Defesa da Universidade
Debate avalia o desmonte da USP
No dia 15/10, a Adusp realizou o debate “A gestão Zago e a Universidade”, no auditório de Geografia da FFLCH. A atividade, que fazia parte do “Dia de Protesto”, discutiu os diferentes problemas enfrentados pela USP desde que M.A. Zago e V. Agopyan assumiram os cargos de reitor e vice-reitor, em 25/1/14. Compuseram a mesa (na foto, da esquerda para a direita) os professores Leonardo Gomes Mello e Silva (FFLCH), Márcio Moretto Ribeiro (EACH), Adrián Pablo Fanjul (FFLCH), Marcus Orione Gonçalves Correia (FD), o funcionário Ramiro Penha Seabra Malaquias (representante das creches da USP) e a aluna de pós-graduação Isadora de Andrade Guerreiro (FAU), mãe de duas crianças matriculadas na Creche Central.
Daniel Garcia |
“Abandono sucateador do Hospital Universitário; redução do quadro docente impedindo a reposição de aposentados; propósito declarado de eliminar o regime de dedicação integral como o preferencial para os docentes da universidade e promover a precarização generalizada para aqueles que garantimos a excelência da universidade em ensino, pesquisa e extensão; promiscuidade com fundações privadas investigadas pelo Ministério Público; extinção da Guarda Universitária e das creches, abandono da Escola de Aplicação; benevolência com os que cometeram crime ambiental na USP-Leste; redução desastrada do quadro de funcionários para favorecer a terceirização são os pontos de destaque da obra realizada em um ano e meio”.
O resumo crítico das medidas tomadas pela Reitoria consta do texto “Percurso da Gestão Zago-Vahan, ou razões para estar em protesto”, elaborado e lido por Adrián. Nele, o professor da FFLCH aponta para a “repetição e aprofundamento das práticas antidemocráticas de gestões anteriores”, e adverte: a atual administração “está empenhada em um processo que consideramos de desmonte da instituição e que já começou a provocar danos de difícil reparação”.
Os procedimentos da Reitoria são obscuros, porque seus projetos são anunciados ou postos em andamento sem nunca explicitar os propósitos finais. A frustrada tentativa de transferência do Hospital Universitário (HU) para o Estado, aparentemente com a ideia de repassar sua gestão a alguma “organização social” (OS), foi apontada por Adrián como exemplo dessa prática: “Zago não obteve aprovação no Co [Conselho Universitário], e então o HU passou a ser abandonado pela Reitoria de um modo gritante”.
Outro exemplo de obscuridade seria a Fundação de Apoio à USP (FUSP, privada): “É inexplicável que o diretor financeiro dessa fundação seja o atual coordenador da Administração Geral da Universidade, do qual dependem os departamentos financeiro e de RH. E é normal que o diretor executivo da mesma fundação seja a mesma pessoa que exerce a Superintendência de Relações Institucionais, e que o próprio Zago e dois de seus pró-reitores sejam membros do Conselho Curador? Não há aí conflito de interesses?”
É irresponsável o plano da Reitoria de abandonar o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), pois “o GT da Reitoria [GT-AD] apresentou um documento de 4 páginas, sem qualquer diagnóstico ou dado que o sustentasse, motivando a rejeição quase unânime das suas propostas pelas congregações”. Completou: “Os textos lapidários com os quais congregações como as da Faculdade de Educação, Instituto de Física ou EACH descartaram esse projeto são a mais nítida desmoralização acadêmica desta Reitoria e de seus colaboradores”.
Métodos obscuros
O ataque ao corpo docente também foi abordado pelo professor Márcio Ribeiro, que analisou relatórios finais de experimentação elaborados por professores da EACH entre 2011 e 2015 e verificou que, de 15 docentes cujo regime experimental foi estendido pela Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT), 13 haviam recebido pareceres externos favoráveis à conclusão do regime.
A contradição entre as avaliações dos pareceristas externos e as da CERT mostra a obscuridade nos métodos da comissão e impõe uma atmosfera de perseguição, disse Ribeiro. “Minha leitura é que o mecanismo de avaliação por eliminação, além de não parecer criterioso, abre espaço para abusos de poder”, caso de um professor da EACH transferido do RDIDP para o Regime de Turno Completo (RTC) mesmo após ter comprovado sofrer problemas de saúde.
“Meritocracia e metas a serem cumpridas” são, no entender do professor Marcus Orione, a espinha dorsal das diretrizes gerais do GT-AD. Contudo, observa, os conceitos político e jurídico de mérito são vazios. “Ou seja, são preenchidos por alguém que aponta ‘o merecedor’ a partir de um critério próprio de leitura”.
O professor da FD problematizou a legitimidade do relatório final do GT-AD: “Temos um documento que é um parecer consultivo e que mostra ser algo que não representa consensualmente aquilo que foi posto pelos próprios membros que o elaboraram. É um problema sério, em relação à natureza do ato jurídico para o qual foram instalados os trabalhos do GT. Se temos um parecer pretensamente consultivo, que advém de um ato não consensual, então temos um documento que vai embasar atos administrativos com fundamentações contraditórias”.
Leonardo Silva observou que “há homologias entre a organização do trabalho dos operários fabris e a maneira como a universidade tem gerido o trabalho dos docentes”, usando exemplos para ilustrar sua comparação, como a imposição de metas de produção nas fábricas — algo semelhante ao que a CERT vem realizando nas análises de produção docente na universidade — e a exclusão dos trabalhadores pouco produtivos.
“Essa ideia de exclusão, traduzida por uma segmentação —‘produtivos versus improdutivos’ e ‘estáveis versus precários’ — é nítida na universidade”. Mello fez uma analogia entre a situação da classe trabalhadora na indústria e a exclusão sentida por um docente que tem seu regime de trabalho mudado e salário rebaixado: para ele, o sistema de trabalho implantado nas universidades “tira a pessoa da comunidade de trabalho, e a coloca numa situação de precariedade ou desemprego”.
Educação infantil
Ramiro Malaquias, professor da Creche e Pré-escola Oeste, apresentou um histórico das creches da USP, apontando que só foram implantadas por reivindicação das mães que trabalhavam ou estudavam na universidade. A instalação da Creche Central (1982) marca o nascimento da luta pelo reconhecimento dos professores enquadrados na função de “técnico de apoio educativo”.
“Nossa função dentro da creche é a de professor. Planejamos as aulas e montamos tudo o que é de rotina no Magistério. Portanto, revindicamos a nomenclatura de ‘Professor de Educação Infantil’”, esclareceu. A Lei 1.202/2013 altera a nomenclatura “técnico de apoio educativo” para “professor de educação infantil”, que implica reconhecimento de direitos profissionais. Porém, a Reitoria não cumpre a lei e, inclusive, enquadra como “técnico de apoio educativo” que os profissionais das creches com especialização, mestrado ou doutorado, deixam de ter seus direitos garantidos e exercem funções alheias às originais.
O processo de precarização vivido nas creches mostra que “o que está sendo colocado é um outro projeto de universidade, diferente daquele que deveria ser público”, avalia Isadora Guerreiro. Muitos estudantes têm sua formação prejudicada por não poderem deixar seus filhos nas creches, e alguns até abandonam o curso. “Ou seja, só conseguirá permanecer na USP o estudante que tiver uma situação financeira favorável à sua permanência. É a elitização da universidade pública”, argumentou.
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