Defesa da Universidade
Novo ato do MEC busca implantar censura nas instituições federais mas é ilegal, denuncia Andes-SN
04/03/2021 17h07
Valendo-se de uma simples recomendação de um procurador da República, o Ministério da Educação “começa a implementar medidas de censura dentro das instituições de ensino, medidas de censura à própria educação”, adverte a professora Rivânia Moura, presidenta do Andes-Sindicato Nacional. Ofício-Circular 4/21, da Difes-MEC, é “ilegal e inconstitucional, especialmente por restringir o direito de livre manifestação nas IFES”, e devem ser tomadas medidas administrativas e judiciais contra ele, diz Assessoria Jurídica do Sindicato Nacional
A Diretoria de Desenvolvimento da Rede de Instituições de Ensino Superior (Difes) do Ministério da Educação (MEC) encaminhou aos reitores das IFES, por meio do Ofício-Circular nº 4/2021, a Recomendação 133, de 5/6/19, da Procuradoria da República em Goiás, “para conhecimento e providências cabíveis”. Assinada pelo procurador Ailton Benedito de Souza, do Ministério Público Federal (MPF) em Goiás, essa recomendação propõe ao MEC a tomada de providências para prevenir e punir atos de teor político-partidário nas instituições públicas federais de ensino, apontando, ainda, que os recursos financeiros sob gestão destas instituições não podem custear nem patrocinar a participação de qualquer pessoa física ou jurídica, ou ainda, agrupamentos de qualquer espécie, em atos político-partidários.
Ao encaminhar a “recomendação” do procurador Souza, aos reitores, a Difes-MEC convalidou o seu teor proibicionista. No entanto, de acordo com a Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), trata-se de iniciativa totalmente descabida, “pois o MPF não é órgão consultivo do Poder Executivo, não estando o MEC obrigado a seguir aquilo o que foi recomendado pela Procuradoria da República em Goiás”.
Tais recomendações, esclarece a AJN, “são normalmente expedidas por procuradores da República no primeiro nível da carreira e que diante da autonomia institucional e independência funcional têm liberdade para atuar segundo suas convicções”, não servindo como elemento orientador da Administração Pública.
Outra questão importante, pontua a AJN, é a incompetência da Difes para estabelecer normativa para as IFES no tocante à utilização do espaço e bens públicos. “Deveras, essa competência nos termos do artigo 138, do Decreto nº 9.745, de 8/4/19, é da Secretária de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, que a exerce de forma normativa e orientadora em matéria de pessoal civil no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”.
Decisões do STF garantem ampla liberdade de manifestação nos campi
Mais grave ainda, segundo a assessoria, é que em recente decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 548, assegurou a livre manifestação do pensamento e das ideias em universidades. “No julgamento foi destacado que a autonomia universitária está entre os princípios constitucionais que garantem toda a forma de liberdade”, assinala a AJN.
No seu voto, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ADPF, sustentou que “a exposição de opiniões, ideias ou ideologias e o desempenho de atividades de docência são manifestações da liberdade e garantia da integridade digna e livre”. A liberdade de pensamento não é concessão do Estado, mas sim direito fundamental do indivíduo, que pode até mesmo se contrapor ao Estado, concluiu a ministra.
Não bastasse, o STF já havia se manifestado no mesmo sentido no julgamento de uma lei de Alagoas (ADIs nºs 5537, 5580 e 6038), que institui o programa “Escola sem Partido”. Nesse caso, o ministro Luis Roberto Barroso, relator, entendeu que “a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias são princípios e diretrizes do sistema educacional brasileiro”. Por isso, aquela lei afrontava o direito à educação com o alcance pleno e emancipatório. A seu ver, destaca a AJN, “a proibição de manifestações políticas, religiosas ou filosóficas é uma vedação genérica de conduta que, a pretexto de evitar a doutrinação de alunos, pode gerar a perseguição de professores que não compartilhem das visões dominantes”.
Nesse sentido, conclui a AJN, seja dos pontos de vista formal ou material, “o Ofício-Circular nº 4/21, do MEC, é ilegal e inconstitucional, especialmente por restringir o direito de livre manifestação nas IFES”, e devem ser tomadas “medidas administrativas e jurídicas para compelir o MEC a desfazer o ato em questão” (confira aqui a íntegra do parecer).
Governo Bolsonaro aprofunda processo de perseguição, diz a professora Rivânia
“Tem sido comum a prática de perseguição do governo federal às vozes que se põem contrárias às suas arbitrariedades. Basta lembrar que na campanha eleitoral de 2018 tivemos dentro das universidades, institutos, Cefets diversos casos de perseguição política a professores, estudantes e técnicos, com gravação de vídeos, com denúncias de posicionamentos políticos. Ali se acirra já esse processo de perseguição. Mas agora o processo se aprofunda”, avalia a professora Rivânia Moura, presidenta do Andes-SN, em declarações prestadas ao Informativo Adusp.
“O MEC, valendo-se da recomendação do procurador da República do Estado de Goiás, começa a implementar medidas de censura dentro das instituições de ensino, medidas de censura à própria educação. Têm sido comuns nos últimos tempos denúncias contra professores que se posicionam, que criticam o governo federal. Denúncias contra professores por realização de atividades que discutem a conjuntura, que apresentam críticas a todo o processo de negacionismo do governo, e a como o governo tem reagido, principalmente diante da pandemia. Então o MEC tem feito um processo amplo de censura dentro das instituições de ensino”, explica Rivânia, que é docente da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).
“O Andes-Sindicato Nacional repudia veementemente essa ação do MEC, por entender que o fundamento principal da educação é o debate, é a crítica, é a construção coletiva do conhecimento. E que isso se dá com diferenças de ideias, com diferenças de posicionamento. Portanto o cerceamento da liberdade, do diálogo, do debate, é um cerceamento da própria condição do que significa a educação na sua forma mais essencial, mais profunda”, enfatiza a professora.
“O Andes continuará sempre em luta, em defesa das liberdades democráticas, e portanto repudiando qualquer forma de repressão, qualquer forma de perseguição política, qualquer forma de cerceamento a essas liberdades”, acrescenta. “Nesse sentido, consideramos que as últimas posturas do MEC têm sido reprováveis no que diz respeito à valorização da educação. O presidente da República, por muitas vezes, já questionou a ciência, o avanço científico, as pesquisas, o papel que tem a educação no âmbito do avanço da ciência e tecnologia. E agora essa postura do MEC se coaduna com o projeto negacionista do governo, que não admite debate, diálogo e crítica”.
A seu ver, o comportamento do MEC vincula-se ao projeto de educação do governo federal, “que é contrário à educação que o Andes-SN defende: uma educação pública, de qualidade, gratuita, laica e socialmente referenciada, pautada nas necessidades sociais da população brasileira”.
Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!
Mais Lidas
- Novo modelo proposto pelo MEC redireciona e elitiza a pós-graduação nacional, “formando para o mercado e não para a docência e pesquisa”, adverte GT do Andes-SN
- Sem dar detalhes, Carlotti Jr. anuncia início de estudos para nova etapa da progressão docente; na última reunião do ano, Co aprova orçamento de R$ 9,15 bilhões para 2025
- Em carta ao reitor, professor aposentado Sérgio Toledo (84 anos), da Faculdade de Medicina, pede acordo na ação referente à URV e “imediato pagamento dos valores”
- Processo disciplinar que ameaça expulsar cinco estudantes da USP terá oitivas de testemunhas de defesa e de acusação nos dias 13 e 14 de novembro
- Diretor da Faculdade de Direito afasta docente investigado por supostos abusos sexuais; jurista contesta medida