Condições de trabalho
A pedido da Polícia, juiz quebra sigilo telemático de responsável por perseguição à professora Francirosy Barbosa
O 27ª Distrito Policial (Campo Belo, capital) está investigando a perseguição sistemática que a professora Francirosy Campos Barbosa, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP), vem sofrendo desde 2021. Os ataques, que partem de uma pessoa que ainda não foi identificada, têm como alvo o trabalho acadêmico de Francirosy, que envolve questões relacionadas à autodeterminação da Palestina e à islamofobia.
Durante a realização do curso online “A Palestina no Tempo”, realizado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa) em outubro e novembro de 2021 e que contou com a participação de seis docentes, ocorreram incidentes durante uma aula de Francirosy, protagonizados por uma pessoa que acabou “bloqueada” depois de proferir insultos e agressões. As agressões, porém, prosseguiram na lista de e-mails do curso, de onde a pessoa também seria retirada.
Semanas depois, a docente da FFCLRP, que professa a religião muçulmana, participou de simpósio na Universidade Estadual de Goiás (UEG), intitulado “Ética e religões em tempos de crise”. Para sua surpresa, foi informada, dias antes, de que o reitor da instituição recebera um e-mail com denúncias contra ela, enviado pela mesma pessoa envolvida no episódio ocorrido na Unipampa. Segundo o teor da mensagem, Francirosy seria “antissemita”, teria cometido “crime de racismo” e não teria as credenciais científicas necessárias para participar do simpósio.
“ Recebi autorização da mesa coordenadora do evento para, querendo, me manifestar na live, mas recusei, achei melhor focar apenas no que havia sido proposto pela mesa, uma discussão sobre ética religiosa. Enfim, uma situação bem desconfortável”, relata ela em carta enviada à Congregação da FFCLRP, informando que naquele momento comunicou os fatos à chefe e à vice-chefe do Departamento de Psicologia Social, e registrou boletim de ocorrência no 27º DP.
Em março de 2022, depois que a professora participou de uma videoconferência promovida pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), novo incidente aconteceu. A Ouvidoria da Unisc foi acionada pela pessoa responsável pelos episódios anteriores, que acusou Francirosy de dar publicidade na Internet a um livro que seria uma “fraude”, e ainda de praticar “crime de ódio contra judeus”. O livro em questão é Islam, decolonialidade e(m) diálogos plurais (Ambigrama, 2022), que tem a docente como coordenadora e coautora, e havia sido bloqueado pelo Facebook — provavelmente, acredita Francirosy, por denúncia do próprio autor ou autora das acusações.
Além disso, durante a live em que a professora proferiu sua palestra, intitulada “ Mulheres, Islam e Políticas” , o(a) agressor(a) “f ez comentários violentos em relação à minha presença na universidade, mas as [demais] docentes apagaram e bloquearam”, conta ela.
“ Não temos ainda a identificação do(a) agressor(a), e, por tal motivo, não é possível delinear um perfil desta pessoa, mas é possível afirmar com veemência que se trata de uma pessoa com intolerância religiosa voltada especificamente ao islamismo”, declarou ao Informativo Adusp a delegada de polícia assistente do 27º DP, Nadia Ferreira Aluz Santos.
A delegada solicitou e obteve autorização judicial para ter acesso ao correio eletrônico da pessoa sob investigação. “Com o fim de identificar o autor das agressões, representei pela quebra do sigilo telemático ao juiz responsável pelo caso, para que o Google, que é o servidor que hospeda o e-mail utilizado pelo agressor nas comunicações enviadas às universidades, forneça os dados de conexão desta conta. Estamos aguardando essas informações, que já foram solicitadas pelo juiz ao Google, para prosseguir com as investigações”.
De acordo com Nadia, foram constatados três crimes no caso: injúria racial por equiparação (“por conta da intolerância religiosa”); calúnia, “por imputar falsamente à professora Francirosy a prática de crimes”; e perseguição.
Ainda segundo a delegada, quando for identificado o autor ou autora das agressões, Francirosy “poderá requerer medidas protetivas como proibição de contato por quaisquer meios (inclusive por redes sociais), proibição de menção em redes sociais, proibição de frequentar os locais de trabalho e lazer da vítima, e a obrigação de manter distância mínima”. Em caso de deferimento das medidas protetivas, se o autor descumpri-las, incorrerá no crime de desobediência.
Antropóloga, mestra e doutora em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), p ós-doutora em Teologia Islâmica pela Universidade de Oxford e livre docente da USP, Francirosy prepara-se para lançar, em breve, o primeiro Relatório de Islamofobia no Brasil, “ pesquisa coordenada por mim com financiamento da minha bolsa produtividade, com bolsistas PUB [de graduação] e outros pesquisadores, e está claro que essa pessoa virou um(a) stalker do meu trabalho”.
Associação Brasileira de Antropologia, Ibraspal e docentes repudiam agressões
“ Testemunhamos um lamentável ataque praticado contra a professora Francirosy Campos Barbosa, quando a convidamos para participar de uma mesa no XVII Simpósio Nacional da ABHR e II Simpósio Nacional de Estudos da Religião da UEG, em novembro de 2021, pela Universidade Estadual de Goiás”, declarou ao Informativo Adusp a professora Flávia Valéria Braga Melo.
A mesa da qual a professora da USP participaria tinha o título “Éticas e religiões em meio à crise da sociedade patriarcal”. “Por ter sido um evento aberto, fizemos a divulgação da programação no site do evento e redes sociais. O fato foi que, na véspera da mesa fomos surpreendidos pela notícia de que uma pessoa havia encaminhado uma denúncia anônima para a Reitoria da UEG, com o intuito de desqualificar a professora Francirosy”.
A denúncia, prossegue Flávia, “incluía comentários ofensivos a ela e sua integridade acadêmica, de cunho especialmente sionista, pressionando a Universidade e os organizadores do evento pela exclusão de sua participação nesta mesa”. Ficou explícito, para a professora da UEG, “que o denunciante não fazia parte da nossa comunidade acadêmica e que já estava ‘stalkeando ‘a doutora Francirosy em diversos eventos que incluíam sua participação, em todo o país”.
Assim, continua, os docentes e organizadores do Simpósio não se intimidaram e mantiveram a mesa. “O convite feito à professora Francirosy se deu pela sua competência acadêmica e seu amplo conhecimento sobre as pautas de gênero e religião. Na ocasião, produzimos uma nota de apoio a ela”, explica Flávia, que foi uma das organizadoras do evento e voltou a manifestar solidariedade à colega: “Desejamos que todas essas violências sejam cessadas e reparadas”.
Outro que se solidariza com a docente da FFCLRP é o professor Renatho Costa, da Unipampa. “Dentre os meses de outubro e novembro de 2021, eu e a professora Francirosy organizamos o evento ‘A Palestina no Tempo’. Tratava-se de um ciclo de cinco palestras virtuais com convidados distintos. Havia o apoio da Unipampa e de grupos de pesquisas. O objetivo principal desse minicurso era expor uma perspectiva histórica da Palestina que muitas vezes não é abordada. Como sabíamos que esse tema gera forte tensionamento, resolvemos solicitar que houvesse inscrições prévias”, relembra ele em mensagem ao Informativo Adusp .
“ Na palestra de abertura com a professora Francirosy, enquanto ela estava fazendo sua exposição, uma pessoa passou a enviar mensagens incessantemente e questioná-la de modo grosseiro. Foi solicitado que a pessoa viesse a fazer as perguntas no final da exposição, mas a pessoa continuou mantendo o procedimento. Acusações graves de antissemitismo e apoio ao terrorismo foram constantes. Diante disso, a pessoa foi retirada da sala virtual, mas a partir daí, ela passou a enviar emails para todos os participantes do curso, desqualificando a professora Francirosy e acusando a Unipampa de realizar eventos antissemitas”, detalha.
“ Acusou a mim de ser antissemita e, por isso, levei essa questão à direção do campus Santana do Livramento, a que estou vinculado, para que se adotassem as devidas providências. Não sei dizer em que estágio esse procedimento se encontra, mas entendi que seria importante a Unipampa tomar ciência das acusações, pois se tratava de um evento acadêmico, com pesquisadores e pesquisadoras expondo conhecimento adquirido em anos de investigações”, pontua o docente. “A pessoa que fez as acusações gerou um grande desconforto aos participantes do minicurso, pois frequentemente enviava e-mails . Recomendamos que ela fosse bloqueada, mas foi muito desgastante”.
Após esse fato, prossegue Renatho, ele teve conhecimento de que, em outros eventos nos quais Francirosy participou como convidada, “sempre que havia a divulgação de seu nome, essa mesma pessoa enviava e-mails para a organização do evento, a desqualificando como antissemita e outros adjetivos”. Trata-se, “nitidamente, de alguém que defende a ocupação da Palestina pelo Estado de Israel, devido ao teor das acusações impostas a qualquer pessoa que tente expor o processo de limpeza étnica que está sendo colocado em prática na Palestina há quase um século”, acredita ele. “Enfim, é lamentável que uma pesquisadora da qualidade da professora Francirosy sofra esse tipo de perseguição por atuar em sua profissão. Uma tentativa de calá-la para que o discurso sionista prevaleça”.
Também emitiram notas de apoio à docente da FFCLRP o Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e a Associação de Docentes da USP (Adusp).
A nota da ABA, assinada por sua presidenta, Patricia Birman, repudia “os ataques morais, as perseguições, as reiteradas investidas de silenciamento e censura que Francirosy vem sofrendo em relação às análises e pesquisas por ela realizadas em temas como Islã, Palestina, gênero, política, decolonialidade, laicidade”.
Já o Ibraspal, em nota assinada por Ahmed Shehada, seu presidente, lamenta que haja “pessoas que querem silenciar a voz da professora Francirosy através da difusão de mentiras e fake news , e se posiciona ao lado dela, por reconhecer a seriedade do trabalho desenvolvido por essa renomada pesquisadora”.
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