O ministro da Educação, Victor Godoy, anunciou em vídeo publicado em sua conta no Instagram, na tarde desta sexta-feira (7/10), que o governo voltou atrás na decisão de bloquear recursos de quase R$ 3 bilhões do orçamento do Ministério da Educação (MEC). O bloqueio, ou confisco, foi determinado pelo Decreto 11.216/2022, assinado por Jair Bolsonaro (PL) em 30/9. 

Godoy afirmou que a liberação dos recursos bloqueados ocorreu após conversas com o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas não deixou claro se os valores estarão à disposição imediatamente e de forma total ou parcial. 

A decisão foi anunciada um dia depois de as entidades de docentes, estudantes e servidora(e)s técnico-administrativa(o)s definirem que a terça-feira 18/10 será o “Dia Nacional de Mobilização Fora Bolsonaro”, com protestos unificados das categorias em todo o país contra o confisco das verbas da educação, especialmente das universidades e institutos federais.

As mobilizações já haviam se iniciado nesta quinta-feira (6/10). Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), por exemplo, as categorias realizaram uma assembleia conjunta no final da manhã e saíram em passeata pelas ruas da cidade.

O calendário de lutas das entidades prevê a realização de plenárias e assembleias nas instituições até o próximo dia 17, culminando com os atos em todo o Brasil no dia 18/10.

“O confisco da educação caiu, o próximo é Bolsonaro”, publicou a União Nacional dos Estudantes (UNE) em sua conta no Twitter. Porém, até o fechamento desta reportagem, as entidades de dirigentes das instituições federais de ensino não haviam recebido a confirmação oficial do recuo anunciado pelo MEC. Não havia nenhuma notícia de eventual revogação do Decreto 11.216/2022.

“Depois da mobilização dos estudantes, o MEC agora promete liberar o empenho das universidades. Será que a decisão seria a mesma se não estivéssemos a 20 dias das eleições? Nenhum passo atrás! A mobilização segue firme em defesa da educação e dia 18 vai ser dia de luta! É rua!”, escreveu em sua conta no Twitter o presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Vinícius Soares. Assim como a UNE, a ANPG convoca a(o)s pós-graduanda(o)s a organizarem reuniões e atos nas universidades.

De acordo com nota da Diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), o Decreto 11.216/2022 aplica cortes a quase todos os ministérios, num total de R$ 10,5 bilhões. 

“O mais afetado foi o Ministério da Educação, que sofreu redução orçamentária de 28,6% do total contingenciado, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade ligada ao Senado Federal. Do total contingenciado para o MEC, um corte de 5,8% foi aplicado a todas as unidades que o compõem. O valor total dos cortes para o MEC chega a quase R$ 3 bilhões”, diz a nota do Andes-SN

“Os reiterados ataques do governo Bolsonaro à educação pública confirmam suas intenções de destruir o sistema de ensino público brasileiro, desde o nível básico até a pós-graduação. Não aceitaremos mais os ataques vindos deste governo, inimigo da educação! E nos comprometemos na construção de uma agenda unitária de luta nas ruas”, conclama a entidade. 

Orçamento discricionário de 2022 corresponde a 50% do de 2016, diz presidente da Andifes

Desde a última quarta-feira (5/10), as manifestações alertavam para os prejuízos ao funcionamento das instituições até o final do ano.

O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), que abarca mais de 1,5 milhão de estudantes e 80 mil servidora(e)s, publicou nota na qual diz que, “diante desse contexto financeiro e orçamentário caótico, quem perde é o estudante, que será impactado na continuidade de seus estudos, pois os recursos da assistência estudantil são fundamentais para a sua permanência na instituição”. 

“Transporte, alimentação, Internet, chip de celular, bolsas de estudo, dentre outros tantos elementos essenciais para o aluno não poderão mais ser custeados pelos Institutos Federais, pelos Cefets e Colégio Pedro II, diante do ocorrido”, prossegue o Conif.

Em nota, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) classificou como “insustentável” a limitação imposta pelo decreto. As universidades deixariam de receber R$ 328,5 milhões, caso o corte fosse mantido.

“Lamentamos, por fim, a edição deste decreto que estabelece limitação de empenhos quase ao final do exercício financeiro, mais uma vez inviabilizando qualquer forma de planejamento institucional, quando se apregoa que a economia nacional estaria em plena recuperação. E lamentamos também que seja a área da educação, mais uma vez, a mais afetada pelos cortes ocorridos”, diz a nota.

Em entrevista coletiva realizada em formato remoto nesta quinta-feira (6/10), o presidente da Andifes, Ricardo Fonseca, reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirmou que a medida, tomada já “no final da execução orçamentária, num ano de plenas dificuldades para as universidades, causa um grande caos”. 

Fonseca lembrou que os orçamentos discricionários das instituições (relacionados aos gastos do dia a dia com despesas como água, luz, limpeza e vigilância) equivalem hoje à metade dos valores de 2016. “O orçamento de 2022 era ligeiramente superior ao de 2021, mas nos meses de maio e junho já tinha havido um bloqueio de 7,2% do orçamento discricionário, que ficou muito similar ao [do] ano passado”, embora os custos tenham aumentado muito com a volta às atividades presenciais, afirmou.

Cortes ameaçavam funcionamento de hospitais, pagamento de auxílios e empregos de terceirizada(o)s 

O presidente da Andifes ressaltou que a mensagem que as instituições receberam do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) no dia 5/10 mencionava a “perspectiva” de que os recursos seriam liberados a partir de 1o/12.

“Muitas universidades que quase não tinham dinheiro agora ficaram sem nada, algumas que tinham recursos para cumprir alguns compromissos acabaram se vendo em situações terríveis, como desfazer empenhos, o que inclusive pode provocar eventuais complicações do ponto de vista jurídico para as instituições que descumprem acertos que tinham sido entabulados anteriormente”, enfatizou.

O corte colocaria em risco desde o pagamento das despesas do dia a dia, como água, luz, limpeza e vigilância, até a continuidade de projetos estratégicos, como pesquisas para produção de vacinas, e a manutenção de bolsas e recursos de permanência estudantil, projetos de extensão, restaurantes universitários, atendimento dos hospitais universitários. Poderia provocar interrupção de aulas de campo e demissão de trabalhadores terceirizados.

Perguntado sobre a afirmação do ministro Victor Godoy de que as queixas da(o)s reitora(e)s têm motivação política, Fonseca disse que “o timing do decreto, em meio ao período eleitoral, não se deve aos reitores”.

“Temos um respeito muito grande pelo ministro, que de longe é o que trata os reitores com maior respeito, atenção e consideração neste governo”, afirmou. “Estamos fazendo o que faríamos em qualquer período, que é defender a necessidade de priorização do ensino e particularmente das universidades públicas num projeto de país, e denunciar a inviabilização de seu funcionamento com esse contingenciamento.”

Em vídeo publicado no site da Andifes nesta sexta-feira (7/10), Fonseca reiterou: “A gente pode discutir se é contingenciamento, se é corte, se é incisão profunda, se é amputação, ou o que for. Na prática, o que acontece é que as universidades tiveram o seu dinheiro retirado”.

“O colapso das universidades e dos institutos federais é algo que não interessa ao Brasil”, afirmou Fonseca. “Além do ponto de vista orçamentário, o que vai para além do atual governo, temos sofrido também ataques simbólicos. É necessário que as universidades seja revalorizadas.”

No Congresso Nacional, pelo menos três parlamentares da oposição já haviam apresentado Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) para sustar os efeitos da medida.

Dados publicados pela Folha de S. Paulo mostram que a educação sofre cortes orçamentários sistemáticos no governo Bolsonaro. O MEC terminou o ano de 2021 com R$ 101 milhões pagos para obras de creches em prefeituras, redução de 80% em relação a 2018, último ano do governo Michel Temer (MDB). No orçamento de 2023, a previsão é da retirada de R$ 1 bilhão da educação básica.

EXPRESSO ADUSP


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