Saúde
Mesmo com leitos disponíveis, Hospital Universitário da USP recusa novos pacientes de Covid-19
03/06/2021 13h55
O Hospital Universitário da USP (HU), contrariando seus próprios protocolos mais recentes, vem recusando pacientes de Covid-19 sem qualquer justificativa plausível. Na noite desta terça-feira (1º/6), dois pacientes sintomáticos com quadros de dor foram dispensados pelos médicos de plantão sem receber qualquer medicamento. Uma terceira paciente, C.A., idosa de 85 anos com comorbidades, só foi atendida por insistência de sua acompanhante, que exigiu falar com o chefe do plantão.
Internada no setor denominado “Gripário” (reservado aos pacientes de Covid-19) depois que os médicos souberam tratar-se de dependente de uma funcionária do próprio hospital e providenciaram tomografia que revelou 30% de comprometimento dos pulmões, C.A. passara antes pelo Pronto-Socorro Bandeirantes, hospital da rede municipal da região do Butantã que está lotado de casos de Covid-19 ao passo que o HU tem leitos disponíveis, porque transferiu vários pacientes e vem dispensando casos novos.
“O questionamento é: por que não estão querendo atender no HU? Porque contratou médico para atender, não tem lógica paciente chegar lá e ser tratado dessa forma”, protesta uma das filhas de C.A., a funcionária Rosane Meire Vieira, que é diretora do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp). Sua irmã, Rose Elaine Vieira, foi quem levou a mãe do Bandeirantes para o HU e a acompanhou enquanto aguardava atendimento. Rose presenciou a recusa de socorro a um jovem.
“O rapaz estava ofegante, muito mal. O médico falou: ‘Infelizmente eu não posso te atender. A sua saturação está 95[%]’. Você tem que procurar o AMA’, deu até um papel para esse cara procurar as unidades que iam atendê-lo. Eles nem medicaram o paciente, dispensaram. Ele entrou, fez a ficha e não quiseram atender, alegando que não internam [casos de] Covid. Que só internam se for caso grave ou funcionário do HU. Depois tinha um senhor também, não quiseram medicar, dispensaram”.
Ainda segundo Rose, a triagem do HU estava vazia durante a madrugada de quarta-feira (2/6). “Não tinha ninguém, e eles não queriam atender minha mãe. Pelo que eu pude entender, eles só podem atender um paciente de Covid se ele estiver [no máximo] com a saturação 82[%]. O médico disse: ‘Aqui não é referência Covid, só atende Covid para quem é da comunidade, do bairro, e quem é dependente e funcionário’”. Mesmo avisado de que se tratava de dependente, houve resistência ao internamento, só contornada com a chegada do chefe do plantão.
Por outro lado, Rose elogiou a enfermagem do Bandeirantes: “Uma equipe maravilhosa, ‘tiram leite de pedra’. Fiquei o dia inteiro com minha mãe lá ontem. Só não deixei minha mãe lá porque infelizmente não tinha lugar. Não tem cadeira de rodas, é precário”.
A família de C.A. a encaminhou ao HU por se tratar de dependente de funcionária da USP, portanto com direito a atendimento, e porque o próprio chefe do plantão, procurado por telefone por Rosane, orientou nesse sentido, uma vez que se permanecesse no Bandeirantes a paciente possivelmente seria transferida pela central de regulação (Cross) para algum outro hospital eventualmente mais distante.
O agravante da história é que, embora o “Gripário” do HU esteja relativamente desafogado, e apesar de C.A. encontrar-se em situação estável, os responsáveis pelo setor resolveram transferí-la para outro hospital menos de 24 horas depois da internação, apesar dos protestos da família. “A gente tentou que ela não fosse transferida, ficasse no HU, mas não teve jeito. Transferiram para o hospital Uninove, na Liberdade, ao meio-dia e meia de hoje [2/6]”, relata Rosane.
Superintendência nega orientação para dispensar casos de Covid-19
Exceto o chefe do plantão, os médicos envolvidos nesses incidentes são funcionários da empresa Winter Gestão e Consultoria Médica, que firmou um contrato emergencial com a Reitoria exatamente para atender pacientes de Covid-19 no “Gripário”.
Zelma Fernandes Marinho, diretora do Sintusp, entrou em contato com a secretária da Superintendência do HU para saber da possibilidade de manter C.A. internada. “A secretária me respondeu que não havia essa possibilidade porque o HU está evitando internar pacientes de Covid por não ser um hospital de referência. E que esses pacientes aguardam numa lista da Cross uma vaga em hospital referenciado para Covid”, relata.
“Também perguntei sobre a informação repassada por um médico do ‘Gripário’ de que só estão atendendo pacientes gravíssimos ou funcionários do HU, e que não adianta procurar o hospital. Ela falou que isso não partiu da Superintendência”, continua Zelma. “Então pedi que a Superintendência passe esse comunicado para os médicos que estão atendendo os pacientes, para que eles não deixem de atender quem chegar com Covid”.
No entender de Mário Balanco, do Coletivo Butantã na Luta, esses episódios refletem a determinação do superintendente Paulo Margarido de fazer do HU um “hospital não-Covid”, apesar das orientações aprovadas pelo Conselho Deliberativo (CD-HU) em sentido contrário.
“O superintendente continua pondo em prática aquilo que ele acha melhor, não está respeitando ninguém. A responsabilidade por tudo que está acontecendo é do superintendente”, destaca Balanco. “É inadmissível o que está acontecendo. O HU, com o tamanho que ele tem, com a quantidade de funcionários que ele tem, continua sendo subutilizado”.
Falta de água potável no hospital revela discriminação de terceirizadas
Por “necessidade de reparo na rede hidráulica”, foi suspenso o fornecimento de água fria e quente no HU do primeiro ao sexto andar do prédio, entre as 10h de 29/5 e as 10h de 30/5. Em decorrência, faltou água potável para os funcionários, que tiveram que se deslocar até a copa para buscar, “mas chegou uma hora que não tinha mais”. No caso das trabalhadoras tercerizadas pela empresa Higienix foi ainda pior, em novo exemplo de discriminação.
O relato também é de Rosane, diretora do Sintusp: “As meninas da Higienix foram orientadas a levar água de casa. A própria encarregada mandou áudio dizendo que não ia ter água, que o hospital não ia fornecer para elas, então teriam que levar água de casa. Para beber água. Como é que pode isso acontecer?”
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