Rossieli Soares, ex-ministro do governo Temer, foi a opção do governo Doria (PSDB) para ocupar a Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP). O secretário estadual da Educação vem marcando sua atuação por uma agressiva defesa das aulas presenciais na rede pública em plena pandemia, chegando a entrar em conflito com o secretário Jean Gorinchteyn, da Saúde, contrário à retomada presencial. No dia em que as aulas foram reiniciadas, em 14/4, Rossieli voltou a esgrimir seu estilo tosco em declaração prestada ao telejornal SPTV.
 
Uma reportagem na TV Globo descreveu a disputa entre o governo estadual, que impõe o retorno a qualquer preço, e a(o)s trabalhadora(e)s da educação, que denunciam os óbvios riscos sanitários do retorno precoce das aulas presenciais. Uma das fontes ouvidas foi o professor Fernando Luiz Cássio Lima, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ele comentou monitoramento realizado em conjunto com outras instituições —Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), USP e Instituto Federal de São Paulo (IFSP) — que identificou alto índice de contaminação por Covid-19 na rede pública estadual nas aulas presenciais realizadas em fevereiro e março últimos.
 
“A gente comparou só para a população de 25 a 59 anos, que é a mesma faixa etária dos professores e funcionários expostos. E a gente vai ver que o risco nas escolas é três vezes maior”, explicou Cássio, que é docente do Centro de Ciências Naturais e Humanas da UFABC. Levada a cabo por voluntária(o)s ligada(o)s à Apeoesp-Sindicato, a pesquisa envolveu 12 mil professora(e)s e 3.600 funcionária(o)s de 299 escolas estaduais. Também ouvida no telejornal, a Apeoesp deixou claro que se opõe às aulas presenciais antes que todos a(o)s profissionais da rede estejam vacinados.
 
Ao contestar o pesquisador científico no SPTV, Rossieli não mediu palavras: “A nossa incidência é 30 vezes menor, considerando nossos estudos, do que a média no Estado. Estudos do mundo inteiro caminham nessa direção e a gente vai continuar lendo os estudos sérios a respeito”, disse ele ao SPTV. Isso na mesma edição que trouxe como manchete “Mais mortes do que altas nas UTIS”, relatando ainda o risco de desabastecimento do kit entubação nos hospitais públicos estaduais.
 
No dia seguinte, em nova entrevista, desta vez à rádio Jovem Pan, Rossieli voltaria a insistir na sua tese: “A escola é [sic] uma taxa de transmissão muito mais baixa que outros ambientes, por ser ambiente controlado. A transmissão de criança para adultos, de criança para criança, é baixíssima, praticamente não tivemos casos averiguados. De adulto para adulto é o mesmo fator, mas precisa ser cuidado. Temos um ambiente com controle, portanto o uso de distanciamento social e o funcionamento em rodízio tem dado resultados. A taxa de transmissão da escola verificada nesses primeiros meses desse ano se mostra 30 vezes menor do que a taxa nas outras áreas da sociedade. Temos uma taxa de transmissão 30 vezes menor”.
 
No site da Seduc-SP é possível identificar a suposta fonte das convicções de Rossieli: “Reabertura de escolas na pandemia não aumentou casos nem mortes relacionadas à Covid-19 no Estado de SP, aponta estudo”, diz o título de notícia postada ali em 30/3. “Análise foi feita por centro de pesquisa da Universidade de Zurique; dados não mudam mesmo nas cidades mais pobres e que concentram maior número de idosos”, afirma a chamada em destaque.
 
De acordo com o texto veiculado na página da Seduc-SP, um “estudo financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e desenvolvido por pesquisadores do Center for Child Well-Being and Development (CCWD) — um centro de pesquisa da Universidade de Zurique, na Suíça —, em parceria com a Seduc-SP [sic], aponta que a reabertura das escolas para atividades presenciais facultativas no estado de São Paulo, no ano passado, não aumentou o número de casos, nem de mortes por Covid-19”.
 
Desde 8/9/2020, continua o texto da Seduc-SP, das 5,1 mil escolas da rede estadual, aproximadamente 1,8 mil retomaram atividades presenciais, atendendo cerca de 1,7 milhão de estudantes do total de 3,5 milhões. “A análise foi feita nas 131 cidades paulistas que reabriram as escolas entre os meses de outubro e dezembro de 2020, de forma gradual e facultativa. Para chegar ao resultado, os pesquisadores compararam como essas medidas evoluíram entre municípios que reabriram as escolas e os demais, antes e depois do retorno das atividades presenciais”. No entanto, a Seduc-SP não divulga a íntegra do estudo do CCWD, nem o link respectivo.
 
Embora menos de metade da(o)s profissionais da rede pública estadual de ensino — 170 mil de um total de cerca de 350 mil professores e funcionários — tenham conseguido se vacinar contra a Covid-19, o secretário não vê esse dado como impeditivo do retorno às atividades presenciais nas escolas. “Não defendo esperarmos volta as aulas somente quando tivermos a vacina, porque os prejuízos para as crianças são enormes”, disse ele à Jovem Pan. “É importante olharmos para aqueles que mais precisam, que são as crianças. Temos o direito de proteger as crianças, e vamos continuar fazendo isso”, concluiu impavidamente.
 
A grosseria de Rossieli no SPTV não passou despercebida. “Quem apresentava o estudo, mostrando suas conclusões, era um colega da UFABC. Ao ser indagado sobre essa contestação, que foi divulgada em uma Nota Técnica elaborada por colegas da Rede Escola Pública e Universidade e da Ação Covid, o secretário declarou que só levaria em consideração pesquisas ‘sérias’. Considerei essa declaração extremamente desrespeitosa e inaceitável”, comentou a professora Mariângela Araújo, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
 
“Como aceitar que o Secretário da Educação de nosso Estado questione a seriedade do trabalho de colegas que atuam nas mais importantes instituições de pesquisa do Estado e do país? Com essa afirmação, aqueles que falam em nome do governo do Estado de São Paulo mostram-se tão desrespeitosos com os pesquisadores quanto aqueles que atuam no governo federal. Mais uma vez, é necessário denunciar as afrontas que temos recebido pelo desempenho de nosso trabalho”, conclui Mariângela, por certo manifestando a indignação de inúmera(o)s professora(e)s paulistas.
 

EXPRESSO ADUSP


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