Condições de trabalho
Alegando falta de recursos para contratações, Reitoria condiciona reabertura da Creche Oeste a convênio com a Prefeitura de São Paulo
Desativada arbitrariamente pela gestão M.A. Zago-V. Agopyan em janeiro de 2016, a Creche Oeste continua fechada desde então, numa demonstração de manifesta improbidade da Reitoria, dado que as instalações e equipamentos da unidade vêm sofrendo a ação do tempo e das intempéries. Depois de êxito inicial, o mandado de segurança proposto pela Associação de Pais e Funcionários da Creche Oeste (APEF) foi derrubado no Tribunal de Justiça (TJ-SP), em 2020.
Tal como a Creche Central, a Creche Oeste era uma unidade modelo onde se praticava ensino, pesquisa e extensão. Entre 2009 e 2014, por exemplo, ela recebeu 1.165 visitantes (aluno[a]s de graduação e pós-graduação, pesquisadore[a]s do exterior), sediou quinze projetos de pesquisa (iniciação científica, mestrado e doutorado) e 123 estágios de estudantes de diferentes unidades (FE, FO, FM, ECA, EE). No mesmo período, sua equipe apresentou 55 trabalhos em eventos acadêmicos. Esses dados constam de dossiê elaborado conjuntamente pelo CEDin e pela Adusp.
A gestão Carlotti Jr.-Maria Arminda vem acenando com a possibilidade de reabertura da Creche Oeste. No entanto, nos planos da Reitoria a unidade não retomaria seu antigo status, nem do ponto de vista das finalidades universitárias, nem do ponto de vista do público a ser atendido. Isso porque o que se pretende é reabri-la mediante convênio com a Secretaria Municipal de Educação (SME), a ser intermediado, de acordo com uma das propostas, por uma entidade privada, a Fundação Universidade de São Paulo (FUSP).
A questão foi abordada em reunião realizada com as entidades representativas no dia 25/8, na Coordenadoria da Vida no Campus, órgão da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), com a participação da coordenadora, professora Marie Claire Sekkel, da chefe técnica da Divisão de Creches, Flaviana Rodrigues de Oliveira, das professoras Bete Franco (Rede Não Cala), Maria Letícia Nascimento (Centro de Estudos e Defesa da Infância-CEDIn), Vanessa Martins do Monte (Adusp), e ainda de Ana Cristina Alves de Passos Araújo (Sintusp), Luca (Associação dos Pós-Graduandos-Capital), Isabela e Artur (ambos do Diretório Central dos Estudantes).
Após apresentar um histórico do tema, Marie Claire relembrou que no início deste ano houve uma reunião a partir de uma carta que pedia a reabertura da Creche, assinada pelas entidades presentes (com exceção do DCE). Informou que a posição da Reitoria da USP é de que não é possível reabrir a Creche, pois no momento não seria possível contratar a(o)s 40 funcionária(o)s necessária(o)s para isso. A proposta do CEDIn de criar no espaço da unidade um centro de formação e documentação, com contratação de quatro funcionário(a)s, também foi negada pela Reitoria, pelos mesmos motivos.
A coordenadora relatou, em seguida, que o pró-reitor adjunto de Graduação, Marcos Garcia Neira, sugeriu sondar o interesse da SME em estabelecer um convênio para reabertura da Creche, e que foi realizada uma reunião em 6/7 com o secretário municipal de Educação, Fernando Padula Novaes, o secretário adjunto Bruno Correia e a secretária de gestão, Marcela Arruda.
Nessa reunião a SME informou que obviamente, caso o convênio seja realizado, a creche será aberta a toda a sociedade e não só à comunidade da USP. Caberia à universidade entregar o prédio, que precisa ser reformado. A Procuradoria Geral da USP elaborou a minuta de um protocolo de intenções, com prazo de um ano, para que sejam discutidos os termos do possível convênio. Porém, essa minuta não foi apresentada à(o)s participantes da reunião de 25/8 na Coordenadoria de Vida no Campus.
Suposta falta de dinheiro para contratar 40 funcionária(o)s não procede
A alegação da Reitoria de que não pode contratar funcionária(o)s para a Creche Oeste surpreende. Estima-se que a USP tenha bilhões de reais em caixa. Em junho último, o Conselho Universitário aprovou proposta do reitor, desprovida de qualquer diagnóstico técnico, de investir R$ 1,9 bilhão em projetos diversos, alguns de interesse exclusivo do governo estadual, como o fracassado Parque Tecnológico do Jaguaré, ao qual a USP destinará R$ 100 milhões. Outros de interesse de fundações privadas, como a doação de R$ 217 milhões a duas autarquias que já não pertencem à universidade: o Hospital das Clínicas de São Paulo (R$ 150 milhões) e o HC de Ribeirão Preto (R$ 67 milhões).
Na conversa com representantes das entidades, na reunião de 25/8, Marie Claire indagou às entidades como receberiam o possível convênio com a SME. As opiniões se dividiram, mas houve diversos questionamentos ao convênio e ponderações quanto aos riscos de terceirização.
A professora Vanessa, 1a secretária da Adusp, advertiu para o fato de que a proposta pode acarretar precarização, e observou que a Creche Oeste é um espaço de formação e não só de serviço. Manifestou preocupação com a possibilidade de participação da FUSP como entidade conveniada, ao invés da própria USP, e que é preciso tentar que seja a universidade a instituição conveniada, e não a fundação privada. Destacou que o orçamento da USP permite contratações, e que seu comprometimento atual com a folha de pagamento é de apenas 68%. Informou que levaria a discussão para exame na Diretoria da Adusp.
Ana Cristina, do Sintusp, definiu o fechamento da unidade como parte de um processo de desmonte. Assinalou a perda de identidade das creches e falou da violência sofrida pelos funcionários com o fechamento da Creche Oeste. Questionou se o convênio com a SME não seria o primeiro passo para a municipalização de todas as creches da USP: “Não há espaço para a Educação Infantil na Universidade?” Alertou para a implicação nas relações de trabalho da existência de duas categorias de professores nas creches, com salários diferentes, e da implicação na qualidade da educação. O orçamento da USP está favorável, acrescentou, e o caminho é radicalizar para que a Creche seja da USP. Ficou de levar a discussão para as trabalhadoras das creches e para o Sintusp.
Luca, da APG-Capital, por sua vez, entende que o convênio com a SME significa precarização, e “politicamente será entendido pela comunidade que a Creche Oeste será terceirizada”, o que levará à radicalização da comunidade universitária. Um possível convênio, avaliou, teria que ser feito de forma a não perder o projeto da Creche Oeste de vista. Propôs que a USP contrate diretamente os professores e funcionários da unidade.
Marie Claire afirmou que não há a intenção de municipalizar todas as Creches da USP. Ao final, foram definidos alguns encaminhamentos. O grupo fará reuniões mensais, a próxima será em 22/9 às 10 horas. As entidades presentes deverão participar, em 15/10, do Encontro das trabalhadoras das Creches.
“A proposta de reabertura passa por uma ideia de terceirização que tentamos desconstruir”
“A reunião foi boa e mostra que estamos conseguindo abrir diálogo sobre a reabertura da Creche Oeste”, avalia a professora Bete Franco, que na reunião também não emitiu opinião categórica, anunciando que consultaria sua entidade, a Rede Não Cala. “O problema é que as entidades gostariam de que a creche fosse diretamente subsidiada pela USP, mas a proposta de reabertura passa por uma ideia de terceirização que tentamos desconstruir na reunião, ou ao menos tentar garantir que, caso a USP receba verba da Prefeitura, seja de modo provisório, estabelecido num período de tempo limitado e com acompanhamento próximo das entidades”, relatou ela ao Informativo Adusp.
“Nosso sonho é reformar a Creche Oeste, reabri-la e fortalecer as outras creches. É preciso que a comunidade perceba que não é a mesma coisa pagar auxílio creche e ter as creches mantidas pela USP”, pondera a docente da EACH. “Primeiro porque a maioria da população da universidade são estudantes que também precisam de creches para seus(suas) filhos(as). Além disso, as creches têm um papel central no desenvolvimento das crianças e não são somente a prestação de um serviço!”, enfatiza.
“Nossas creches são espaços de ensino, pesquisa e extensão e a USP deve investir neste espaço como articulado com suas atividades fins e como exemplo de espaços de educativos altamente qualificados e inspiração para políticas de educação infantil no país”, pontua. No seu entender, o aspecto do financiamento, observado no debate das creches, perpassa todas as pautas relacionadas à questão do cuidado e da assistência.
“A PRIP atua em muitas pautas que me são caras, tais como as creches, saúde mental, questões de gênero, raça e o Crusp [Conjunto Residencial da USP]. Existem bons profissionais envolvidos e bons projetos podem ser executados, mas fico perplexa com a falta de recursos humanos e materiais. Como universidade temos que fazer uma escolha! Priorizar estas pautas constituindo uma pró-reitoria pode ser um passo importante, mas é insuficiente se não temos o investimento financeiro”.
Sem gente, sem material e sem recursos boas ideias não saem do papel, diz ela: “Estas pautas que envolvem cuidados e direitos precisam deixar de ser concebidas como custos e precisam passar a ser investimentos fundamentais de quem quer alçar a USP ao rol das grandes universidades”, reitera Bete.
“Paralelamente a isto temos o grande problema da perspectiva empresarial e da terceirização. A USP tem verba para investir em trabalhos nesta área e espero que o Conselho Universitário realmente considere tais investimentos prioritários, pois é impossível excelência em ensino, pesquisa e extensão se constituímos uma pró-reitoria para cuidar de temas centrais e a falta de recursos mostra que continuam subalternos”.
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