Defesa da Universidade
Em decisão unânime, TJ-SP rejeita recurso da USP e mantém reintegração do professor Gerson Pereira Jr.
Acusado de “falta grave” em suposto acidente com aluno do curso de Medicina, durante demonstração do uso de desfibrilador, o docente da Faculdade de Odontologia de Bauru foi demitido pela Reitoria por recomendação do diretor da unidade, Carlos Ferreira dos Santos, em contexto de perseguição política interna. A Comissão Processante havia sugerido penalidade bem menor: 90 dias de suspensão
A USP acaba de sofrer uma nova e contundente derrota judicial, desta vez em segunda instância. Em 29/6/2020, a 15ª Vara da Fazenda Pública anulara a demissão do professor Gerson Alves Pereira Jr., docente da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), determinando que ele fosse reintegrado à unidade. A Reitoria recorreu, então, ao Tribunal de Justiça (TJ-SP), com o intuito de derrubar a sentença da juíza Gilsa Elena Rios. Porém, em 30/11, a 10ª Câmara de Direito Público do TJ-SP negou provimento ao recurso, por unanimidade, e manteve a decisão de primeira instância.
Primeiro docente do curso de Medicina de Bauru e formulador da sua grade curricular, Pereira Jr. era ligado ao ex-presidente da Comissão de Implantação e ex-coordenador do curso, professor José Sebastião dos Santos, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), que foi exonerado pelo reitor Vahan Agopyan, um ano antes, a pedido do diretor da FOB, Carlos Ferreira dos Santos. O caso foi objeto de extensa reportagem do Informativo Adusp.
Há fortes indícios de que a demissão de Pereira Jr. tenha sido arquitetada em decorrência de visões conflitantes em relação ao curso de Medicina e ao papel a ser desempenhado pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) na formação dos alunos. Tanto Sebastião, que passou a acumular a superintendência do HRAC com a coordenação do curso, como Pereira Jr. defendem o viés da medicina social e do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto Ferreira dos Santos, que substituiu o ex-coordenador à frente do HRAC, é membro do Conselho Administrativo da Famesp, fundação privada credenciada como “organização social de saúde”.
O julgamento na 10ª Câmara de Direito Público teve como relator o desembargador Marcelo Semer, cujo voto desfavorável ao recurso da USP foi acompanhado pelos desembargadores Antonio Carlos Villen (presidente) e Antonio Celso Aguilar Cortez. Houve sustentação oral tanto da parte da Procuradoria Geral da USP, representada por Paulo Murilo Soares de Almeida, como da defesa de Pereira Jr., representado pelo advogado Márcio Cammarosano.
Na apelação, conforme síntese do relator, a USP alegou que a sentença da 15ª Vara é nula, por ausência de fundamentação, “pois deixou de se manifestar sobre aspectos controvertidos e essenciais para resolução da demanda”; que o indeferimento da prova testemunhal, pela juíza da 15ª Vara, implicou “cerceamento de defesa, sendo necessária para provar a proporcionalidade da penalidade de demissão”; que, no mérito, restou provada a conduta ilícita e dolosa do autor [Pereira Jr.]; “que a sanção aplicada não é desproporcional e foi adequada à gravidade da conduta, tendo se baseado em amplo conjunto probatório”; “que a aplicação de penalidade de demissão é um poder-dever da Administração”; e que “o Judiciário não pode rever o mérito do ato administrativo, devendo limitar-se aos aspectos formais”.
No seu voto, Semer refuta cada uma dessas alegações. Afasta a preliminar de cerceamento da defesa por indeferimento da prova testemunhal, suscitada pela Reitoria, porque, “sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir a necessidade ou não de sua realização”, cabendo ao juiz “o poder-dever de afastar as provas que reputar desnecessárias à solução da lide”, a fim de garantir a celeridade e instrumentalidade do processo, cabendo às partes demonstrar a pertinência das provas. No caso em exame, destaca, “conforme se demonstrará abaixo, os elementos já acostados nos autos são suficientes para o julgamento da causa, de modo que a produção de prova testemunhal mostra-se inócua, especialmente se considerando todos os documentos que instruíram o procedimento administrativo disciplinar”.
“A sentença está devidamente fundamentada”, sustenta o relator
Conclui apontando a conduta contraditória da USP: não há razão para falar-se em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, arrematou o ponto, “até porque não faria muito sentido a insistência da autarquia na produção de provas, considerando que realizou livremente todas aquelas que entendeu necessárias no curso do processo administrativo, negando as que entendeu desnecessárias (como a prova pericial)”.
A seu ver, também não procede a preliminar de nulidade da sentença por vício de fundamentação, porque “a sentença está devidamente fundamentada e expõe com clareza a convicção do juiz, que analisou os pedidos e a causa de pedir, e adotou uma linha de raciocínio clara e coordenada, citando inclusive jurisprudência dos Tribunais Superiores para respaldar seu entendimento”. Nesse contexto, continua, a 15ª Vara pontuou expressamente os motivos pelos quais entendeu ser desproporcional a penalidade de demissão: “A pena de demissão não é razoável e proporcional […] alguma penalidade deveria ser aplicada, como a de suspensão, mas a demissão é exagerada e desmedida, considerando que o autor é médico, Professor Doutor da USP estando vinculado à instituição desde 2012, e o fato descrito, ainda que reprovável, não se revestiu de conduta dolosa e não trouxe danos irreparáveis ao aluno”.
Ainda sobre a alegada ausência de fundamentação da sentença da 15ª Vara, o relator lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2007, e o próprio TJ-SP em 2019 já se manifestaram no sentido de que a Constituição, no seu artigo 93, inciso IX, “não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada”. Nas palavras do ministro Ricardo Lewandowski, do STF: “O que se busca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento”.
Quanto à tese, sustentada pela Reitoria na apelação, de que o Judiciário não pode rever o mérito do ato administrativo, devendo limitar-se aos aspectos formais, Semer pondera: “É certo que, com relação ao mérito do ato administrativo, o Judiciário não pode, em regra, substituir o juízo de valor da Administração, sob pena de afronta ao princípio da separação e independência dos Poderes, de acordo com o artigo 2º da Constituição Federal. A revisão do mérito do ato administrativo, por vezes, é cabível quando houver afronta aos direitos e princípios constitucionais, tais como o da razoabilidade e da proporcionalidade, e o devido processo legal, em seu aspecto formal e material”.
O desembargador assinala, ainda, que a “discricionariedade da Administração no exercício do poder disciplinar não é absoluta, devendo observar os elementos fáticos e probatórios contidos no processo administrativo, aos quais fica vinculada”. Além disso, cita José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo, 2017) para lembrar que “a correta aplicação da sanção deve obedecer ao princípio da adequação punitiva (ou princípio da proporcionalidade), vale dizer, o agente aplicador da penalidade deve impor a sanção perfeitamente adequada à conduta infratora”. Menciona decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesse sentido.
Semer detalha, então, a questão da desproporcionalidade da pena de demissão, aplicada pelo vice-reitor Antonio Hernandes (no exercício da Reitoria da USP) ao professor Pereira Jr. “No caso dos autos, em que pese o esforço argumentativo da apelante, [é] correto o entendimento do juízo a quo que houve excesso na aplicação da penalidade de demissão. Isso porque, em que pese a gravidade dos fatos, é certo que se tratou de conduta isolada, ocorrida durante atividade acadêmica prática, e sem que restasse configurado dolo ou intenção de causar danos por parte do autor. Além de efetivamente não terem sido causados danos”.
“Documentos que instruem o PAD são suficientes para análise do mérito”
Nesse contexto, prossegue, “embora tenha havido imprudência durante a demonstração de uso do aparelho, é certo que o autor prestou os primeiros cuidados ao aluno, conforme reconhecido pela comissão processante […], de modo que tal conduta não justifica, por si só, a aplicação da penalidade de demissão, especialmente se considerando o histórico funcional do servidor e o tempo no cargo de professor”.
Acrescenta que, ao contrário do que afirma a USP na apelação, “não se mostra necessária a produção de prova testemunhal para análise da proporcionalidade da aplicação da pena, pois, além de não haver discussão quanto aos fatos em si, os documentos que instruem o processo administrativo disciplinar [PAD] já contém depoimentos de diversas testemunhas, e, portanto, são suficientes para análise do mérito”. E, aduz, “deve-se dizer que foi justamente com eles que a comissão processante chegou à conclusão da procedência, mas pela aplicação de pena mais branda”.
Esta é a segunda decisão da 10ª Câmara de Direito Público favorável ao docente da FOB nesse mesmo processo. Em março, esse mesmo colegiado do TJ-SP acolheu agravo de Pereira Jr. contra a decisão da 15ª Vara de não lhe conceder medida tutelar contra a demissão. Naquela ocasião o desembargador Semer foi voto vencido contra o agravo, o que não o impediu de citar a decisão tomada por maioria naquele momento, para reforçar o entendimento de que a demissão foi uma pena excessiva e desproporcional.
“O Tribunal de Justiça julgou o agravo em 16/3 e solicitou minha reintegração. Mesmo com isso a USP não me reintegrou e, subitamente, a juíza de primeira instância soltou a sentença favorável à minha volta em 29/6. Aí, fui reintegrado no dia 15/7 à FOB e ao curso de medicina em videoconferência com o coordenador do curso no dia 30/7, já com o semestre letivo online acertado.”, explicou o professor Pereira Jr. ao Informativo Adusp.
No último dia 26/11 a FOB finalmente enviou ao docente a resposta da Reitoria ao recurso administrativo impetrado por ele mais de um ano antes (em 11/11/2019) contra a demissão. Embora Pereira Jr. naquele momento já estivesse reintegrado ao seu cargo na faculdade, a Comissão de Legislação e Recursos (CLR) indeferiu o pedido dele de reconsideração do caso — e o reitor não se opôs a esse encaminhamento.
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