras duas — definição dos Qualis a posteriori e uso do “método comparativo”.

Capes alega que Fichas de Avaliação não foram divulgadas a posteriori

De acordo com parecer técnico do APUBH, a Capes sustenta quatro teses de defesa. A primeira delas é que, no tocante à Avaliação Quadrienal 2017-2020, que se encontra em curso e é o “foco” da ação judicial, a Capes alega que as “Fichas de Avaliação”, que contêm as regras (quesitos, indicadores e pesos) para avaliar os PPGs, não foram divulgadas a posteriori; e que não houve alterações nos quesitos, indicadores e pesos que compõem as fichas da avaliação quadrienal em curso (2017-2020), quando comparados aos utilizados na quadrienal anterior (2013-2016).

A segunda tese defendida pela Capes é que a publicação a posteriori dos “Qualis” é uma “adequação instrumental” para “melhor atender à demanda dos PPGs” e “de fato, mensurar a qualidade da produção científica”. A terceira tese é de que a Capes detém o poder discricionário de adotar o “método comparativo”, porque “alterações pontuais” de itens ou indicadores a posteriori não têm o condão de alterar a nota final dos PPGs. Por fim, a Capes se posiciona contra o pedido do APUBH de que as regras e réguas do quadriênio 2013-2016 sejam utilizadas para avaliação do quadriênio 2017-2020, sem qualquer das alterações previstas.

De acordo com o APUBH, embora o parecer busque atender a uma solicitação de análise técnica dos pontos da defesa apresentada pela Capes no âmbito do processo, “ele tem um objetivo maior: o de contribuir para melhoria do Sistema Capes de Avaliação da Pós-Graduação no Brasil e do Sistema Nacional de Pós-Graduação”, esperando-se que sua leitura “consiga mostrar à Direção da Capes, aos membros do CTC-ES [Conselho Técnico-Científico da Educação Superior], aos coordenadores(as) de área, aos próprios Programas de Pós-Graduação e a todos(as) os(as) docentes que atuam na pós-graduação brasileira ou querem atuar, a necessidade de trabalhar por um sistema de avaliação no qual o mérito seja atingir um determinado nível de qualidade estabelecido a priori”.

Tal mudança, diz o parecer técnico, implicaria “abandonar a adoção do ‘método comparativo’ e não promover alterações a posteriori nas regras e ‘réguas’ da sua avaliação”, bem como “parar de limitar o número de PPGs que podem receber melhores notas”, “incentivar uma competição (saudável) de cada PPG consigo mesmo e não com os demais”, “colocar metas de qualidade claras e transparentes no início do quadriênio”, “reconhecer que, se um PPG fez o esforço para atingir a nota 3, 4, 5, 6 ou 7, ele merece recebê-la”, “promover uma maior cooperação entre PPGs e docentes da mesma área”, enfim, “trabalhar por um sistema de avaliação da Pós-Graduação que seja transparente, justo e inclusivo, no sentido de induzir e potencialmente reconhecer a melhoria de qualidade de todos os Programas de Pós-Graduação do Brasil”. Em suma, a ideia é contribuir e dialogar “com a Capes e demais atores interessados em aprimorar” o Sistema Capes de Avaliação da Pós-Graduação.

“Dado que esse diálogo está se dando dentro de um contexto no qual o judiciário está sendo convocado como poder moderador, foi feito um grande esforço para identificar e explicitar os pontos de divergência entre as posições do autor [APUBH] e as teses da defesa da Capes. A exposição é feita de forma direta e enfática, com o intuito de criar o contraste de posições e ideias e, assim, facilitar o límpido entendimento do que, afinal, está em jogo e as opções que restam na mesa para a decisão de todos(as)”.

Legitimidade das partes e o papel indutor da avaliação da Capes

No tocante à preliminar levantada pela Capes, o parecer defende a legitimidade do APUBH para ajuizar a ação judicial e a “legitimidade passiva e ativa da Capes” quanto aos prejuízos gerados aos e às docentes, devido, por um lado, ao papel de indução do sistema de avaliação da Capes nas regras adotadas pelos PPGs e universidades, que impactam a carreira dos seus docentes. Por outro lado, ao fato de que a adoção pela Capes das “práticas permanentes” atacadas na ação (PP1, 2 e 3) tem distorcido a avaliação de parte dos PPGs, fazendo com que a Capes lhes atribua notas inferiores àquelas a que fariam jus, causando a redução do repasse de recursos a esses PPGs ou até seu descredenciamento, com reflexos diretos e negativos nas carreiras de seus docentes.

No processo, a Capes alega que “não possui, dentre suas competências legais, qualquer tipo de atribuição para estabelecer regras de credenciamento, descredenciamento ou recredenciamento de professores” nos PPGs, “nem com base em produção intelectual nem com base em nenhum outro critério, estando tal ato no escopo da autonomia universitária, sem qualquer ingerência ou papel indutor da Fundação”.  Afirma igualmente que “não tem o papel de avaliar docentes e sim Programas de Pós-graduação (PPGs).” E que, em decorrência de tais premissas, “eventuais alterações dos critérios pela Capes no âmbito de suas atribuições, se prejuízo causarem, limitam-se apenas aos cursos de pós-graduação, não havendo que se falar em prejuízo a terceiros que, por livre escolha e sem ingerência da Capes, optaram por valer-se de tais critérios de forma reflexa”.

Na sequência, conclui: “Raciocínio diverso imputaria à Capes uma responsabilidade objetiva pela ação de terceiros levando ao absurdo de admitir-se que eventuais alterações dos critérios de avaliação dos PPGs também deveriam levar em conta a decisão administrativa adotada internamente pelos mais de 4.000 (quatro mil) cursos existentes no país ou, pior, que a Capes seria responsável pelos prejuízos reflexos que a adoção de tais critérios poderia, em tese, causar a todos os milhares de professores que neles atuam”.

Ao alegar que não avalia docentes e sim PPGs, a Capes parece desconhecer que são docentes que garantem a existência dos programas e que suas carreiras dependem dos resultados da avaliação. Se tomarmos como exemplo a cota de concessão de bolsas, que depende da nota atribuída aos PPGs na avaliação quadrienal, é certo que haverá maior ou menor número de estudantes de pós-graduação com algum suporte para desenvolvimento de seus projetos sob orientação de docentes. A orientação na pós-graduação é atividade diretamente relacionada à carreira docente e impacta todos os processos de avaliação, inclusive da própria Capes. A tentativa de desvincular a avaliação Capes da avaliação da carreira docente é, no mínimo, cínica.

Por fim, propõe a seguinte equação: “Nesses termos, por qualquer lado que se analise a questão, ter-se-á que admitir uma dentre duas possibilidades: ou bem o sindicato dos professores não possui legitimidade ativa para a propositura da presente ação, considerando que os critérios impugnados não se destinam a ele nem a seus representados; ou, havendo legitimidade ativa, que inexiste legitimidade passiva da Capes, já que, como demonstrado, a Fundação não foi responsável pela utilização reflexa de tais elementos no âmbito das universidades.”

O parecer do APUBH, por sua vez, reconhece que a Capes “não tem ingerência direta na definição das regras de credenciamento e recredenciamento” dos PPGs, bem como “nas regras para a ascensão funcional e financeira dos docentes nas universidades”. Mas prossegue rejeitando a alegação de ilegitimidade da agência: “Por outro lado, negar a influência significativa do seu Sistema de Avaliação da Pós-Graduação na concepção de tais regras pelos PPGs e pelas universidades seria negar o próprio ‘papel indutor’ da Capes”.

O documento cita trechos do artigo 12 do Estatuto da Capes, reproduzido na própria contestação apresentada pela ré no processo. Esse artigo define que compete à Diretoria de Avaliação da Capes “promover e coordenar os processos de avaliação e acompanhamento, no âmbito da Capes”(inciso I), “providenciar a apreciação e votação”, pelo CTC-ES, “dos pareceres exarados pelas comissões das áreas de avaliação quanto à qualidade das propostas de cursos novos de pós-graduação e quanto à avaliação periódica dos cursos existentes” (inciso II) e “apoiarvisitas e atividades de indução que levem ao aprimoramento ou à criação de cursos de pós-graduação, especialmente nas áreas do conhecimento, regiões e microrregiões geográficas e níveis de cursos considerados prioritários pela política da Capes” (inciso III). Os destaques constam do parecer do APUBH e não do original.

Na avaliação do parecer, “uma das principais ‘atividades de indução’ da Capes e da sua Diretoria de Avaliação” é “exatamente a avaliação dos Programas de Pós-Graduação (PPGs)”, fato esse que “é confirmado, reiteradamente, na própria contestação da Capes”, quando, por exemplo, “reproduz recomendação da Comissão Especial nomeada pela Portaria Capes 203/2016 na qual verifica-se o papel indutor do seu Sistema de Avaliação”, a saber: “As recomendações 3, 5 e 6 envolvem o reconhecimento crescente, que se reflete na avaliação dos indicadores extra acadêmicos, que estão evoluindo, mas ainda, com muito espaço para avançar, reconhecendo e induzindo, via avaliação, a aproximação das demandas da sociedade, seja por uma maior aproximação com o meio empresarial ou pelo atendimento às demandas sociais” (trecho destacado no parecer).

Ou quando a Capes reproduz documento de Área da Química (publicado em 1/7/2019) como exemplo positivo de que o seu Sistema de Avaliação está se tornando mais qualitativo: “A avaliação periódica dos PPGs da área tem determinado forte influência na qualificação e consolidação da área. Como mostrado no histórico, a área vem apresentando avanço na produção científica, tanto do ponto de vista qualitativo, quanto quantitativo. Com isso, as coordenações de área vêm induzindo gradualmente a indicação pelos PPGs de dados que propiciem uma avaliação centrada em aspectos qualitativos” (trechos destacados no parecer).

Ou ainda quando a Capes explica o impacto das diferentes notas de seu Sistema de Avaliação: “As diferenças de notas de 3 a 7 impactam apenas na condução do planejamento da Capes quanto ao fomento e indução das políticas públicas para a pós-graduação stricto sensu, não havendo que se falar em prejuízo mas, apenas, no reconhecimento de que as políticas públicas da Fundação estão direcionadas àqueles programas que melhor se organizam e são melhor avaliados, no âmbito da discricionariedade inerente à atuação do gestor público” (destaques adicionados no parecer).

Aliás, este trecho da manifestação da agência é uma verdadeira confissão de culpa no que tange às suas responsabilidades na manutenção de um sistema propositalmente enviesado, que tende a concentrar recursos nos programas e instituições considerados de excelência os quais tendem assim, por sua vez, a manter as posições conquistadas, em detrimento dos demais, uma vez que a política de pontuação é comparativa (ranqueadora) e portanto competitiva e discriminatória.

Adoção de “práticas permanentes” tem causado prejuízos a docentes

Diante de tais circunstâncias, diz o parecer técnico da APUBH, “cabe à Capes optar por uma entre três opções”: 1) “a Capes concede ‘autonomia’ total às universidades para a criação, avaliação e fomento de seus próprios PPGs, sem qualquer tipo de ‘indução’ (o que seria ir contra o seu Estatuto)”; ou 2) “a Capes admite que são infundadas as alegações, expressas na sua própria contestação, de que uma potencial mudança no seu Sistema de Avaliação da PG afetaria o seu papel de ‘indução’ para a melhoria da qualidade da produção científica dos docentes e seus PPGs”; ou 3) a Capes se responsabiliza pelo papel indutor do Sistema Capes de Avaliação da PG “e, assim, pela sua legitimidade passiva na concepção das regras de (re)credenciamento e de progressão de docentes adotadas pelos PPGs e pelas universidades e seus impactos para os docentes e seus PPGs (a ‘indução’ propriamente dita)”, e passa a fazer “as correções necessárias naquilo que se mostrar ilegal dentro da sua alçada e do seu controle”.

Mas, adverte o documento, na eventualidade de a indução da Avaliação da Capes não ser considerada suficiente, “a legitimidade do autor da inicial [o APUBH] pode ser comprovada ao se demonstrar como que a adoção das PP1, PP2 e PP3, ultrapassando os limites legais e o poder discricionário da Capes, têm causado prejuízos aos docentes, incluindo os por ele representados”.

No início da contestação à ação judicial do sindicato, a Capes afirma que, com relação ao mérito, “o mais relevante aspecto que consta da documentação apresentada pela área técnica da Capes é que, ao contrário daquilo que se utiliza como pressuposto fundamental desta ação, a premissa de que os parâmetros da avaliação teriam sido divulgados a posteriori está equivocada”. Porém, segundo o parecer da APUBH, a Capes não especifica a quais “parâmetros da avaliação” está se referindo quando faz a afirmação acima. “Isso é essencial porque, para que os docentes possam saber como serão avaliados, a Capes tem de tornar públicas três partes do seu sistema de avaliação: as Fichas de Avaliação, os diferentes tipos de ‘Qualis’ e as Notas de Corte”.

Antes da divulgação oficial das Fichas de Avaliação no site da Capes, os docentes e PPGs não conseguem saber, efetivamente, como serão avaliados. Como já mencionado, as Fichas definem os indicadores e pesos com os quais os quesitos, itens e subitens das fichas serão avaliados. Os “Qualis”, por seu turno, dividem a produção intelectual dos docentes em quatro tipos: Qualis Artístico/cultural e Classificação de Eventos, Qualis de Livros, Qualis Técnico/Tecnológico e Qualis Periódicos. Cada um deles apresenta “estratos” que atribuem “conceitos” a depender da “qualidade” da produção intelectual.

Já as Notas de Corte relativas a determinados indicadores, assim como à definição da nota final de cada PPG, fixam os intervalos de valores que definem o conceito e/ou nota que o indicador ou o PPG irá receber, dependendo do intervalo no qual o resultado da sua avaliação “cair”. Esses intervalos são definidos pelas “notas de corte” inferior e superior. Por exemplo, na graduação, um aluno recebe o conceito “A” quando sua nota cai no intervalo entre “90 e 100 pontos”. Nesse caso, “90” e 100” pontos são as “notas de corte” que definem o intervalo do conceito “A”.

Os Qualis, explica o parecer do APUBH, são responsáveis por definir dois aspectos centrais da avaliação: (a) quais são os “produtos” que podem ser considerados como uma “produção científica” e (b) quais são os parâmetros de qualidade (“réguas”) que serão utilizados para se medir a qualidade de tais produtos. Por exemplo, uma produção intelectual específica — como um artigo (de Física), uma patente (na Engenharia) ou uma peça orquestral (na Música) — será considerada de “maior” ou “menor” qualidade dependendo de em qual faixa do “estrato” ela for classificada.

Assim, continua, os “estratos” do Qualis definem o conceito a ser atribuído a uma produção científica. “Por exemplo, de acordo com o ‘Qualis Periódicos’, se um(a) docente publicar nas revistas Nature ou Science, seu artigo será considerado ‘A1’ (mais alto nível do estrato) enquanto se ele(a) publicar na revista Production o seu artigo será considerado ‘B2’ (nível médio do estrato). Portanto, um[a] docente que tiver publicações A1 e A2 auxiliará o seu PPG a receber uma nota melhor nesse importante indicador, comparado a um[a] docente que tiver artigos publicados nos estratos inferiores”.

Para que a Capes pudesse afirmar — como fez ao manifestar-se nos autos da ação judicial — que os “parâmetros da avaliação” não foram publicados a posteriori ela teria de comprovar que todas as Fichas de Avaliação e Notas de Corte e todos os “Qualis”, foram, de fato, publicados no início do quadriênio 2017-2020. “Mas isso não ocorre”, assinala o parecer do APUBH. “No que tange às Fichas de Avaliação, ela [Capes] se empenha para negar que elas foram alteradas e publicadas a posteriori (Tese 1) – mas não anexa à sua contestação a ‘documentação’ da área técnica que é mencionada na citação acima como sendo o aspecto ‘mais relevante’ para questionar a ‘premissa [da ação inicial] de que os parâmetros da avaliação teriam sido divulgados a posteriori’”. O documento demonstra, a seguir, que basta consultar o próprio site da Capes para constatar que todas as Fichas de Avaliação do quadriênio 2017-2020, consideradas as 49 coordenações de áreas (CAs), “foram publicadas a posteriori, para serem aplicadas retroativamente na Avaliação Quadrienal 2017-2020”.

De acordo com o APUBH, por ser “impossível refutar fatos e dados”, a Capes na sua contestação procura amenizar a publicação a posteriori das Fichas de Avaliação, como se elas já fossem conhecidas de todos: “Ainda que a ficha de avaliação só tenha sido apresentada de forma definitiva para a comunidade em 2019, com ampla divulgação nos portais do MEC e da Capes, ela vinha sendo trabalhada pelos coordenadores de área ao longo dos anos e, mais especificamente, durante o Seminário de Meio Termo, realizado entre agosto e outubro de 2019”. 

Porém, destaca o parecer, a Capes também afirma que “a definição das fichas de avaliação foi objeto de debate entre os 147 coordenadores de áreas, seus colégios e aprovado no CTC-ES na 182ª Reunião em dezembro de 2018”, e que foi “acordado que até o nível de categoria de análise, todas as áreas adotariam os mesmos quesitos e cada área teria autonomia para definir seus indicadores, critérios e pesos a partir das categorias de análise em função de suas especificidades e considerações apresentadas no seu documento de área”. Ou seja: “mesmo que fosse aceita a tese de que as Fichas de Avaliação 2017-2020 já estavam sendo discutidas, a Capes admite que a definição dos quesitos (nível mais alto da Ficha de Avaliação, comum a todas as CAs) se deu ao final do segundo ano do quadriênio e que o ‘detalhamento’ desses em “indicadores, critérios e pesos” só começou a ser feito pelas Coordenações de Áreas da Capes a partir do início do terceiro ano do quadriênio 2017-2020”. Em síntese: “Verifica-se, portanto, que todos os docentes que atuam nos mais de 4.000 PPGs do Brasil só souberam as regras do jogo da Avaliação Quadrienal 2017-2020 ao ‘final do segundo tempo’”.

Retroatividade de critérios versus “avaliação participativa e dinâmica”

O parecer do APUBH também refuta os eufemismos e subterfúgios que a Capes utiliza ao referir-se, em sua manifestação no processo judicial, às alterações ocorridas nas Fichas de Avaliação: “reagrupamento”, “reestruturação”, “atualização” ou “ajustes” dos quesitos e itens da Ficha de Avaliação ou mesmo “adaptações e detalhamentos”. Tudo isso para alegar que não houve alterações expressivas nas Fichas de Avaliação do quadriênio 2017-2020, quando comparadas às Fichas do quadriênio anterior (2013-2016).

A saber: “Não se tratam de quesitos novos, mas um reagrupamento dos quesitos da ficha anterior, de modo a melhor atender às solicitações dos PPGs por uma avaliação mais efetiva e conectada com a realidade da ciência brasileira”. “Houve, assim, reestruturação dos quesitos e itens da ficha de avaliação”. “Neste evento [Seminário de Meio Termo, em 2019] se reuniram os mais de 4 mil coordenadores de programas de pós do país, oriundos das 49 áreas do conhecimento, onde puderam discutir sobre a atualização da ficha de avaliação (aprimoradas [sic] por grupos de trabalho organizados pela Capes desde 2018)”. “Ao contrário do que alega a parte autora, a Capes não está propondo 3.672 alterações de indicadores e 1.849 alterações de pesos, a serem supostamente aplicados, retroativamente, para a avaliação dos PPGs no quadriênio atual (2017-2020). Todos esses elementos foram analisados e aprovados previamente pela própria comunidade acadêmica que os elaborou, cientes de que havia necessidade deatualização de alguns aspectos da avaliação que já não refletiam, com fidedignidade, a realidade dos programas” (destaques do parecer).

Ou ainda: “Os detalhamentos, além de revestirem-se de caráter meramente instrumental, não são impostos pela Capes, mas acordados entre as áreas de avaliação e os próprios PPGs”. “Nesse contexto, não há que se falar em inovação ou surpresa, menos ainda em retroatividade dos critérios da avaliação. Na verdade, o que se tem é uma avaliação participativa e dinâmica, que permite que a Capes avalie os PPGs e, ao mesmo tempo, permite que os PPGs orientem a Capes quanto às inovações das métricas de avaliação, sem que isso viole qualquer dos requisitos inicialmente estabelecidos” (destaques do parecer).

Na visão do parecer, a Capes “adota dois argumentos, mutuamente excludentes”: primeiro, nega que tenha feito alterações a posteriori nas Fichas de Avaliação; depois, afirma que se há alguma alteração ou é fruto de uma solicitação, ou tem o “de acordo” dos PPGs. Com o intuito de demonstrar que não houve alterações nas Fichas, mas essencialmente “agrupamentos”, a Capes apresenta na sua contestação duas Fichas de Avaliação, uma do quadriênio anterior e a outra do atual. No entanto, as fichas apresentadas limitam-se a mostrar somente os itens de primeiro e segundo níveis — “quesitos” e “itens” — e seus respectivos pesos. “Porém, nas Fichas de Avaliação finais publicadas pelas Coordenações de Área, existem vários subitens e indicadores qualitativos e/ou quantitativos e os pesos dentro de cada item do 2º nível, todos utilizados para avaliar e compor o resultado final da avaliação dos docentes e PPGs, mas ausentes no exemplo da Capes”, adverte o parecer.

“A comparação entre duas Fichas de Avaliação é um processo complexo, demorado e criterioso, que exige uma análise qualitativa detalhada”, prossegue o documento, observando que é preciso “identificar e quantificar itens, subitens e pesos novos ou alterados significativamente”, sem considerar casos de meros “agrupamentos” ou pequenos “ajustes”. Foi justamente essa preocupação que orientou o trabalho de pesquisa apoiado pelo APUBH e que resultou na ação judicial em curso. Na seção de “Metodologia” do Relatório de Pesquisa que embasa a ação inicial, explica o parecer, “os pesquisadores explicitam os métodos e regras adotadas na comparação entre as Fichas de Avaliação de quadriênios distintos” das 49 coordenações de áreas. Como resultado dessa análise, o Relatório de Pesquisa indica onde ocorreram e quantas foram as alterações de itens e de pesos (do segundo nível para abaixo), chegando-se ao total de 5.521 alterações — sendo 3.672 alterações de indicadores e 1.849 alterações de pesos — que a Capes pretende implementar na avaliação dos PPGS no quadriênio 2017-2020.

“Os detalhes das mudanças nas Fichas de Avaliação do quadriênio (2017-2020) em relação ao anterior (2013-2016), referentes a cada uma das 49 coordenações de área da Capes, estão disponíveis, para escrutínio de qualquer pessoa, ao longo das 356 páginas que compõem o Anexo B – doc. 9 da ação inicial”. O parecer da APUBH chama atenção para o “enorme contraste” entre o trabalho minucioso e cuidadoso que embasa a peça exordial, de um lado, e “o exemplo simplificado e incompleto apresentado pela defesa da Capes”, de outro lado. “Essas 356 páginas de alterações realizadas servem também para mostrar que o que a Capes denominou de ‘detalhamentos […] de caráter meramente instrumental’ dos quesitos da Ficha de Avaliação consiste, na realidade, no detalhamento de como os PPGs serão efetivamente avaliados. E, como visto, tal detalhamento, com todas essas alterações em relação ao quadriênio anterior, só foi tornado público ao final do quadriênio”.

Os 49 coordenadores de área não são eleitos pelos PPGs mas designados pela Capes

Como já antecipado nas declarações vistas anteriormente sobre a natureza das alterações realizadas, outro argumento apresentado pela Capes em sua defesa é que essas mudanças foram solicitadas pelos próprios PPGs ou tiveram a anuência deles. Assim, a Capes afirma que “todas as alterações de regras tratam, ‘tão somente’, do acolhimento, pela Capes, de ‘propostas dos PPGs e da Comunidade Acadêmica’” e que “todos os elementos” (a saber: as 3.672 alterações de indicadores e 1.849 alterações de pesos apontadas pelo APUBH na ação judicial) foram “analisados e aprovados previamente” pela própria comunidade acadêmica. “Tais afirmações são uma simplificação da complexidade da interação entre a Capes, enquanto instituição que possui o poder discricionário de definir as regras e avaliar a Pós-Graduação do Brasil, os docentes brasileiros que são convidados a participar dela e os PPGs do Brasil”, diz a APUBH no seu parecer.

“Esse é um ponto que foge ao escopo da ação”, pondera o texto. Porém, dada a contestação da Capes, ele pontua aspectos relevantes da questão. Em primeiro lugar, os 49 coordenadores de área da Capes não são eleitos pelos PPGs que serão por eles avaliados, mas sim designados pela Capes. “É fato que a Capes faz algumas consultas à comunidade acadêmica, mas a palavra e a indicação finais são suas. Isto é, a Capes utiliza seu poder discricionário para designar todos os coordenadores de área”. Já a composição do CTC-ES consiste em três diretores da Capes designados por seu presidente ou pelo MEC, 20 representantes das Grandes Áreas eleitos pelos 49 coordenadores de área designados pela Capes, e apenas dois membros externos — um representante da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e um representante do Fórum Nacional de Pró Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop).

“Por tal razão, os Coordenadores de Área e os Membros do CTC-ES não podem ser considerados como representantes eleitos, que teriam a legitimidade para ‘falar’ pelos mais de 4.000 PPGs do Brasil na definição ou alteração das regras da avaliação, como a defesa da Capes quer fazer crer”, sustenta o parecer. A cada quatro anos, acrescenta, “a escolha de ao menos 92% (23 dos 25) membros do CTC-ES (os internos) e de 100% (49 dos 49) coordenadores de área é influenciada pelo momento histórico e político brasileiros, envolvendo negociações entre o governo de plantão, a cúpula da Capes por ele designada e docentes que desejam se tornar coordenadores de área”.

Existe uma clara hierarquia de poder, argumenta, tanto do MEC em relação à Capes quanto no interior da agência e, em especial, na relação dos seus coordenadores de área com os mais de 4.000 PPGs do Brasil. “Por isso, o ‘Seminário de Meio Termo’, mencionado pela Capes em sua contestação, é um momento no qual, para algumas CAs, os PPGs são muito mais informados do que está sendo feito do que consultados. E mesmo nas CAs mais participativas e democráticas, onde essa consulta ocorre efetivamente, quem tomará a decisão final, por exemplo, no caso de discordâncias dos indicadores e pesos que vão entrar, sair, ficar ou serem alterados na Ficha de Avaliação, será o coordenador de Área da Capes e sua equipe”.

Portanto, conclui o parecer, a Capes apresenta uma visão restritiva de “comunidade acadêmica” ao afirmar que os parâmetros do seu Sistema de Avaliação são “analisados e aprovados previamente pela comunidade acadêmica que os elaborou”. Mais ainda: “A Capes também falta com a verdade ao dizer que eles ‘não são impostos pela Capes, mas acordados entre as áreas de avaliação e os próprios PPGs’. Se fosse esse o caso, não existiria a necessidade dessa ação, pois as regras a serem utilizadas na Avaliação Quadrienal de 2017-2020, com suas 5.521 alterações a posteriori, teriam recebido o ‘de acordo’ de todos os docentes das universidades brasileiras — incluindo os representados pelo Autor [o APUBH]”.

APUBH x APUBH? Nota da direção causa renúncia dos membros do GT Capes

A decisão da 32ª Vara Federal do Rio de Janeiro provocou reações inusitadas de algumas entidades alinhadas com o produtivismo acadêmico, como o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) e a federação Proifes.  Mas surpreendente, para não dizer espantosa, foi a nota emitida pela Diretoria do próprio APUBH na última sexta-feira (15/10).

“Embora os critérios retroativos adotados pela Capes na avaliação quadrienal sejam, no mínimo, questionáveis, e devam ser objeto de reflexão pela comunidade acadêmica, essa nítida ingerência sobre a Capes gera indignação. Trata-se de instrumentalização de uma pauta legítima, que é a permanente discussão sobre a melhoria dos processos de avaliação da pós-graduação, para justificar um claro projeto de destruição da pesquisa no Brasil”, declara a direção do APUBH.

“Devemos estar atentos à conjuntura social e política em que vivemos. O governo Bolsonaro claramente ataca as instituições acadêmicas e promove a destruição das principais agências federais (Capes e CNPq)”, continua a nota, passando a citar outros aspectos nefastos da política governamental, como o corte nos recursos do MCTI e a interferência nas eleições de reitore(a)s, observando que não se pode “naturalizar” tal contexto.

“Nós, do APUBHUFMG+, promovemos debates e ações no sentido de contribuir para a melhoria do nosso sistema de pós-graduação. Nunca pleiteamos a suspensão dos processos avaliativos em curso na Capes”, assegura a Diretoria. “Repudiamos o pedido feito pelo MPF e a decisão liminar proferida pela Justiça Federal, que se trata de mais um ataque, cujo objetivo maior é a destruição do sistema público e da educação pública em nosso país”. Finaliza dizendo lutar pela preservação da Capes: “A suspensão é inaceitável e deve ser rechaçada com veemência pela comunidade acadêmica”.

O professor Rodrigo Ribeiro (UFMG), que coordenou a pesquisa que embasa as ações civis públicas do APUBH e do MPF-RJ e, a pedido do APUBH, escreveu o parecer técnico em resposta à contestação da Capes, identifica — em declarações prestadas ao Informativo Adusp — três graves problemas na nota da direção do sindicato sobre a ação judicial do MPF-RJ.

“O primeiro deles é um erro técnico, quando o APUBH afirma que ‘Nunca pleiteamos a suspensão dos processos avaliativos em curso na CAPES’. Se o APUBH solicitou, em sua ação inicial, o uso dos critérios da avaliação do quadriênio 2013-2016, isso significa, na prática, a suspensão da avaliação com base nos novos critérios da avaliação quadrienal 2017-2020”, diz Ribeiro, cuja crítica é compartilhada pelos demais membros do GT Capes-APUBH, professora Beatriz Couto e professor Francisco Lima, ambos também da UFMG. 

O segundo problema, na visão deles, “é a tentativa de reduzir qualquer crítica à Capes, justa ou não, unicamente a uma questão política”. Ou seja, “a defesa da Capes, que também apoiamos e consideramos relevante nesse momento, não precisa ser feita de forma incondicional — ou pode-se cair em contradições, como é o caso da nota da Diretoria”. Tal contradição, explica, consiste no fato de que “o APUBH demonstrou que vários PPGs no Brasil têm sido prejudicados pelas mudanças a posteriori das regras da avaliação da Capes e sua aplicação retroativa”.

Também foi demonstrado, continua Ribeiro, que tal prática é ilegal e inconstitucional. “Assim, o pedido de tutela de urgência feito pelo APUBH teve, portanto, o mesmo objetivo do pedido de tutela de urgência do MPF-RJ: evitar um dano iminente, a vários PPGs e seus docentes, que poderia ocorrer por uma avaliação ilegal e inconstitucional que estava em curso. Por que, então, a ação do APUBH seria defensável e a do MPF-RJ seria parte de um ‘claro projeto de destruição da pesquisa no Brasil’, como é dito na nota da Diretoria do APBUH? Assim, entendemos que, sem entrar no debate da ‘real’ intenção do MPF-RJ, pode-se reconhecer seu mérito técnico e jurídico, sem coadunar com eventuais interesses políticos”.

Em resumo, na visão dos membros do GT Capes-APUBH, “ao adotar uma estratégia política imediatista, a Direção do APUBH acabou, assim, indo contra sua própria ação, contra o trabalho técnico feito pelo GT e contra uma pesquisa que provê todos os dados e fatos para questionar o atual sistema de avaliação da Capes em direção a uma avaliação que seja justa, transparente, qualificante e legal/constitucional”.

Eles deploram, ainda, o viés unilateral e autoritário na elaboração e divulgação da nota. “A Direção do APUBH publicou essa nota sem consultar ou obter a anuência do GT Capes-APUBH, mesmo após termos, reiteradamente, solicitado participar da sua redação. Por causa disso, na data de hoje [18/10] nós informamos à Direção do APUBH o nosso desligamento do GT Capes-APUBH”.

EXPRESSO ADUSP


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